A competição reuniu clubes de sete diferentes países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Peru e Uruguai.
As agremiações selecionadas foram legitimadas como os representantes nacionais de cada território.
A ideia de ter um torneio que definisse um campeão continental se materializou com aquele campeonato, que serviu como a principal inspiração para o surgimento das atuais Champions League (1955) e Copa Libertadores (1960).
No contexto histórico do pós-Segunda Guerra Mundial, impulsionado por um Chile que procurava se inserir melhor no cenário internacional, surgiram as condições favoráveis para a criação da primeira competição de clubes a nível continental da América.
Todos os jogos do torneio ocorreram no Estádio Nacional. Inaugurado em 1938, essa arena esportiva é a mais importante do país andino.
Para além do esporte, o local serviu de cenário de fatos políticos e sociais que marcaram a história chilena no decorrer do século XX.
O organizador do campeonato foi o Club Social y Deportivo Colo-Colo, com atuação destacada de seu mandatário, Robinson Alvarez Marín.
A Confederación Sudamericana de Fútbol (CONMEBOL) esteve presente no torneio, atuando como co-organizadora através do seu presidente, o chileno Luis Valenzuela. Naquela época, a FIFA, a CONMEBOL e a UEFA se dedicavam exclusivamente à organização de jogos e competições de seleções.
Para aquela competição, entretanto, houve uma inédita atuação da maior entidade sul-americana de futebol em um torneio de clubes.
O Campeonato Sul-Americano de Campeões tinha um modelo prático e bastante objetivo: os sete clubes se enfrentariam entre si em turno único e aquele que somasse mais pontos seria o campeão.
O formato seguia a concepção de pontos corridos, largamente utilizado em competições de clubes pelo mundo naquele período.
Campeão Carioca Invicto de 1947
Campeão Chileno de 1947
Campeão Argentino de 1947
Campeão Uruguaio de 1947
Campeão de Guayas (Equador) de 1946
Campeão de La Paz (Bolívia) em 1947
Vice-Campeão peruano de 1947
O Campeonato Carioca era visto nacionalmente e internacionalmente como a principal competição de clubes do país. À época, não existia o Campeonato Brasileiro de Futebol.
A cidade do Rio de Janeiro era a então capital do Brasil e abrigava clubes que historicamente cediam jogadores para compor a Seleção Brasileira. O Rio de Janeiro era tricampeão do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais (1943-1944-1946).
O Vasco havia conquistado de forma invicta o Carioca de 1947 e esse foi o principal critério utilizado para ser o escolhido a representar o futebol brasileiro no Chile, na primeira competição continental de clubes.
No dia 07 de fevereiro de 1948, sábado, pela manhã, os vascaínos partiram de avião do Aeroporto do Galeão rumo à conquista da América. Primeiro, fizeram uma parada em Buenos Aires (Argentina) e, no dia seguinte, desembarcaram em Santiago do Chile.
O avião que levava os vascaínos era um modelo Clipper quadrimotor DC-4 da Pan American World Airways.
A delegação era composta por 17 jogadores.
O único a não viajar no dia 07 foi Chico, pois, teve que resolver problemas com seu passaporte. Com o problema solucionado, o jogador vascaíno partiu no domingo (08) para encontrar os seus pares. Era uma verdadeira “Embaixada Brasileira’:
Chefe: Diogo Rangel
Subchefe (delegado): Major Octavio Póvoa
Médico: Amilcar Giffoni
Treinador: Flavio Costa
Massagista: Mário Américo
Cozinheiro: Laudelino de Oliveira
Árbitro: Alberto da Gama Malcher
Locutores: Luiz Mendes (Rádio Globo) / Oduvaldo Cozzi (Rádio Mayrink Veiga)
Jornalista: Hélio Fernandes (O Cruzeiro)
Jornalista: Ricardo Serran: (O Globo)
Jornalista: José Araújo (Diário da Noite)
Jornalista: Paulo Medeiros (Diário Carioca)
Convidada: Maria Gomes de Almeida
Ademir Marques de Menezes /Ademir
Albino Friaça Cardoso / Friaça
Augusto da Costa /Augusto
Danilo Faria Alvim / Danilo
Dimas da Silva / Dimas
Djalma Bezerra dos Santos / Djalma
Ely do Amparo / Ely
Fausto Barcheta / Barcheta
Francisco Aramburu / Chico
Ismael Caetano / Ismael
Jorge Dias Sacramento / Jorge
Manoel Marino Alves / Maneca
Manuel Pessanha / Lelé
Moacir Rodrigues da Silva / Moacir
Moacyr Barbosa / Barbosa
Nestor Alves da Silva / Nestor
Ramón Roque Rafanelli / Rafanelli
Wilson Francisco Alves / Wilson
Éramos apenas olhados como comparsas de um drama em poucos atos, cujos papeis principais de há muito já estavam distribuídos.
Hélio Fernandes - Jornalista que acompanhou a delegação do Vasco
No dia 14 de fevereiro de 1948 (sábado), às 20h no horário local, 21h no Rio de Janeiro, o Expresso da Vitória iniciou a sua caminhada rumo ao topo da América.
O nervosismo da estreia, o jogo violento dos bolivianos e atuação desastrada do árbitro chileno Carlos Leeson dificultaram bastante a partida.
Mas, a qualidade técnica da equipe do Vasco falou mais alto.
O destaque ficou por conta do atacante Lelé, que através de jogadas individuais garantiu a vitória do Cruzmaltino por 2 a 1, marcando os gols vascaínos.
O Vasco conquistou o troféu “Parque Rosedal – Tortillero”, como melhor equipe em campo.
No dia 18 de fevereiro de 1948, o Gigante da Colina disputou a sua segunda partida na competição. O adversário foi o Nacional, bicampeão uruguaio (1946/1947).
A peleja despertou grande interesse do público e da imprensa, por ser o primeiro clássico da competição.
Após o empate em 1 a 1 no primeiro tempo, na etapa complementar, enraivecidos pela arbitragem tendenciosa, os vascaínos foram com tudo para cima dos orientais.
O campeão uruguaio sambou nas mãos do Expresso da Vitória e a partida terminou em 4 a 1 a favor do Vasco.
Os olhos de todos se voltaram para a equipe vascaína, que passou a ser enxergada como uma das favoritas da competição.
A agremiação vascaína conquistou o troféu “Estabelecimientos Oriente”, como melhor equipe da partida.
Ademir marcou aos 11 minutos da etapa inicial, o primeiro no seu retorno ao Vasco. No segundo tempo, foi vítima de uma entrada violenta de Raul Pini.
O craque tentou continuar jogando, mas teve que deixar o gramado, entrando Ismael no seu lugar.
O que a princípio seria uma entorse no joelho, descobriu-se mais tarde que tratava-se de uma fratura, tirando o grande ídolo vascaíno do restante da competição.
No dia 25 de fevereiro, no jogo contra o Municipal, representante peruano, a boa notícia foi o retorno do atacante Lelé.
O craque tinha ficado de fora da partida contra o Nacional/URU, devido aos machucados adquiridos no primeiro jogo, diante dos bolivianos.
Havia uma grande expectativa para a partida, após brilhante atuação do time diante da forte equipe uruguaia.
O Expresso da Vitória não desapontou e atropelou o adversário com uma goleada por 4 a 0.
Destaque para Friaça, Lelé e o jovem Ismael. Como melhor em campo, os vascaínos levaram para São Januário o troféu “Malteria Continental”.
A vitoriosa caminhada vascaína na competição trazia dores de cabeça para os organizadores do torneio.
Como River Plate/ARG e Nacional/URU eram apontados como grandes favoritos antes de iniciar o “Campeonato Sudamericano de Campeones”, a tabela foi montada para que esses dois clubes fechassem a competição.
Mas, os resultados positivos do time vascaíno poderiam antecipar o desfecho do campeonato e esvaziá-lo.
A solução encontrada por Robinson Alvarez Marín e Luis Valenzuela, respectivamente, presidente do Colo-Colo e presidente da CONMEBOL, foi alterar a tabela do torneio, adiando o jogo do Vasco contra o River Plate, que deveria ser originalmente no dia 03 de março, para o dia 14 de março.
Isso criou um grande impasse com a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), mas também abriu espaço para um dos maiores exemplos da intervenção da CONMEBOL.
Luis Valenzuela interveio junto à CBD e conseguiu a autorização para que a equipe vascaína continuasse em Santiago.
A agremiação vascaína cederia oito jogadores, o técnico Flavio Costa, o massagista Mário Américo e o médico Almicar Giffoni para a Seleção, visando a disputa da Copa Rio Branco, contra o Uruguai
O Vasco venceu o Club Sport Emelec, do Equador, por 1 a 0 em seu quarto jogo na competição continental, permanecendo invicto e somando quatro vitórias.
O Emelec utilizou da retranca para tentar parar o Expresso da Vitória, que vinha de duas goleadas marcantes. Embora tenham impedido um placar elástico, os equatorianos não conseguiram segurar a equipe vascaína.
O gol de Ismael deu a vitória ao Vasco, isolando o Cruzmaltino na dianteira do torneio.
Os vascaínos levaram para São Januário o troféu “Musalem Hermanos”.
O Vasco ficou a um ponto de conquistar a América ao empatar com o Colo-Colo, do Chile, em 1 a 1, na sua quinta partida pelo Campeonato Sul-Americano de Campeões.
O Colo-Colo, anfitrião do torneio, utilizou da violência para impedir que a melhor técnica dos vascaínos sobressaísse.
A passividade do árbitro diante do antijogo dos chilenos contribuiu para a igualdade no placar, resultado que não impediu a trajetória vascaína rumo ao inédito título.
Por ter atuado melhor, o Vasco conquistou o troféu “Café Casa do Brasil – La Doma”.
O Expresso da Vitória partia invicto para a sua última parada e teria pela frente a temida “La Máquina”, do River Plate.
No Campeonato Sul-Americano, além dos adversários difíceis e de todo desgaste que envolvia ficar longe de casa, os jogadores e a comissão técnica sofreram com o racismo de parte da imprensa local.
Uma charge e os comentários publicados na revista Estadio escancaravam o preconceito contra os brasileiros, tendo como vítima principal o massagista vascaíno e da Seleção Brasileira, Mário Américo.
Contra todas as adversidades, o Expresso da Vitória seguia imparável.
O último desafio do Vasco não seria fácil. O Expresso da Vitória teria diante de si uma das maiores equipes da história do futebol argentino de todos os tempos, a “La Máquina”, do River Plate, onde se destacava um jovem Di Stéfano.
Bastava ao Gigante da Colina um empate para tornar-se campeão do Campeonato Sul-Americano de Campeões.
O favoritismo já estava mais dividido após a vitoriosa campanha vascaína até aquele momento.
O River já havia sido derrotado pelo Nacional, mas poderia conquistar o campeonato caso derrotasse o Vasco e vencesse o seu último jogo no torneio.
A equipe vascaína jogou com toda a sua garra, bravura e técnica.
O goleiro Barbosa, com grandes defesas, fechou o gol vascaíno. Chico teve um gol legítimo anulado pelo árbitro uruguaio Nobel Valentine, após pressão dos argentinos.
O Expresso da Vitória foi melhor em campo contra “La Máquina” e sagrou-se Campeão da América do Sul, o primeiro clube campeão continental do mundo.
Até então, nenhum clube brasileiro havia conquistado um título de tamanha expressão fora do Brasil.
Até mesmo a Seleção Brasileira, longe do território brasileiro, tinha conquistado apenas uma Copa Roca, em Buenos Aires, no longínquo ano de 1914.
Barbosa, como melhor defesa/goleiro, ganhou o troféu “Band & Salas”.
O Vasco levou para casa os troféus “Presidente Juan Perón”, como melhor em campo no embate com o River, e a “Trofeo America del Sur”, por ter sido o “Club Campeón de Sudamérica”.
A equipe vascaína venceu quatro partidas, empatou duas e trouxe para o Brasil todos os troféus possíveis.
Na América, nenhum clube era maior que o Vasco.
E no mundo, apenas o Vasco era campeão continental de futebol.
Fotos dos troféus: Eduardo Martino / Zuppa Filmes
O Campeonato Sul-Americano de Campeões representou a utilização do futebol como instrumento de integração sul-americana, assim como já ocorria em outras competições organizadas no nível de seleção (Campeonato Sul-Americano de Seleções, atual Copa América) ou em disputas menores entre clubes (como, por exemplo, a Copa Atlântico).
Entretanto, o campeonato de 1948 foi além e estabeleceu um marco na direção de se diminuir as distâncias físicas, culturais e ideológicas, com a aproximação de diversos povos através do encontro entre clubes de diferentes países do continente americano que praticam o futebol.
Embora questões estruturais e disputas políticas tenham contribuído para que demorasse mais alguns anos para que houvesse um amadurecimento institucional das entidades esportivas responsáveis pelo futebol sul-americano no sentido de buscarem estabelecer um campeonato regular que definisse o campeão da América, o evento pioneiro no Chile tinha “plantado a semente”, afinal, durante a própria competição de 1948 já se discutia a sua realização anualmente.
Em 1958, as injunções políticas permitiram o retorno da disputa de um campeonato entre os melhores clubes do continente, cujo vencedor enfrentaria o campeão europeu pela posse de um título interclubes (Copa Européia/Sul-Americana).
No dia 02 de agosto de 1959, durante um congresso da CONMEBOL em Caracas (Venezuela), oficializou-se a criação de um novo campeonato, a “Copa de Campeones de América” (Copa dos Campeões da América), posteriormente chamada de “Copa Libertadores de América” (Copa Libertadores da América), cuja primeira edição realizou-se em 1960.
O Vasco, no ano de 1996, reivindicou a participação na Supercopa dos Campeões da Libertadores, um torneio entre aqueles que já haviam conquistado a Libertadores da América, ou seja, tinham sido campeões continentais. Dessa forma, por ter sido o primeiro Campeão Sul-Americano, em 1948, o clube desejava ter o seu direito respeitado e disputar a competição.
O Comitê Executivo da CONMEBOL, órgão máximo desta entidade, reconheceu a verdade histórica e permitiu que o Vasco participasse da Super-Copa de 1997, reafirmando e reconhecendo de uma vez por todas que o Campeonato Sul-Americano de Campeões foi um torneio continental precursor da atual Libertadores, de mesmo patamar e objetivo, qual seja: definir o Campeão da América do Sul.
O Comitê Executivo da CONMEBOL, órgão máximo desta entidade, reconheceu a verdade histórica e permitiu que o Vasco participasse da Super-Copa de 1997, reafirmando e reconhecendo de uma vez por todas que o Campeonato Sul-Americano de Campeões foi um torneio continental precursor da atual Libertadores, de mesmo patamar e objetivo, qual seja: definir o Campeão da América do Sul.
“No futuro, como hoje e ontem, as gerações vascainas relembrarão com entusiasmo e orgulho o grande feito futebolístico do Club de Regatas Vasco da Gama no ano em que se assinalava o cinquentenário de fundação”.
(Boletim Mensal de Informações aos Associados, agosto de 1948, p. 15)
“O Vasco é do tamanho da sua história”.
Centro de Memória CRVG.