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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Televisão

'Seinfeld' 25 anos depois: Como a série sobre o nada acabou sendo sobre praticamente tudo

Sitcom encerrou seus episódios em 1998, mas continua tendo relevância no mundo atual

Da esq., Michael Richards, Jason Alexander, Julia Louis-Dreyfus e Jerry Seinfeld da série 'Seinfeld' - Divulgação
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Maya Salam
The New York Times

No início da pandemia, desenvolvi um hábito estranho. Todas as noites, colocava meu telefone debaixo do travesseiro e ouvia um episódio (ou seis) de "Seinfeld", por sob alguns centímetros de enchimento de polietileno. Se bem que, para quem me conhece, essa propensão provavelmente pareça normal.

Comecei a assistir a "Seinfeld" quando a série estreou na rede de TV NBC, em 1989, e nunca mais parei, vendo e revendo todos os episódios, incessantemente, em diversos plataformas, lendo os roteiros em meu tempo livre e irritando todo mundo ao inserir citações da série sempre que podia (peço desculpas a todos).

Quando a série terminou, 25 anos atrás, no dia 21 de maio, poucos dias antes de eu me formar no ensino secundário, eu e meus jovens colegas devotados a "Seinfeld" nos reunimos em frente à TV para dizer adeus a Jerry, Elaine, George, Kramer e os muitos personagens secundários inesquecíveis, como Yev Kassem ("o nazista da Sopa") e Marla Penny ("a virgem"), que aparecem no tribunal para acusá-los, no final polarizador da série. Tecnicamente, era o fim de uma era, mas, para mim, foi apenas o começo de algo que viria a influenciar todas as fases de minha vida.

Na verdade, meu estranho hábito de ouvir "Seinfeld" sob o travesseiro fez mais do que me divertir e me acalmar enquanto eu passava noites em claro durante um período profundamente estressante. Naquelas horas insones, comecei a pensar sobre a série de forma diferente. Por que, em um momento no qual o tecido da sociedade parecia estar se esgarçando, "Seinfeld" parecia tão presciente? De onde vinha a sensação de que aqueles amigos - que alegre, orgulhosa e habilmente desrespeitavam as convenções sociais e as regras da vida adulta tradicional –haviam compreendido há muito tempo algumas verdades fundamentais que, devido às interrupções da pandemia, muita gente tinha começado a reexaminar?

Para quem não sabe, "Seinfeld", criado por Jerry Seinfeld e Larry David, traz Seinfeld como uma versão fictícia de si mesmo e acompanha suas aventuras e desventuras em companhia de seus três companheiros mais próximos: seu amigo de infância, George Costanza (Jason Alexander); sua ex-namorada que se tornou amiga, Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus); e seu vizinho excêntrico, Kramer (Michael Richards). O programa é considerado uma das melhores séries de todos os tempos.

"Seinfeld" é constantemente enquadrada como uma comédia sobre quatro pessoas terríveis, e com razão. Jerry e seus companheiros desajustados mentem, enganam e roubam. São mesquinhos e superficiais. O programa criou uma estrutura para personagens "ruins" em sitcoms que séries como "It's Always Sunny in Philadelphia" viriam a adotar com grande prazer e sucesso.

Mas eles também apresentavam uma versão irreverente da vida adulta que eu nunca tinha visto, na TV ou na vida: um mundo brincalhão, porém sofisticado, onde os adultos riam e se divertiam juntos e não se levavam muito a sério, mesmo quando todos ao seu redor estavam sendo sérios demais.

Mais importante ainda, eles zombavam abertamente da noção de que o sucesso profissional, o casamento e a paternidade eram os pilares da existência. Para mim, uma criança séria cercada por adultos sérios –e uma criança condenada ao ostracismo por aqueles que não conseguiam me categorizar, e que sabia desde cedo que seguir os caminhos tradicionais para a realização era inaplicável–, isso revelou um mundo de possibilidades.

"Seinfeld" questionava abertamente os conceitos tradicionais. Em um episódio, quando Jerry e George são obrigados a se perguntar se precisam crescer, Jerry recebe uma repreensão explosiva de Kramer: "Em que você está pensando, Jerry? Casamento? Família? São prisões! Prisões feitas pelo homem! Você estará cumprindo pena". Em outro, quando George lamenta uma interação estranha no escritório, Jerry, satisfeito consigo mesmo, responde: "Eu nunca tive um emprego". (Em uma entrevista de 1993 com Charlie Rose, Seinfeld disse que uma das vantagens de ser comediante era a capacidade de rejeitar muitas facetas da vida comum: "Você simplesmente não se sente parte dela, e isso é uma coisa boa").

Essa sensibilidade dissidente está presente em toda a série, e qualquer tentativa dos personagens de se sublimarem às normas sociais fracassa rapidamente e, muitas vezes, de forma espetacular. Principalmente no âmbito profissional, onde oportunidades e aspirações surgem e desaparecem: os empreendimentos comerciais bizarros de Kramer; a carreira instável de Elaine na área editorial; a maneira pela qual George sabota sua própria carreira corporativa; e até mesmo a esperança de Jerry, na subtrama mais metafórica da série, de transformar sua carreira de standup em uma sitcom de sucesso.

Algumas das situações mais engraçadas abordavam especificamente os absurdos dos empregos de escritório. Em um episódio, Kramer é confundido com um funcionário depois de usar o banheiro de uma empresa e, em seguida, continua voltando como se trabalhasse lá. Vestindo um terno e balançando uma pasta em que carrega apenas biscoitos, ele era um menino brincando de trabalhador; um impostor que não sofre da síndrome do impostor. As perspectivas profissionais de Elaine estavam sujeitas aos caprichos de chefes excêntricos e irracionais, mas sua identidade nunca foi definida por sua carreira. Em lugar disso, seus empregos e seus chefes agiam como contrapontos para que sua personalidade florescesse.

Mas o mais importante é que, depois de cada um de seus muitos fracassos, os personagens terminavam exatamente como eram antes: bem, sem problemas, ilesos e raramente abatidos por muito tempo. Isso certamente tinha raízes na realidade: quando Terry Gross perguntou a David em 1992 se a baixa audiência inicial do programa era desmoralizante, ele respondeu: "Se o programa fosse cancelado, não faria diferença para qualquer de nós".

No que tange aos valores pessoais, "Seinfeld" se afasta mordazmente das "sitcoms" familiares que vieram antes dele, como "The Cosby Show" e "Growing Pains", que se baseavam em aspirações similares e aceitas no mundo real.

Outras séries contemporâneas cujo foco eram as amizades —"Friends", "Living Single", "Will & Grace"– continuavam a seguir predominantemente uma trajetória comum, e metas de carreira, relacionamento e família eram a força motriz, que muitas vezes se intensificava à medida que os programas se aproximavam do fim. Em vez de confiar no clichê comum de final de temporada —alguém engravida e vai ter um bebê—, "Seinfeld" fez o oposto, dedicando histórias a diafragmas, ao anticoncepcional Today Sponge e a preservativos.

Apesar do niilismo sugerido pelo lema interno do programa, "nada de abraços, nada de aprender" (que resume grande parte do comportamento dos personagens), "Seinfeld" exibia uma visão de mundo e prioridades que eram revigorantes e, para mim, serviam como inspiração e aspiração muito mais forte. E não apesar de aquelas pessoas serem imperfeitas e desinteressadas na perfeição, mas exatamente por o serem. Mesmo com suas neuroses abundantes, elas viviam no presente, buscavam diversão e eram leais às amizades estreitas e desprovidas de hipocrisia que eram o cerne da série, amizades do tipo em que mesmo que seus manos conheçam seus pontos fracos, eles o amam mesmo assim.

Hoje —à medida que as fissuras na fachada da cultura dos batalhadores continuam a se expandir; à medida que uma biblioteca crescente de livros e artigos promove o valor do descanso e da diversão; à medida que mais pessoas adiam ou renunciam ao casamento ou aos filhos— a vida real parece estar enfim chegando ao nível de "Seinfeld". Mesmo de uma perspectiva menos rósea, com a percepção de que as imagens antigas da vida adulta podem não ser tão atingíveis como no passado, o programa adquiriu uma nova capacidade de identificação, oferecendo novos motivos para que aqueles que o assistem se encarem com uma dose de humor autodepreciativo.

No final do último episódio da série, que foi assistido por um público inimaginável de 76 milhões de pessoas, a gangue acaba na cadeia depois de um julgamento em que um desfile de testemunhas de caráter, muitas das quais sacaneadas pelos réus ao longo de nove temporadas, depõem sobre seu comportamento antiético (vale ressaltar que tive dificuldades com o episódio —como tenho com muitos finais de sitcoms— por se distanciar demais do clima muito peculiar do programa, a principal fonte de minha afeição).

Mas se olharmos para o episódio de um ângulo diferente e deixarmos um pouco de lado os gracejos, seremos capazes de extrair uma metáfora sobre aqueles que não seguem o roteiro, optando, em vez disso, por se entregar descaradamente a uma cultura que raramente aprecia a indulgência sem culpa. A cela em que eles terminam trancafiados era reservada às pessoas que se recusam a aderir, mas pelo menos eles tinham uns aos outros.

De certa forma, pensar de modo tão profundo sobre o episódio pode ser contrário ao espírito de "Seinfeld", famoso por ser um programa sobre o nada. Bem, está certo. Nesse caso, yada yada yada, a série acabou sendo sobre praticamente tudo.

Tradução de Paulo Migliacci

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