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Cr�tica - Poesia

Epopeia de Aim� C�saire exp�e condi��o oprimida dos negros

O surrealismo permitiu ao poeta combinar rigor e del�rio, cria��o e destrui��o, o que parecia descrever com maior for�a a realidade do seu povo e o impulso de mudar

FELIPE FORTUNA ESPECIAL PARA A FOLHA

Poeta negro, militante da descoloniza��o, Aim� C�saire (1913- 2008) buscou no seu engajamento um sentido mais puro �s palavras da ra�a.

Revolucion�rio, o poeta, nascido na Martinica, encontrou no surrealismo o discurso --que Jean-Paul Sartre denominou de m�todo-- para projetar uma transfigura��o irrefre�vel, em v�rias dimens�es: a l�ngua francesa, imposta, seria agora convertida em instrumento de contesta��o.

A representa��o do negro antilhano, antes idealizada, agora exibe aspectos de viol�ncia, de ressentimento, de reivindica��o e de poder.

O anticolonialismo de C�saire se revelou uma novidade potente na pol�tica e na literatura, a clamar por engajamento e por independ�ncia.

"Di�rio de um Retorno ao Pa�s Natal", obra escrita e reescrita ao longo de quase duas d�cadas, � o depoimento em forma de epopeia, ao mesmo tempo biogr�fico e prof�tico, de quem exp�e uma condi��o oprimida.

Criou-se com esse poema-prosa, lan�ado inicialmente em 1939, a primeira manifesta��o da negritude --palavra inventada e conduzida por C�saire.

A revolta do poeta � evidente: ao vislumbrar cidades como Liverpool e Nova York, por exemplo, ele afirma: "N�o h� nem um peda�o desse mundo que n�o tenha minha impress�o digital".

Mais do que a marca na superf�cie, contudo, o "Di�rio" revela um processo de infiltra��o gradativa, pelo qual o negro denuncia a passividade do seu povo --deformado na alma e aculturado-- e as formas de opress�o trazidas pelo colonizador.

A negritude, pot�ncia libertadora, impede que os antilhanos permane�am v�timas; impede tamb�m que a palavra civiliza��o tenha apenas o sentido de desenvolvimento e progresso.

O retorno do poeta ao seu pa�s � um epis�dio biogr�fico que resulta numa queda no inferno.

"Mas quem muda minha voz? Quem esfola minha voz? Enfiando-me na garganta mil estacas de bambu. Mil espinhos de ouri�o. (...) �s tu peso do insulto e cem anos de chicote. �s tu cem anos da minha paci�ncia, cem anos dos meus esfor�os s� para n�o morrer."

MONUMENTO L�RICO

Mas o projeto pol�tico de C�saire --robusto e inconfund�vel-- � igualmente transmitido por meio de met�foras desconcertantes, que tanto atra�ram o franc�s Andr� Breton (1896-1966), o autor de "Os Campos Magn�ticos" (1920), que declarou ser o "Di�rio" "o maior monumento l�rico deste tempo".

O surrealismo permitiu ao poeta da negritude combinar rigor e del�rio, cria��o e destrui��o, o que parecia descrever com maior for�a a realidade do seu povo e o impulso de mudar.

"Olha, prefiro confessar que generosamente delirei, meu cora��o no c�rebro como um joelho b�bado. (...) E sobre esse sonho antigo minhas crueldades canibais: (...) (As balas na boca saliva espessa nosso cora��o de quotidiana baixeza explode)", escreveu.

A edi��o bil�ngue de Lilian Pestre de Almeida, tradutora que assina um ensaio rico de interpreta��es e informa��es, tem numerosos m�ritos.

O principal deles, o de finalmente fazer circular em portugu�s um texto de muito interesse para as obrigat�rias reflex�es sobre o Brasil que foi longamente escravocrata.

Pode-se discordar de trechos da tradu��o por serem eventualmente literais e sem total aten��o � express�o po�tica.

Mas em nenhum momento se deixa de transmitir a novidade, as reivindica��es e as afli��es do poeta-narrador, que oscilam entre o pessoal e o c�smico.

O leitor poder� lembrar que Cruz e Sousa (1861-1898) escreveu "Emparedado", texto doloroso no qual denuncia o racismo e "a ci�ncia ditadora" que reduziu o seu destino do poeta.

Ali ocorreu o protesto, mas n�o a liberta��o do negro. Com C�saire, tudo parece quebrar-se e erguer-se, a partir das imagens cr�ticas que rumam � liberta��o.


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