Análise: Com IPCA e pesquisa da Quaest, Lula coloca a cabeça fora da água
O primeiro semestre deste ano foi o oposto do que o governo poderia esperar, jogando um balde de água fria nas expectativas positivas criadas ao fim de 2023.
Inflação de alimentos acelerando no começo do ano, uma reorganização da oposição, uma tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul e tropeços do governo na comunicação e na gestão do relacionamento com o Congresso colaboraram para que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofresse queda na sua popularidade para os piores níveis de seu terceiro governo. E um presidente menos popular, sem uma base aliada coesa, se torna presa fácil para um Congresso que passa a cobrar cada vez mais caro o seu apoio.
O resultado da pesquisa Quaest desta quarta-feira (10), no entanto, poderia marcar uma tendência de recuperação da imagem do presidente? Ainda é cedo para afirmar, mas os dados permitem uma leitura de que o pior parece ter passado, mas que o espaço para uma melhora ainda maior ainda é pequeno.
A polarização que vem marcando o país nas últimas eleições segue forte. Lula pode até ganhar algum voto de confiança com a melhora da economia --PIB crescendo acima das expectativas de mercado, desemprego caindo e inflação dentro da meta (o IPCA de junho, anunciado nesta manhã, mostrou resultado abaixo das expectativas do mercado)-- mas conquistar os estratos sociais que resistem ao presidente e ao PT parece tarefa cada vez mais complexa.
Contudo, um dado do levantamento explica a recente cruzada de Lula contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Pesquisas internas do governo já haviam apontado que o fato de o Brasil ter um dos juros reais mais altos do mundo abria a possibilidade de trazer o tema para a narrativa política.
A sequência de entrevistas do presidente a rádios regionais, nas quais Lula exercitou uma verborragia contra os juros altos e, mais diretamente, contra Campos Neto, tinha um cálculo político claro que, segundo a pesquisa Quaest, estava alinhado com o que pensa a maioria da população brasileira.
Campos Neto não é exatamente uma figura neutra ou um tecnocrata que sobrevoa acima das escaramuças políticas. Primeiro presidente do BC com autonomia formal do governo, não fez muito esforço para desfazer a impressão de que, apesar de ser indicado pelo governo Bolsonaro, não seria um prosélito do antigo governo de extrema-direita.
Para além de ir às urnas em outubro de 2022 com a camisa da seleção brasileira --uma espécie de uniforme extraoficial do bolsonarismo-- Campos Neto mordeu a isca e decidiu, em entrevistas e fala pública em evento em Lisboa, responder aos ataques do presidente. Esteve em convescote com oposicionistas e com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, no meio do período de silêncio pré-Copom, onde, diz-se (e ele nega) que teria se animado com convite para ministro da Fazenda de um possível governo Tarcísio.
Ainda que Campos Neto conte com uma carta de comprovação de sua isenção na manga --o agressivo ciclo de alta de juros que presidiu em 2022--, fato é que seu comportamento recente deixou a desejar. E permitiu que os ataques de Lula tivessem mais do que só narrativa, um fundo de verdade.
No entanto, para fora da arena política, a retórica mais incendiária do presidente contra a política de juros e uma postura desafiadora contra qualquer sugestão de cortes de gastos públicos trazia consequências negativas para o preço dos ativos brasileiros no mercado.
Disparada do dólar, alta dos juros futuros, encarecimento da dívida do país, queda na bolsa. Apesar de exagerada, a movimentação do mercado sinalizava ao governo que a despeito dos bons indicadores econômicos, as expectativas estavam deteriorando e, se não houvesse uma mudança na comunicação do presidente e na condução da política fiscal, a piora seria ainda maior.
Em cálculo político, Lula manteve um discurso político que sinaliza aos seus apoiadores e energiza sua base, ao dizer que não renunciaria a responsabilidade fiscal, mas que não faria ajuste "no lombo dos mais pobres". A melhora da avaliação do presidente especialmente concentrada nas camadas de menor renda, segundo a pesquisa Quaest, mostrava que a escolha era positiva para a imagem do presidente.
Contudo, Lula foi alertado por Haddad que os ruídos que as declarações causavam no mercado começariam a fazer preço na economia real --seja com impacto maior na inflação da desvalorização cambial, seja com a redução de espaço para novas rodadas de corte de juros-- o presidente teve de modular o discurso e já sinaliza medidas para redução de despesas. Embora tímido, esse anúncio ajudou a reduzir o prêmio de risco excessivo, com queda forte do dólar.
A verdade é que, de olho nas eleições municipais, nas quais Lula tenta aumentar o número de prefeitos e vereadores do seu partido e alianças. Por um lado, para que a situação esteja mais favorável no pleito de 2026 para a eleição de uma base mais coesa de apoio no Congresso. Mais imediatamente, um presidente fortalecido --com aumento de popularidade e mais aliados eleitos-- também teria mais poder para influenciar as eleições para as mesas da Câmara e Senado, no começo do ano que vem.
O presidente pode ter começado a acertar esse balanço, mas o mercado ainda vai cobrar sua fatura de um ajuste fiscal, que pode criar condições para a economia crescer mais. É cedo para dizer que a sorte do presidente virou. Mas a pesquisa de hoje serviu para afastar o governo de um abismo.
Mario Sergio Lima é estrategista macro da consultoria de risco Medley Advisors. Jornalista, por mais de uma década atuou em alguns dos maiores veículos da imprensa, como Bloomberg, Agência Estado e Folha de S.Paulo
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