Os Gadgets PDF
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Marcela Antelo1
UCSAL Bahia
Por un lado, este discurso ha engendrado todo tipo de instrumentos que, desde el
punto de vista que es el nuestro, hay que calificar de gadgets. De ahora en adelante, y
mucho ms de lo que creen, todos ustedes son sujetos de instrumentos que, del
microscopio a la radio-televisin, se han convertido en elementos de su existencia. En
la actualidad, no pueden siquiera medir su alcance, pero no por ello dejan de formar
parte de lo que llam el discurso cientfico, en tanto un discurso es lo que determina
una forma de vnculo social.
(LACAN, Sem. XX, 1972/3, p. 174)
Alors l la boucle se boucle sur ce que je viens de vous dire tout l'heure: l'avenir de
la psychanalyse est quelque chose qui dpend de ce qu'il adviendra de ce rel, savoir
si les gadgets par exemple gagneront vraiment la main, si nous arriverons devenir
nous-mmes anims vraiment par les gadgets.
Je dois dire que a me parat peu probable. Nous n'arriverons pas vraiment faire que
le gadget ne soit pas un symptme, car il l'est pour l'instant tout fait videmment.
(LACAN, La Troisime, 1974, p. 203)
Resumo: O homem como deus com prteses definido por Freud tece relaes
sintomticas com os objetos que suportam esta funo: ora seduzem o desejo, ora o
causam, ora o obturam. Os gadgets como produtos do casamento da cincia e do
capital so testemunhos do fracasso da cultura em racionalizar o instrumental.
Revelam, da maneira mais pura, o feitio selvagem que, em palavras de Marx,
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Graduada em Psicologia pela Universidad de Buenos Aires; Professora do Curso de ps-
graduao em Cinema UCSAL, Bahia; Mestre em Filosofia pela Universidad Nacional de Mar
del Plata; e-mail: [email protected].
marca com a inutilidade o excesso da produo capitalista. Hoje so signo da
prtica tica, esttica e material do efmero. Lacan pensou que nunca chegaro a
animar-nos verdadeiramente, mas sim faremos sintomas ao redor deles.
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J em suas Mitologias (BARTHES, 1957/1999) havia sublinhado como os brinquedos de
plstico, sem vida pstuma, introduziam a sinestesia do uso e no a do prazer como os brinquedos
de madeira, crianas como usurias e no como criadoras.
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Todos ns conhecemos algum colecionador que guarda maniacamente peas
avulsas que no servem para nada porque em algum momento podem ser teis para
algo. Funcionalidade imaginria suposta a qualquer maquinaria, mistrio funcional
dos objetos. A verdadeira funcionalidade da mquina da ordem inconsciente:
da vem a fascinao que exerce (BAUDRILLARD, 1968, p.165). A
funcionalidade libidinal; tal como demonstra Freud no Fort Da do seu neto; o
valor ldico de um objeto produzido pela tcnica, um carretel de linha e sua
inutilidade potencial se associam para produzir um meio de gozo. Por trs de cada
objeto real h um objeto sonhado, diz Baudrillard.
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desejo e a compatibilidade esttica com o design estiloso fundamentam os
restantes mecanismos da ascenso do objeto ao znite social, cu social, como
resumiu Lacan, 1970, em seu neologismo sociel3 da civilizao. O consumo
do consumo (BAUDRILLARD; CROCI & VITALE, 2000), verdadeiro fetichismo
do signo, vem substituir o tradicional fetichismo da mercadoria introduzido por
Marx. A proliferao de elementos a-estruturais (automatismos, acessrios,
diferenas inessenciais) que fazem o triunfalismo do objeto, uma espcie de
cncer (BAUDRILLARD, 1968, p. 175).
Cncer, ornamento, apropriao, antropofagia, as metforas da ao da
tcnica sobre o sujeito que esta determina no cessam. Um feitio selvagem toma
literalmente a mo do homem, arteso do dom maravilhoso, e a conduz a
desenvolver maquinarias que criam novas fontes de necessidade que a mo
extenuada se revela incapaz de satisfazer. Consome-se o prprio processo de
consumo e essa repetio faz gozar. Os objetos tecnolgicos acabam impondo seus
modos de ser e do origem a discursos demonizadores o elegacos to antigos
como o filho acorrentado do deus. Marx, (1956/1969/1999), fala de infmia.
A ideologia do mercado assegura que todos os seres humanos se do mal quando tentam
controlar seus prprios destinos (o socialismo impossvel), e que temos sorte de poder
contar com este mecanismo impessoal o mercado que pode tomar o lugar da hybris
do planejamento humanos, e substituir de uma s vez a capacidade de deciso dos
homens. S precisamos manter esse mecanismo bem azeitado e limpo, e ele como o
monarca faz h tantos sculostomar conta de ns e de manter-nos em linha
(JAMESON, 1996, p. 280).
Tcnica e Tecnologia
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Lacan prognosticou que o novo astro (o objeto a) se elevaria ao cu social (cria o neologismo
sociel). LACAN, J. [1973] Tlvision, in Outros escritos, Cap. 8. Jacques Alain Miller
comentou vrias vezes este enunciado a propsito da multiplicao de artifcios por meio dos
quais o real devora a natureza e que lhe serve de apoio no seu seminrio O Outro que no existe e
seus comits de tica. Tambm em Fantasia em Opo lacaniana, N 42, Janeiro 2005 (pp. 7-
18).
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surpreendente o carter recente que a inovao do termo tecnologia
introduz em relao tcnica. A palavra baseada em sua raiz grega techn chega
ao ingls no sculo XVII, mas se refere inicialmente a tratados, discursos ou
aprendizagens relativos s artes mecnicas. Em tempos da revoluo industrial
mantm esta generalidade, referindo-se sobre tudo a um tipo de livro, exceto para
poucos pioneiros como Veblen que, no comeo do sculo passado, comea a usar a
palavra para referir-se coletivamente s artes mecnicas, tendncia que s se
consagra depois da Primeira Guerra Mundial. J em 1862, a palavra tecnologia
aparece nomeando uma nova instituio de ensino, The Massachusetts Institute of
Technology. O fsico e botnico Jacob Bigelow introduziu a palavra em 1828. Nos
anos 1880-1920 inovaes tais como o advento da eletricidade, o automvel, o
rdio, o telefone, o avio e a imagem em movimento marcam a poca da chamada
Segunda Revoluo Industrial. Henry Adams (1973) anuncia a apario de um
novo americano, novo engendro da natureza, que imagina nascido desde 1900, uma
espcie de deus de incalculvel poder qumico, eltrico e radioativo.
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O gadget e a demanda de novidade
Uma vez feita esta diferena entre tcnica e tecnologia podemos diferenciar
o gadget dentro do tecnolgico como articulao da cincia com o discurso do
mestre que ordena que tudo funcione. Nem tudo que de ordem tecnolgica
gadget. O que caracteriza o gadget, diz Judith Miller, no mesmo artigo que
comentamos, o fato de suscitar uma demanda nova: O gadget ento o objeto
tecnolgico tomado no discurso do mestre e no circuito do mercado. nisso que
pode dar-se como ftil, e at como intil, em todo caso para o avano o discurso
cientifico (MILLER, 1994, p. 35).
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aplicada captura o sujeito com suas ofertas causando incessantemente seu desejo.
Sujeita seu gozo a um saber sem amo que o conduz por um circuito calculado, cujo
automatismo desconhece por completo, mas que o instiga. Para Jean Baudrillard
(1968), o objeto automatizado ao caminhar sozinho impe uma semelhana com o
indivduo humano autnomo; isso produz sua fascinao. J mencionamos o desejo
de automatismo. O automatismo a verdade imaginria do objeto tcnico que
brinda uma satisfao esotrica no cotidiano. O trabalho, gozo da renncia ao gozo
contemporneo, segue as pegadas do automatismo que consegue transformar at o
cio em imposio do mercado.
a palavra mesma faz enigma Como outras tantas vezes, Lacan nos surpreende com sua
escolha de um termo obsoleto que atrai nossa ateno. O significante gadget parece
dotado de um estranho poder de auto-designao. Uma palavra ftil, suprflua na lngua,
americanizada (BIALEK, 1994, p.15).
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O gadget desenha uma espcie de caricatura do individualismo
contemporneo que na solido do Um desfruta do objeto para todos. Obra aberta,
esta vegetao proliferante, por onde o consumidor dever guiar-se tateando, j
que tudo pode acabar sendo gadget, at um livro, como diz Derrida de Fukuyama.
O Jornal ingls The Independent publica uma compilao feita por Simon
Usborne (2007), 101 gadgets que mudaram o mundo. No aparecem a as
famosas orelhas de Mickey nem o aparelho de extrair caroo de azeitona. O srio
da srie consiste em tentar estabelecer quando possvel a paternidade da inveno.
Desde os tambores e os bacos babilnicos, o boto, o zper, o fsforo, o guarda-
chuva, a bicicleta, a frigideira, o anzol, o lpis e a lmpada, a chave de Yales, a
guilhotina, a seringa, a camisinha e o velcro, o termmetro, o microscpio, o
telescpio, a mquina de barbear, a de costurar, a torradeira, o clipe de papel, o
radio, o laser, o Vinil, o CD, o VHS, o micro chip, a fibra tica. Da dinamita de
Nobel at a primeira arma automtica de Hiram Maxim que tambm inventou a
ratoeira. Da plula at a escova de dente inventada por um chins annimo em
1498, do indispensvel Post-It de Art Fry at o Ipod de Jonathan Ive que vende
2000 aparelhos por hora.
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Em Tlvision quando Lacan designa o (a) como fundante da angstia. (p.38) Fonder (la
psychanalyse), dis-je, de cet abjet comme je dsigne maintenant plutt mon objet a.
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A clssica descrio que Baudrillard fez da Disneylndia
Esse artefato poder ter rearticulado e enriquecido as relaes humanas, mas muito
rapidamente foi sobrecarregado de funes parasitarias de prestigio, de conforto, de
projeo inconsciente... que frearam e depois bloquearam sua funo de sntese humana
(BAUDRILLARD, 1968, p. 178).
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produes. O neologismo original lethouse, latusa, vem de duas palavras gregas, o
esquecimento, propriedade do rio Leth onde a verdade fica esquecida e Ousia,
substncia, entre o outro e o ente, diz Lacan (1969-70). Rima com ventosa e dela
extrai sua vocao de colar-se na carne do falasser. Substncias prometidas ao
gozo de ver e de dar a ver e ao gozo, de escutar e dar a escutar, de invocar (dar a
voz) e ser invocados. Televiso, rdio, redes de ondas Hertz, fluxos globais de
mdia e tecnologia que rarificam a atmosfera.
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Lacan, o que nos oferece?: Nos coloca gadgets para beliscar,...em lugar daquilo
que nos falta5.
Este lugar de suplncia transforma os gadgets em instrumentos, em meios
de gozo. Como tal, podem encarnar a funo tanto de sintomas coletivos como
individuais ao proporcionar o surgimento de uma verdade que no cala. O curto-
circuito da utilidade venerada com o gozo que pode inutilizar qualquer conquista
ou desvi-la do seu propsito servil. Verdadeiros deuses da poca, verdades
reveladas, simulam a tecnicidade e seu mandato de eficincia, ao tempo que
revelam o gozo da inutilidade, o destino ftil do prprio gesto prometeico.
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A expresso sous la dent se refere funo bifronte do tira-gosto/aperitivo que se usa tanto
para acalmar como para abrir o apetite j que um belisco no o satisfaz. Verso original: Nous
avons fait quelques petits progrs depuis, mais qu'est-ce que a donne en fin de compte, la
science? a nous donne nous mettre sous la dent la place de ce qui nous manque dans le
rapport, dans le rapport de la connaissance, comme je disais tout l'heure, a nous donne cette
place en fin de compte ce qui, pour la plupart des gens, tous ceux qui sont l en particulier, se
rduit des gadgets: la tlvision, le voyage dans la lune, et encore le voyage dans la lune, vous
n'y allez pas, il n'y en a que quelques-uns slectionns. Mais vous le voyez la tlvision. C'est
a, la science part de l. Et c'est pour a que je mets espoir dans le fait que, passant au-dessous de
toute reprsentation, nous arriverons peut-tre avoir sur la vie quelques donnes plus
satisfaisantes (LACAN, J. 1974/1988).
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Esta pergunta foi aprofundada em outra ocasio: ANTELO, M. (2006) O pai da alma, in
Latusa, N11, Rio de Janeiro: Escola Brasileira de Psicanlise, p. 25-37.
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sintoma.
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Referncias Bibliogrficas
COLLINS, H (1999) Collins English Dictionary. England: William Collins Sons &
Co.
HIRSCH, F. & KEGAN, P. (1977) The social limits of growth. Londres: Routledge.
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LACAN, J. (1959) El Seminario, Libro 6: El deseo y su interpretacin. Clase I,
(indito).
_________. (1974) La troisime, in Lettres de lEFP. Paris: EFP, n. 16, nov. 1975, p.
178-203.
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MILLER, J.-A. (2005) Uma fantasia, in Opo Lacaniana, n. 42. So Paulo:
Eolia.
SALE, K. (1996) Rebels Against the Future: The Luddites and Their War on the
Industrial Revolution Lessons for the Computer Age. New York: Perseus
Publishing.
USBORNE, S. (2007) 101 gadgets that changed the world, in The Independent.
Disponvel em: http://www.independent.co.uk/life-style/gadgets-and-
tech/features/101-gadgets-that-changed-the-world-398535.html.
The Gadgets
Recebido em 28/04/08
Aprovado em 02/06/08
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