Idade, renda e falta de atividade física são os fatores mais associados à obesidade no Brasil, aponta estudo da FGV 

Projeto analisou a doença de forma multidimensional em abordagem inédita sobre o tema 

Seis a cada dez brasileiros estão com excesso de peso no Brasil e cerca de 600 milhões de pessoas no mundo são consideradas obesas, conforme o IBGE e a OMS. Diante deste problema de saúde pública global, a Fundação Getulio Vargas realizou um estudo inédito sobre a obesidade, a partir de uma proposta multidimensional e integrando diferentes fatores que podem levar a ocorrência da doença. A pesquisa identificou através de análises estatísticas que a idade, as condições socioeconômicas e a falta ou insuficiência de atividade física estão entre os principais fatores associados a prevalência da obesidade no Brasil. 

O projeto utilizou dados da Pesquisa Nacional em Saúde (PNS), do Ministério da Saúde, e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, para entender as causas plausíveis da obesidade através dos principais fatores relacionados a esta doença no país. Através de uma abordagem inédita, o projeto espera apoiar a criação de políticas públicas em saúde, aprofundando os conhecimentos acerca do tema e fazendo um mapeamento sobre as medidas mais efetivas de combate ao excesso de peso no mundo todo. 
O professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP), Marcio Holland, que coordenou o estudo, afirma que muitas pessoas acreditam que a obesidade está associada principalmente ao consumo de determinados alimentos. No entanto, o novo estudo indica que este fator é pouco relevante se for analisado de forma mais ampla. 
“Ao comparar indivíduos com peso normal, com sobrepeso e com obesidade, não houve diferenças estatisticamente significantes no consumo calórico, com a diferença média sendo de 5 Kcal. Contudo, o estilo de vida e modo de trabalho, bem como o fato de um indivíduo residir em zonas urbanas, aumentam a probabilidade de excesso de peso”, introduziu o professor. 

Obesidade em populações de baixa renda 

A obesidade é caracterizada pelo excesso de peso, quando um indivíduo atinge o Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou maior que 30 quilos por metro quadrado, conforme definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em níveis de comparação, uma pessoa com peso normal costuma ter um IMC de 18 a 24,9 quilos por metro quadrado. Qualquer número acima deste valor, já pode ser considerado excesso de peso, relatou o pesquisador no relatório final do estudo. 
A PNS, em sua última edição de 2019, indica que atualmente a taxa de obesidade no Brasil está em 20,1%. 
No entanto, os pesquisadores da FGV EESP realizaram também uma projeção sobre a evolução da obesidade no país, e constataram que, caso esse grave problema de saúde pública permaneça com a mesma taxa de crescimento atual, em 2030 ele vai atingir 24,5% da população. Porém, dentro desta taxa de crescimento, algumas parcelas da sociedade estão em maior vulnerabilidade. 
A obesidade ter crescido em todo o mundo, seja em países ricos seja em países pobres, tendo em alguns casos alarmantes, como o dos Estados Unidos, em que quase metade da população tem prevalência de obesidade. 
Para entender o nível de impacto de cada um desses fatores, sejam eles diretos ou indiretos, é necessário ter uma perspectiva multidimensional. “Dada a complexidade de suas causas, a extensão de seus danos e o status de epidemia mundial, o controle da obesidade não apresenta resposta simples, direta e óbvia”, afirmaram os autores do estudo no relatório final do projeto, que terá seus resultados divulgados durante a webinar sobre Obesidade no Brasil, que ocorre no dia 25 de abril, as 11hs, no canal YouTube da FGV. 

Obesidade infantil e envelhecimento populacional 

De acordo com o professor Holland, a prevalência da obesidade costuma aumentar conforme o indivíduo vai ficando mais velho, pois crianças e adolescentes possuem índices bem menores de obesidade, atingindo cerca de apenas 6% desta parte da população. Porém, uma vez que a obesidade é estabelecida na juventude, fica muito difícil reverter este quadro até a vida adulta. 
“Quanto mais adulto, maior a probabilidade de ficar obeso. Nosso país possui um envelhecimento da população bastante acelerado. Em média, nossa população envelhece três vezes mais rápido do que populações de outros países que já contam com uma sociedade mais envelhecida. Nas últimas décadas houve uma grande redução da população jovem no nosso país e o que a França demorou 150 anos para envelhecer, por exemplo, o Brasil fez isso em 50 anos”, apontou o pesquisador. 

Obesidade atinge homens e mulheres de formas diferentes 

Ele complementa que há viés de gênero feminino na prevalência da obesidade, apesar da prevalência de sobrepeso ser maior entre os homens. “Este é um dado muito interessante visto que a obesidade de uma mulher não costuma ser tão grave quanto o sobrepeso de um homem. Isso porque o aumento de peso no público masculino é ligado a região do abdômen e a possibilidade de doenças cardiovasculares, além de afetar os homens mais intensamente em termos de localidade de massa”, informou. 
Ainda assim, os dados da PNS apontaram a prevalência de 22% de obesidade em mulheres e 18% em homens, enquanto a taxa de sobrepeso em homem é de 39% e 34% em mulheres. 
O coordenador da pesquisa detalha essa discussão fazendo uma reflexão sobre a trajetória dos brasileiros nos últimos 50 anos. “A expectativa de vida das pessoas aumentou muito, e nesse período, ao contrário do que diz o senso comum, a alimentação das pessoas em geral melhorou bastante. Esta melhoria veio acompanhada de mais acesso à saúde, campanha de vacinação, acesso à água potável e diversas causas que aumentaram a expectativa de vida do ser humano”. 
Essas condições influenciam para que as pessoas fiquem mais altas, fortes e maiores, e talvez, apenas como especulação, a padronização internacional da OMS possa não estar acompanhando essa evolução. 

Obesidade causa outras doenças? 

Não é nenhuma novidade que a prevalência de hipertensão, diabetes e colesterol alto chega a ser duas vezes maior em pessoas obesas. Os números da PNS indicam 41,5%, 13,4% e 21,7%, para o aumento de chance de obesos desenvolverem cada uma dessas doenças, respectivamente.  
Além disso, algumas enfermidades respiratórias, como asma ou bronquite, também são mais frequentes entre as pessoas consideradas obesas (5,9%) do que entre as pessoas com peso normal (4,7%). O mesmo ocorre com os problemas relacionados à mobilidade, tais como artrite e problemas na coluna ou nas costas, que acometem respectivamente 11,3% e 24,9% desta parcela da população. Contudo, o professor alerta que esta associação merece um olhar mais cuidadoso. 
“Muitas pessoas costumam se referir a ela como causadora de outras doenças, como hipertensão, diabetes e inúmeros tipos de câncer. Mas a obesidade não é necessariamente a causadora dessas outras doenças, ela está associada a elas”, declarou Márcio ao afirmar que o estudo tentou entender a seguinte questão: se a obesidade está associada a outras doenças, quais fatores estão associados a ocorrência da obesidade em primeiro lugar?  
“A inferência de causalidade com dados é sempre um grande desafio para a pesquisa. Afinal, o que causa o que? Qual é a relação de causa e efeito? Um fator X pode causar outro Y, que por sua vez, pode causar o fator X. Causalidade pode ser bidirecional e aí está o desafio da pesquisa. As pessoas usualmente confundem correlação que é estar relacionado com algo, e a causalidade, no sentido de causa e efeito”. 

Impacto da alimentação
 
Apesar de o modo de vida associado com sedentarismo, a faixa etária e as questões socioeconômicas serem fatores mais relevantes para uma pessoa apresentar obesidade, ainda assim este estudo encontrou diferenças estatisticamente significantes no consumo de alguns alimentos, como carnes, panificados, doces, farinhas e massas, óleos e gorduras. 
O consumo de leguminosas, como feijão e ervilha, e das oleaginosas, como amendoim e castanhas, estão associados às menores chances de engordar. O índice de probabilidade foi calculado em aproximadamente 4,1 e 2,7, respectivamente. Por outro lado, o consumo de proteínas de origem animal indica maiores chances de elevar o peso das pessoas, com probabilidade de 7,2 e 3,3. 
“O consumo do clássico prato brasileiro, o famoso arroz com feijão, não traz riscos de aumento de peso. Porém, um outro costume do brasileiro que é o churrasco, devido ao consumo de carne vermelha, está associado a efeitos gritantes para o excesso de peso e obesidade, principalmente se forem associados a falta de prática de exercícios e ao consumo de bebida alcoólica”, pontuou o pesquisador. 

Holland acrescenta que apesar dos riscos para esses diferentes itens, a alimentação semanal em população com peso normal e as populações com sobrepeso e obesidade não apresentaram diferenças estatisticamente relevantes. Por exemplo, a frequência semanal com que as pessoas consomem peixes ou suco natural de frutas é bastante semelhante entre os grupos definidos por diferentes categorias de IMC.  
“É necessário tomar o cuidado para não posicionarmos os alimentos com maior probabilidade de causar a obesidade como o grande causador da mesma. É preciso associá-los aos outros fatores trazidos para esta discussão”. 

Modo de vida e fatores além do alimento 

O balanço entre a ingestão calórica e o consumo calórico se apresenta como um indicador associado com a evolução da obesidade, de acordo com a OMS.  Entretanto, além disso, há questões fisiológicas, metabólicas, os modos de vida e as questões socioeconômicas e demográficas, bem como genética, vícios como o tabagismo e alcoolismo, traumas psicológicos, distúrbios emocionais, entre outros que estão fortemente associados ao aumento de peso. 
Além de observar os modos de vida da população brasileira, o professor Holland acredita ser necessário observar esses fatos sob uma perspectiva mundial. 

Ele afirma que alguns fatores como globalização e a importação do modo de vida de outras culturas, sobretudo no que diz respeito ao modo de vida americano, que foi abraçado pelos brasileiros, também possuem influência quando o assunto é obesidade. 
“Normas culturais como o tempo despendido em frente à televisão, sobretudo com a ascensão de streamings, permitem observar quão impressionante é o tempo que as pessoas ficam em frente à TV, potencializando o sedentarismo, que está associado ao aumento de peso. Este fator pode ser somado a essas questões genéticas e psicossociais, além de possíveis tratamentos que o indivíduo passou, entre outros inúmeros fatores”. 

Estatística e saúde 

O pesquisador aborda a importância da PNS para realizar este estudo: “por se tratar de uma pesquisa que avalia o perfil de consumo e os hábitos das famílias brasileiras, percebemos que era possível observar hábitos alimentares e de atividade física, com cortes sobre gênero, idade, entre outros”, explicou o professor. 
Segundo ele, este estudo só foi possível de ser realizado porque hoje em dia a comunidade acadêmica conta com ferramentas tecnológicas, a exemplo do Machine Learning e Big Data, que permitem analisar grandes bases de dados.  
“Comparamos os perfis de índice de massa corporal, pessoas com peso considerado normal, sobrepeso e obesidade, e cruzamos esses dados com a renda, o gênero e o perfil de consumo desses indivíduos. Foi a partir desta vinculação que conseguimos encontrar quais fatores estão, de fato, mais próximos da obesidade”, disse Holland ao ressaltar que dados estáticos não constroem regras, eles apenas indicam as variáveis a serem analisadas. 

Estudo inédito 

O pesquisador comenta que o interesse por pesquisar a obesidade sob a ótica multidimensional se deu pelo fato de que as causas da doença variam bastante conforme os diferentes países. “Por não existir uma regra comum, havia a necessidade de uma visão mais ampla, capaz de entender a influência de todos os fatores e como eles estão associados estatisticamente à obesidade”. 
A Organização Mundial da Saúde (OMS), que alerta para o fato de a obesidade ter aumentado três vezes mais, no mundo inteiro, desde os anos 1970, vem chamando atenção para a importância de aprofundar este tema. No entanto, a maioria dos nutricionistas, e outros pesquisadores da área da saúde, pesquisam sobre as possíveis causas somente em um determinado alimento, ou mesmo nos fatores psicossociais, culturais, emocionais e até de metabolismo. 

“Não havia, até então, um estudo que reunisse todos esses fatores a fim de identificar quais era os que tinham mais associação, estatisticamente, com a evolução da obesidade aqui no país. Em vez de dizer que tal comida pode levar ao aumento de peso, estamos alertando para os inúmeros fatores que estão associados a essa ocorrência”, declarou Holland. 
O pesquisador argumenta que grande parte das pesquisas brasileiras sobre o tema buscam por um fator causador, em vez de olhar para uma perspectiva mais integrada. Para ele, não há um único vilão e sim uma combinação de valores que estão por trás da prevalência desta doença.  
“Se colocarmos, por exemplo, o consumo de açúcar como uma possível causa de obesidade, é claro que o pesquisador encontrará uma alta relação. Porém, se observarmos estatisticamente outros fatores como idade, gênero, atividade física, o fator ‘consumo de açúcar’ pode perder importância em meio a todos esses outros, por isso, é necessário sairmos desta falsa causalidade e passarmos a levar em consideração que não é somente um alimento que vai levar a obesidade, e sim o sistema alimentar, os modos de vida, a urbanização, a globalização e inúmeros outros fatores”. 

Políticas públicas para diminuir obesidade 

Marcio Holland declara que este projeto pode auxiliar gestores na criação de políticas públicas, baseadas em evidências científicas. Ele relembra que uma das medidas do governo para tentar diminuir a incidência de obesidade no país foi tributar alguns produtos selecionados como causadores de aumento de peso. 
“Atualmente, a carga tributária para alguns itens associados a obesidade, como bebidas adoçadas, está em torno de 37% a 45%. Nesta pesquisa, analisamos a efetividade de tributar esses produtos e fomos em busca de entender o consumo deles por parte das famílias brasileiras. Percebemos a irrelevância deste tipo de tributação para diminuir a obesidade, uma vez que sua incidência continua aumentando mesmo após alguns anos com a tributação alta”. 
O pesquisador também exemplifica que se um refrigerante está caro, é provável que o consumidor substitua o item por outra bebida calórica talvez de qualidade inferior. “É necessário pensar em políticas públicas que tratem a obesidade de forma multidimensional, abordando cuidados com a saúde, atividade física, consumo calórico, tudo ao mesmo tempo. Não há como separar, pois, nenhum produto emagrece ou engorda sozinho. Existe uma série de fatores que levam uma pessoa a engordar”. 
Diante desta realidade, o projeto também se debruçou em mapear as políticas públicas para obesidade no mundo, e entre elas, destaca-se a rotulagem de produtos. Holland aponta que este tipo de medida corrobora com a pesquisa realizada pela FGV EESP, uma vez que ambos se escoram nos vieses de educação e conscientização sobre modos de consumir, como forma de tentar reduzir a obesidade. 
“Alertar a população sobre o grau nutricional e controle de peso é importante, bem como saber o grau de sobrepeso e, principalmente, fazer com que a população perceba isso. Por isso, investir em conscientização através de rótulos, contar com o apoio da mídia para informar sobre o assunto, ter políticas públicas que proíbam determinados produtos em escolas, são exemplos de ações relevantes desde que sejam tratadas de forma integrada, e não isolada”. 
Investir em políticas públicas para promover o transporte ativo, como bicicletas e caminhadas, melhorar as ciclovias e calçadas, construção de parques e centros esportivos, limitar porções e tipo de alimentos consumidos em restaurantes, são outros exemplos que podem se enquadrar na prevenção multidimensional da doença, adotados em outros países.  
Para o pesquisador, esta pesquisa é um trabalho em constante andamento, e os resultados encontrados neste estudo abrem espaço para buscar entender ainda mais sobre os fatores associados a obesidade para combatê-la de maneira mais efetiva. 
“Estamos utilizando dados da saúde, sob uma perspectiva estatística, para orientar possíveis políticas públicas e entender como atuar melhor, diminuir gastos públicos e os danos na população. Afinal, é melhor gastar com prevenção do que com tratamentos para comorbidades”. 

 

Assista na íntegra o MasterTalks: “Obesidade no Brasil: fatores associados e políticas públicas
O avanço da prevalência do sobrepeso e da obesidade tem sido motivo de grande preocupação de autoridades de saúde de todo o mundo. O Brasil não é exceção à regra. Como tem evoluído a obesidade no Brasil, na comparação com outros países? Acesse

O MasterTalks é uma iniciativa da Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master) da FGV EESP para debater temas da atualidade da economia, dos negócios e das finanças.

Fonte: 
Rede de Pesquisa da FGV
Data da publicação: 
27/04/2023
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