A intolerância religiosa imbecil durante o Sínodo da Amazônia
É, eu sei que “intolerância religiosa imbecil” é pleonasmo. Mas, desta vez, a coisa foi ainda mais imbecil do que de costume.
Para quem não sabe, bispos e outros representantes de todos os países amazônicos estão reunidos desde o início deste mês de outubro de 2019 em Roma, sob os auspícios do papa Francisco, para o Sínodo da Amazônia, que busca repensar os caminhos da Igreja Católica na região. (Leia o que escrevi sobre o sínodo até agora nesta Folha clicando aqui e aqui.) Os trabalhos têm tido forte participação de representantes dos povos indígenas. E uma igreja romana localizada a poucos passos da Praça de São Pedro foi justamente o palco de um ato lamentável, com tons francamente racistas, para ser sincero.
Na igreja de Santa Maria em Transpontina, os participantes indígenas do sínodo tinham colocado diante do altar vários símbolos da Amazônia, entre elas a estatueta de madeira de uma índia nua e grávida. Católicos tradicionalistas se puseram a criticar a imagem, considerando-a um “ídolo pagão”. Até que, no começo desta semana, um grupo não identificado pegou a estatueta, quebrou-a em pedaços e jogou os fragmentos no rio Tibre, que corta Roma. Emissoras de TV americanas ligadas ao catolicismo tradicionalista exibiram as imagens.
Agora vem a parte realmente imbecil, além de canalha. Peço desculpas antecipadas pelo uso das letras maiúsculas, mas é pra ênfase. Essa imagem NÃO ERA UM OBJETO DE CULTO. Não era um “ídolo pagão”. Simplesmente porque estátuas de “deusas grávidas da fertilidade” NÃO EXISTEM NAS CULTURAS INDÍGENAS AMAZÔNICAS.
Quem quiser pode procurar à vontade, em qualquer bom manual de antropologia. Os imbecis que se deram ao trabalho de destruir a estátua, obviamente, não fazem a menor ideia de como funcionam as culturas das quais têm asco. Mas nenhum povo amazônico entre os que sobreviveram à invasão europeia fazem pequenas imagens de deusas da fertilidade. A estatueta de madeira que estava na igreja foi pensada num contexto moderno para simbolizar abundância de vida, apenas. Poderia até ser vista como Nossa Senhora grávida com feições indígenas. Mas claro que índia nua numa igreja só pode ser coisa do Capeta, não é mesmo?
Eu não deveria estar surpreso, é claro. Canalhas ignorantes têm se comportado como os donos do mundo ultimamente.
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