Em 07 de abril de 2023, comemoramos os 99 anos da Resposta Histórica, abrindo o ano de celebração de seu centenário. Em homenagem a essa data tão especial, mas também com intuito de gerar uma reflexão sobre o presente e futuro do Club de Regatas Vasco da Gama como um agente no combate aos preconceitos, em especial, o racismo, publicamos esse material.
O FUTEBOL EM CLUBES / A LIGA DAS ELITES
Entre 1898 e 1902, as partidas de futebol foram se tornando uma realidade mais constante na cidade do Rio de Janeiro, geralmente, a partir das iniciativas de membros da colônia britânica associados às agremiações de críquete.
Em 12 de julho de 1902, foi criado o Rio Foot-ball Club, na sede do Club de Natação e Regatas (atual Club de Natação e Regatas Santa Luzia), demonstrando uma melhor estruturação do futebol em terras cariocas.
Em 1905, já contando com vários clubes que se destinavam a desenvolver essa modalidade, houve condições para a organização de uma liga que promovesse um campeonato anual.
Fundada por agremiações que possuíam um perfil de dirigentes pertencentes a estratos sociais mais abastados da metrópole carioca, a Liga Metropolitana de Football surgiu em 08 de julho de 1905.
A AMPLIAÇÃO DAS ATIVIDADES DA LIGA METROPOLITANA
No início de 1907, a Liga Metropolitana de Football (LMF) passou a se chamar Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), o que demonstrava a intenção dos dirigentes da entidade em reforçar o controle sobre o futebol e ampliar a sua influência para outros esportes
A DECISÃO RACISTA DA LIGA
Rio, 1 de Maio de 1907. - Communico-vos que a directoria da Liga, em sessão de hoje, resolveu, por unanimidade de votos, que não sejam registrados, como amadores nesta Liga, as pessoas de côr. Para os fins convenientes ficou deliberado que a todos os clubs felliados se officiasse nesse sentido, afim que scientes dessa resolução, de accordo com ella possam proceder.
Ofício da Liga Metropolitana de Sports Athleticos. O Fluminense, 22 de maio de 1907, p. 2
O PRESIDENTE DA LIGA
Francis Henry Walter era inglês, nascido em Londres, e sócio da firma de comércio exterior Walter Brothers & Company. Walter foi fundador, presidente, presidente honorário e atleta do Fluminense Football Club, onde conquistou o Campeonato Carioca de 1906, atuando como goleiro.
Presidiu o Fluminense de 15 de dezembro de 1903 até 13 de dezembro de 1908.
O inglês também foi sócio, atleta e presidente do Clube de Regatas do Flamengo, estando à frente da agremiação de 20 de novembro de 1905 a 25 de novembro de 1906.
Dessa forma, foi o mandatário da dupla Fla-Flu ao mesmo tempo, em 1906. Esteve à frente da Liga Metropolitana de Football (LMF), da sua sucessora, a Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), extinta em 1907 em decorrência do conflito entre Fluminense e Botafogo, e da Liga Metropolitana de Sports Athleticos, criada em 1908.
O dirigente tricolor e rubro-negro tornou-se, inclusive, Presidente Honorário da Liga Metropolitana, em 1910. Francis H. Walter faleceu no dia do seu aniversário, na sua terra natal, em 1927.
SER NEGRO: RAZÃO PARA NÃO TER CONDIÇÕES MORAIS PARA A PRÁTICA DO FUTEBOL
Os membros da Diretoria da LMSA, assim como os dirigentes de diferentes clubes, entendiam que o fato de uma pessoa ser negra era uma condição decisiva para que automaticamente não tivesse condições morais para praticar o futebol.
O PRECONCEITO DA COR EXCEPÇÃO ODIOSA (...) Por este officio (...) ficam todos scientes de que o homem de côr póde ser médico, advogado, artista, engenheiro, militar, intendente, Deputado, Senador (...) tódo menos socio de um club de foot-ball”
Jornal do Brasil, 19 de maio de 1907, p. 11
E O VASCO NESSA ÉPOCA? LUTANDO CONTRA O PRECONCEITO SOCIAL E O ANTILUSITANISMO NO REMO
Em 21 de agosto de 1898, brasileiros e imigrantes portugueses, a maioria oriundos do comércio do Rio de Janeiro, se reuniram na região portuária para fundar um clube para a prática do remo, então o mais popular esporte da capital da república, que era dominado por agremiações da Zona Sul da cidade, ligadas às elites da época.
A partir de 1904, o Vasco enfrentou o aumento da perseguição aos seus atletas de remo. As guarnições vascaínas eram constituídas marcadamente por imigrantes portugueses e também brasileiros de baixa condição social, empregados como atendentes de balcão no comércio do Rio de Janeiro.
No dia 25 de julho daquele ano, após a conquista vascaína da Prova Clássica Ferro-Carril Jardim Botânico, vários clubes coirmãos aprovaram medidas que deixavam mais rígidas as inscrições dos atletas do remo na Federação Brasileira das Sociedades do Remo.
Era uma nítida tentativa de atingir os imigrantes lusitanos que laboravam no setor comercial, a base associativa da agremiação vascaína desde a sua Fundação, e os brasileiros de baixa condição social. O Vasco votou contra a medida:
Ficavam proibidos de serem inscritos na Federação:
- Empregados, interessados ou sócios de hotéis, botequins, cafés, quiosques, armazéns de secos e molhados, vendas que comercializam a varejo, cervejarias, confeitarias, charutarias, bilhares, casas de leite, sorvetes e bebidas, casas de barbeiro e cabeleireiro, agências de locação de criados ou bilhetes de loterias;
- Contínuos e serventes de cartórios de advogados, tabeliães ou escrivães de consultórios e gabinetes de médicos, cirurgiões ou dentistas; repartições públicas federais, municipais e estaduais, de escritório comerciais, bancos, companhias ou empresas;
- Os que se entregarem a exploração de jogos proibidos;
- Os que exercem qualquer profissão ou emprego que não esteja de acordo com nível moral e social em que deve ser mantido o esporte náutico e aqueles que não sejam considerados amadores em qualquer “sport”.
NO REMO, A PRIMEIRA LUTA DO VASCO AO LADO DOS EXCLUÍDOS DA SOCIEDADE
Em 1907, após o Vasco conquistar o Bicampeonato de Remo do Rio de Janeiro (1905-1906), uma nova reação preconceituosa tinha por objetivo deixar mais rigorosa a fiscalização dos que não tinham “condições morais” para praticar o esporte náutico.
Dessa vez, a medida conservadora pretendia atingir, inclusive, os atletas que já tinham sido “victoriosos, mesmo campeões e que hoje em dia não preencham os caracteres exigidos pelo codigo em vigor no Conselho do Remo, e portanto, estejam sujeitos ao cancellamento no amadorismo” (Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 16 de abril de 1907, p. 5.).
O Vasco da Gama ficou ao lado dos seus atletas, que eram enxergados pelas elites como os “indesejáveis do remo”.
Direitos adquiridos.
De ha muito que se ventila no Sport Nautico nacional da exclusão de certo numero de amadores que exercem certas profissões, aliás honrozas, e que, para os que dizem puros no sport, não estão de accordo com a nobreza do amadorismo.
Para garantia d’esses amadores havia os precedentes honrozos; a antiguidade; a sua já filiação; emfim os direitos adquiridos.
Ao entretanto a Federação saltando por cima d’essas qualidades e direitos, decretou a exclusão d’esses amadores que são, entre outras, os que exercem profissões em casas de seccos e molhados, confeitarias etc.
A opposição a essa lei por parte da nossa representação foi titanica e apezar de vencidos pelo voto fomos vencedores, pois os legisladores victoriosos não tiveram a força precisa para a tornar em facto”Relatório da Diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama - 1907, p. 22
A evolução esportiva da agremiação vascaína, possível graças a participação desses “indesejáveis do remo” assimilados pelo Vasco, incomodou clubes coirmãos.
O apoio de outras agremiações por regras mais rígidas dentro da Federação Brasileira das Sociedades do Remo, então entidade máxima do esporte náutico do Rio de Janeiro, que excluíam aqueles que possuíam determinadas profissões e ofícios compreendidos como subalternos ou mesmo imorais, tinha por objetivo atingir fortemente os atletas lusitanos e os brasileiros de origem humilde da agremiação vascaína.
Havia o interesse em enfraquecer o Vasco da Gama também por conta do antilusitanismo existente em parcelas da sociedade brasileira durante toda a Primeira República do Brasil (1889-1930).
Perseguidos pelas elites da época, que defendiam um esporte mais restrito, os atletas vascaínos encontraram no Vasco da Gama uma casa aberta e plural, assim como tiveram essa agremiação como o seu grande advogado na defesa do direito legítimo que tinham de praticar o esporte.
O Vasco optou por rivalizar com outros clubes para defender a sua política de abertura e assimilação, que fazia com que a agremiação crescesse esportivamente. Foi no remo que esse Clube, por meio de seus dirigentes, a maioria imigrantes portugueses que para o Brasil vieram com o sonho de crescerem na vida, executou a sua primeira conduta assimiladora de segmentos sociais excluídos.
Graças aos seus modestos e valorosos atletas lusitanos e brasileiros, a agremiação vascaína conquistou, dentre outras glórias, o seu primeiro bicampeonato de remo (1905-1906) e depois o tricampeonato (1912/1913/1914), na então capital do Brasil.
O Vasco da Gama alcançou inúmeras vitórias nesse esporte náutico e se tornou, ainda na segunda década do Novecentos, o clube mais vitorioso no remo da metrópole carioca, sendo conhecido e reverenciado em todo país.
NO FUTEBOL, A ESTRUTURA RACISTA E DE PRECONCEITO SOCIAL PERMANECE
A LMSA foi dissolvida no final de 1907, por questões esportivas. O motivo foi a decisão do campeão daquele ano, que ficou empatada em número de pontos, entre o Fluminense e o Botafogo.
Não havia uma regra estatutária estabelecida que decretasse o desempate, até mesmo pelo saldo de gols. Essa questão foi resolvida quase um século depois, em 1996, quando os dois clubes foram declarados campeões.
Com o surgimento na nova LMSA, em 1908, negros e brancos pobres continuavam a ser preteridos. No entanto, ao invés de proibirem negros de forma direta, passaram a se utilizar cada vez mais dos estatutos, que traziam regras que davam margem para interpretações da Comissão de Sindicância.
Clubes e ligas, geralmente, possuíam uma comissão de sindicância.
Nas agremiações, essa comissão fiscaliza as informações dos propostos a sócio e a conduta dos associados.
Nas ligas, era responsável pelo parecer de aceitação ou rejeição da inscrição do atleta como amador e também fiscalizava a sua conduta.
LIGA METROPOLITANA DE DESPORTOS TERRESTRES (1917): OS ESTATUTOS COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE
Em 1916, assim como em 1913, houve a tentativa de implantação de uma Nova Lei do Amadorismo, que atingiria fortemente os clubes que possuíam jogadores operários e mais humildes, pois o dispositivo descrevia taxativamente as profissões “imorais” para o atleta amador de futebol.
O processo de popularização do ludopédio estava se espalhando e se tornando perigoso para os interesses dos homens mais poderosos dos clubes mais endinheirados à época.
Uma reação dos clubes menores impediu a sua aprovação num primeiro momento. Mas, um novo estatuto foi aprovado e a entidade mudou de nome.
Em 1917, a LMSA se tornou Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) e o estatuto instituído trazia o analfabetismo como um dos principais impeditivos para um jogador ser inscrito na liga.
O dispositivo aprovado abria ainda mais a margem para interpretações por parte da Comissão de Sindicância.
O ANALFABETISMO
Utilizar o analfabetismo como quesito para impedir a entrada ou excluir jogadores de futebol passou a ser uma das principais marcas da Liga dos clubes das elites da metrópole carioca a partir de 1917.
Atletas analfabetos, semi-analfabetos ou mesmo todos aqueles que eram expostos ao constrangimento de terem de escrever de próprio punho a sua inscrição como amadores de futebol na Liga Metropolitana ou fazerem sua opção por mudança de clube, ambas realizadas diante do presidente ou qualquer outro dirigente da entidade, poderiam ser proibidos de entrarem ou seguirem na Liga.
A partir da melhora esportiva das equipes do Vasco, os jogadores que chegavam de outros clubes para agremiação vascaína foram submetidos a uma análise rígida da Comissão de Sindicância. Atuando há tempos por outras agremiações, não passaram mais despercebidos ao comporem o time do Vasco.
No início do século XX, a maior parte da população brasileira era analfabeta, índice historicamente maior sobre a população negra do país. Dessa forma, se os jogadores brancos pobres eram atingidos, a imensa maioria dos negros corria o risco maior de se ver impedido de jogar por não conseguir ler e escrever segundo os padrões da Liga.
ATIVIDADES IMORAIS… SEGUNDO A LIGA
Os negros e brancos de baixa condição social também formavam a maioria dos que ocupavam cargos e exerciam atividades que aos olhos da elite dirigente da Liga Metropolitana estavam “abaixo do nível moral exigido pelo amadorismo”.
Os “indesejáveis do futebol” exerciam profissões que dependiam do esforço físico, os chamados serviços braçais, ou ainda exerciam atividade que permitiam o recebimento de gorjetas, como a de garçons e a de “chauffeur” de praça (taxistas).
Nelson da Conceição, o primeiro goleiro negro do Vasco, da Seleção Brasileira e da Seleção Carioca, era taxista no Engenho de Dentro.
O VASCO NO FUTEBOL
O tricampeonato do remo em 1912, 1913 e 1914 veio consolidar o Vasco como o maior clube náutico do Rio de Janeiro e um gigante do remo no Brasil. Nessa época, as páginas dos jornais já começavam a dar mais destaque às vitórias nos campos do que nas águas. Era questão de tempo para o clube acompanhar a tendência e se render aos encantos do “football”.
Dia após dia aumentava a influência desse esporte no quadro associativo vascaíno e muitos sócios começavam a solicitar a sua inserção no clube. Enquanto isso não acontecia, os vascaínos improvisavam…
Pelo mesmo Snr. Comissario lhe foi apontado o facto de sócios deste club, estarem jogando football, na rua que fica fronteira a este club, quando já pela mesma Delegacia havia sido feito pedido para tal facto não se dar.
O Snr. Joaquim Carneiro diz que lhe deu informações do ocorrido e com as quaes o dito comissario se deu por satisfeito.Atas da Diretoria do C. R. Vasco da Gama, 30 de abril de 1913
O futebol no Vasco foi institucionalizado no dia 26 de novembro de 1915, quando um novo estatuto foi aprovado e sócios do Luzitania Sport Club foram autorizados a entrarem na agremiação vascaína sem o pagamento da joia (valor de entrada para associar-se a algum clube).
A inserção do Clube no futebol deve-se muito ao presidente Raul da Silva Campos. O proprietário da Casa Campos & Cia. era um comerciante português bem-sucedido, estava no Vasco da Gama desde 1903, quando ainda iniciava sua vida no comércio do Rio de Janeiro.
Raul Campos sabia que para a agremiação vascaína continuar crescendo precisaria adotar o futebol. Os sócios do Luzitania que decidiram se tornar associados do Vasco da Gama aderiram a uma instituição com valores e princípios já consolidados desde a sua Fundação.
Porém, era necessário atrair novos sócios/jogadores para formar suas equipes e crescer no futebol.
UM INÍCIO DESAFIADOR
Institucionalizada a prática do futebol, o clube precisava começar a desenvolvê-lo praticamente do zero. A contribuição dos sócios (jogadores) vindos do Luzitania foi modesta.
Esse clube não era sequer filiado à Liga Metropolitana e não havia alcançado grandes resultados. O Vasco possuía o conhecimento e a experiência no remo, na “bola” teria pela frente enormes desafios, tais quais nos primeiros anos de sua participação no esporte náutico.
Em 1916, o clube se filiou à Liga Metropolitana, entidade de maior poder econômico e político no controle desse esporte na cidade, para disputar a 3ª Divisão. Montando uma equipe às pressas, a tempo de disputar o campeonato, a agremiação vascaína não foi bem na sua temporada de estreia.
Entretanto, uma melhora de desempenho no segundo turno da competição, com a entrada de novos jogadores no elenco, animou os dirigentes vascaínos.
Os três primeiros anos do Vasco na Liga Metropolitana foram de aprendizado para o Clube, em paralelo havia um crescimento constante do seu quadro associativo, em especial, por pessoas que gostavam/praticavam o futebol.
Além disso, a política de assimilação e abertura a jogadores negros e brancos das camadas populares traria melhores resultados no início da década de 20.
A POLÍTICA DE ABERTURA E ASSIMILAÇÃO VASCAÍNA NO FUTEBOL
Enquanto a principal liga de futebol do Rio de Janeiro era controlada pelos dirigentes dos grandes clubes de futebol ligados às elites da cidade, existiam outras ligas, especialmente no subúrbio carioca, onde o futebol já dominava o apreço da população.
Destaque para as duas maiores: a Associação Athletica Suburbana e a Liga Suburbana de Football, sendo esta última a maior entidade que regia um campeonato entre os clubes do subúrbio.
Nesse verdadeiro celeiro de craques, os dirigentes vascaínos encontraram os jogadores necessários para vencer as adversidades e fazer o Vasco crescer no futebol.
O critério da seleção dos dirigentes vascaínos era simples: ser bom de bola, independente de cor/etnia ou condição social. Essa política de abertura e assimilação vascaína, pilar da Fundação do Clube e já levada a cabo na sua vertente do remo muitos anos antes, foi vital para a futura trajetória de vitórias do futebol vascaíno e o crescimento da agremiação cruzmaltina.
Desde sua primeira temporada, em 1916, o Vasco buscou jogadores nos diversos cantos da cidade do Rio de Janeiro para compor o elenco dos seus quadros de futebol.
Após o primeiro turno daquele ano, no qual o Vasco se lançou para o futebol de forma ainda improvisada, o Clube começou a selecionar jogadores que pudessem qualificar seus times em todas regiões e estratos sociais da cidade.
A casa aberta e inclusiva do Vasco da Gama deu oportunidades a vários jogadores oriundos de clubes pequenos e agremiações dos subúrbios. A cada ano as equipes do Vasco se qualificavam, pavimentando o caminho para que pudessem vir a enfrentar as equipes dos poderosos da época.
A CONQUISTA DO PRIMEIRO TÍTULO NO FUTEBOL
Em 1920, o Vasco fez uma boa campanha na Segunda Divisão da LMSA e terminou em 3º lugar com o primeiro team. Nesse ano, vieram dois “Camisas Negras”, que seriam campeões de 1923: Arthur, do Hellenico Athletico Club e Torterolli, do Carioca Football Club (que em 1919, pertencia ao Engenho de Dentro).
No campeonato de segundos quadros (segundo team), o Vasco conquistou o primeiro título de sua história futebolística.
Após empate de pontos com a equipe do Hellênico A. C. (ambos com 30 pontos), houve um jogo desempate marcado para 13 de março de 1921.
Reforçado com os novos jogadores, brancos e negros craques de bola, a equipe vascaína fez 4 a 2 e levantou o título de campeão.
MAIS “CAMISAS NEGRAS” CHEGAM AO VASCO E O NOVO CAMPO DE TREINAMENTO
Em 1921, a Liga alterou a composição da 1ª Divisão, separando-a em Série A e Série B. O Vasco disputou pela Série B e terminou em 3º lugar. Chegaram ao Clube o craque Paschoal (Paschoal Cinelli, que assinava o sobrenome como “Silva”, pois tinha dificuldade de escrever o sobrenome italiano), vindo do Sport Club Rio de Janeiro.
Chegaram também Mingote, do pequeno Pereira Passos Football Club, e Nolasco, que seria reserva em 1923.
O Vasco da Gama passou a enfrentar equipes de peso. Para continuar a sua caminhada rumo à elite do futebol do Rio de Janeiro, os dirigentes vascaínos buscaram dar melhores condições de treinamento aos atletas.
Em 01 de dezembro de 1921, o Tesoureiro do Vasco informa à Diretoria que a agremiação vascaína alugou o Campo da Rua Morais e Silva, na Tijuca, pertencente ao Sport Club Rio de Janeiro.
A CONQUISTA DA SÉRIE B DA 1.ª DIVISÃO
No ano de 1922, Centenário da Independência do Brasil, as teorias raciais demonstravam como vários intelectuais brasileiros, e o próprio Estado, acreditavam na política de embranquecimento da sociedade brasileira.
Nesse mesmo ano, no contexto do aumento do preconceito contra imigrantes portugueses, em sua maioria pobres e de baixa instrução, o Vasco, um clube composto em sua maioria por sócios da colônia lusitana, com um time formado de negros e pobres, ganharia o Campeonato da Série B da 1.ª Divisão.
A equipe vascaína principal recebeu dois grandes reforços com a chegada de Leitão (Albanito Nascimento) e Bolão (Claudionor Corrêa, futuro Grande Benemérito do Clube), ambos vindos do Bangu.
Além dos jogadores, os dirigentes vascaínos trouxeram um grande treinador: Ramón Perdomo Platero. O uruguaio chegou a treinar simultaneamente as equipes do Vasco e do Flamengo. Ao ser obrigado a fazer a opção por um dos clubes, Platero optou pelo Clube da Cruz de Malta.
A situação era bastante significativa. Um dos melhores treinadores do Rio de Janeiro resolveu deixar o atual bicampeão da cidade para treinar uma equipe emergente na Série B. Isso demonstra a disposição da diretoria do Vasco em alçar o Clube à Série A da 1ª Divisão.
Somando mais pontos que seus adversários, com 10 vitórias, 02 empates e apenas uma derrota, os “Camisas Negras” venceram a Série B da 1ª divisão. Esse resultado dava ao Vasco, inclusive, a chance de conquistar o título de Campeão do Rio de Janeiro.
De acordo com o novo regulamento da LMDT, válido a partir de 1921, e que na prática dificultava o acesso, o campeão da Série B da 1.ª Divisão jogava a sua chance de acesso contra o último colocado da Série A da 1.ª Divisão. Caso vencesse a partida, o campeão da Série B enfrentava o campeão da Série A para daí sair o campeão de futebol da cidade do Rio de Janeiro.
O ACESSO PARA A SÉRIE A / O “CASO LEITÃO”
No dia 05 de novembro de 1922, o Vasco (campeão da Série B) enfrentou o São Christovão (último colocado da Série A) no “match eliminatorio”. O jogo terminou empatado em 0 a 0. O resultado provocava um jogo-desempate.
Mas, durante toda a competição da Série B, o Vasco estava sendo ameaçado de perder seus pontos, por causa da acusação de alguns dirigentes da liga que entendiam que o jogador vascaíno Leitão não fez corretamente a sua inscrição: estava “mal escrito” (o documento, a “opção” que o jogador fez para sair do Bangu para a agremiação vascaína). Sendo obrigado e constrangido a refazer a sua opção pelo Vasco, Leitão o fez no dia 04 de novembro, um dia antes do “match” contra o São Christovão. Segundo as regras da Liga, os jogadores somente poderiam atuar 30 dias após a “opção”. Alegando a desobediência da regra, deram a vitória ao São Christovão. O Vasco recorreu…
Depois de muita briga, a Liga Metropolitana resolveu não organizar outra partida-desempate, decretou o América campeão do Rio de Janeiro, não rebaixou o São Christovão e o Vasco obteve o acesso para a Série A.
Finalmente, no ano seguinte, em 1923, os “Camisas Negras” disputariam contra os grandes clubes de futebol da época o título de Campeão de Football da Cidade do Rio de Janeiro, e o ódio ainda maior daqueles que não aceitariam o fato dos “indesejáveis do futebol” serem campeões.
AS AULAS PARA OS ATLETAS VASCAÍNOS: CUSTÓDIO MOURA, O BIBLIOTECÁRIO ALFABETIZADOR
Os dirigentes da Liga Metropolitana perseguiram os jogadores vascaínos por causa do analfabetismo. Os sócios/atletas do Clube eram homens que tiveram pouco ou nenhum acesso aos estudos, em decorrência da falta de oportunidade imposta por uma sociedade extremamente desigual.
O fato de conseguirem, mesmo que sem uma boa ortografia, escreverem os dados necessários e assinarem o pedido de inscrição ou opção deve-se ao trabalho do associado vascaíno Custódio Moura.
Escolhido para ser o Bibliotecário do Clube, cargo antigo, que existia desde a primeira década do século, Custódio ensinava os jogadores a ler e escrever, sem receber para isso.
Ao contrário do que se pensava até recentemente, não contrataram um professor, foi um dirigente vascaíno que ficou encarregado da nobre missão de alfabetizar os atletas.
Assim, esses homens conseguiriam, apesar das dificuldades impostas pelas elites dirigentes, jogarem e serem campeões no futebol.
A cada nova acusação, o Vasco recorria e defendia o direito dos seus jogadores.
A XENOFOBIA NO FUTEBOL
Irradiando-se em todas as profissões, irmandades, maçonaria, etc., os portuguezes descobriram nos sports um meio de executar os seus designios.
E surge agora esse lamentavel C. R. Vasco da Gama, associação genuinamente portugueza, a espalhar dinheiro para conquistar victorias sportivas que o imponham como uma força social, respeitavel, cobiçada, porque o sport nacional vive das rendas das portas e esse viveironde portuguezes, com os seus dous mil socios, é um concurso poderoso ás finanças avariadas dos mendigos do sportJacobino Sportivo. O Sport Nacional. Gil-Blas, Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1922, p. 5.
O antilusitanismo foi uma realidade durante toda a Primeira República, mas houve dois momentos de inflexão em que se verificou um acirramento do sentimento contra os imigrantes portugueses.
Nos anos de 1890 e no governo Epitácio Pessoa (1919-1922), quando o Centenário da Independência do Brasil aqueceu o discurso contra o imigrante português. Para além dos conflitos no mundo do trabalho, que faziam emergir o antilusitanismo, as visões negativas sobre os portugueses foram mais veiculadas por jornais e pelos intelectuais, que passaram a militar a favor do término da imigração vinda de Portugal e a expulsão dos lusitanos já residentes no Rio de Janeiro.
O Vasco da Gama era um clube inicialmente formado por grande contingente de imigrantes portugueses, a maioria de origem humilde, que vieram ao Brasil em busca de oportunidades para trabalhar e ganhar a vida.
A agremiação vascaína, e outros clubes de colônia, sofreram com perseguições e ofensas.
O Clube, ao adotar jogadores negros, pobres e operários nos seus times, passa a ser atacado por servir de espaço para que os “indesejáveis do futebol” desafiassem as elites preconceituosas e demonstrassem o quanto eram bons de bola.
O Cruzmaltino e seus jogadores enfrentavam conjuntamente três formas de preconceitos: o social, o racismo e o antilusitanismo.
A GLÓRIA DOS CAMISAS NEGRAS: O CAMPEONATO CARIOCA DE 1923
Em 1923, ano de estreia do Vasco da Gama na principal categoria do futebol do Rio de Janeiro (Série A da Primeira Divisão), a agremiação vascaína conquistou o Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro (Campeonato Carioca), organizado pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), com uma equipe formada por atletas negros e brancos, de baixa condição social, dos quais poucos sabiam ler e escrever de acordo com as exigências dos “defensores da moral do esporte”.
Através de uma campanha avassaladora, com 11 vitórias, 2 empates e apenas 1 derrota contestável, o Vasco rompeu o paradigma que fora instalado desde o surgimento da competição que hoje conhecemos como Campeonato Carioca, organizado pela primeira vez em 1906 pela então Liga Metropolitana de Football.
As elites dos clubes que historicamente haviam vencido o campeonato procuravam estabelecer a prática do futebol como instrumento de distinção social. Assim, jogadores com características semelhantes aos dos vascaínos não possuíam espaço nos principais times.
Os dirigentes do Vasco buscaram estabelecer o futebol como um espaço para a demonstração da grandeza do C. R. Vasco da Gama e dos valores que ele representa desde sua Fundação.
O Cruzmaltino abraçou os “indesejáveis do futebol”, assim como já havia feito no remo. Esses jogadores foram fundamentais para a construção do gigantismo dessa agremiação.
No dia 12 de agosto de 1923, o Vasco escreveria uma das mais lindas páginas de sua história esportiva.
No penúltimo jogo do Campeonato, disputado no Estádio de General Severiano, após estar perdendo por dois gols de diferença para o São Christovão, o Vasco venceu a partida de virada, por 3 a 2.
Os Camisas Negras, com seus jogadores negros, pobres e operários, contra tudo e contra todos, se sagrariam Campeões da Cidade do Rio de Janeiro.
OS CAMPEÕES DE 1923
Nelson (Nelson da Conceição / Goleiro)
Mingote (Domingos Vicente Passini / Zagueiro)
Leitão (Albanito Nascimento / Zagueiro)
Arthur (Arthur Medeiros Ferreira / Médio-esquerdo)
Bolão (Claudionor Corrêa / Centromédio)
Nicolino (João Baptista Soares / Médio-direito)
Paschoal (Paschoal Cinelli / Extrema-direita)
Torterolli (Nicomedes Conceição / Meia-direita)
Arlindo (Arlindo Corrêa Pacheco / Centroavante)
Cecy (Sylvio Moreira / Meia-esquerda)
Negrito (Alípio Marins / Extrema-esquerda)
Claudio (Claudio Destri / Zagueiro) – Titular, se machucou no último jogo do 1.º Turno.
Reservas:
Adão (Adão Antonio Brandão / Médio-direito)
Nolasco (Pedro Nolasco dos Santos/ Médio-direito)
Pires (José Cardoso Pires / Atacante)
Russo (Felizardo Gonçalves / Atacante)
Os Camisas Negras, com seus jogadores negros, pobres e operários, contra tudo e contra todos, se sagrariam Campeões da Cidade do Rio de Janeiro.
O TÉCNICO: RAMÓN PERDOMO PLATERO
O professor Ramón Platero, ex-treinador de futebol uruguaio, ficou conhecido como o técnico que revolucionou a importância do condicionamento físico. Ele obrigava todos os jogadores a correrem diariamente entre os bairros da Tijuca e Vila Isabel, apenas como aquecimento.
Após a corrida, eram recompensados com um café da manhã na casa de Alberto Balthazar Portella, histórico dirigente vascaíno.
No fim do ano, o Vasco seria campeão com viradas e gols no segundo tempo das partidas.
Os Camisas Negras desfilavam em alto nível durante todo o confronto, enquanto seus adversários já se mostravam exaustos na segunda etapa.
Em 1925, Ramón Platero foi técnico da Seleção Brasileira, comandando a “Amarelinha” ao lado de Joaquim Guimarães.
A REVOLTA DAS ELITES: A CRIAÇÃO DA AMEA
Após a conquista vascaína em 1923, o futebol carioca entrou em tempos de crise. A revolta dos clubes das elites ocorreu pela conquista do campeonato mais importante da cidade, com uma brilhante campanha, de um time formado por atletas de estratos econômicos mais baixos da sociedade, especialmente, por negros.
Em resposta à mudança de paradigmas empreendida pelo Vasco e seus jogadores, os clubes grandes da época tentaram aprovar mudanças na Liga Metropolitana.
Derrotados, romperam com a LMDT e fundaram uma nova entidade: a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA).
A Comissão Organizadora da nova entidade trabalhava na sede do Fluminense Football Club. Criada em reunião no dia 29 de fevereiro, ficou como sua data de fundação oficial o dia 1º de março de 1924. Os clubes fundadores foram: América, Botafogo, Flamengo, Fluminense e o Bangu.
O Vasco da Gama, então atual campeão, ficou de fora da organização da AMEA e não foi incluído como clube fundador.
A agremiação com os melhores jogadores, maior torcida e que mais gerou renda durante os jogos de 1923.
Tudo pela “moralidade do esporte”…
FILIAÇÃO À AMEA / A PROFISSÃO DOS JOGADORES
O Vasco foi convidado para se filiar na AMEA, não como fundador. O prazo para enviar os pedidos de filiação era até 15 de março e foi prorrogado para o dia 20 do mesmo mês.
A agremiação vascaína se desfiliou da Liga Metropolitana e solicitou a sua filiação à AMEA, acreditando que poderia reverter o imbróglio com os dirigentes dos clubes fundadores. Afinal, eram os mesmos que perseguiram os jogadores vascaínos na METRO.
A Comissão Organizadora exigia uma série de informações e documentos para os clubes. Além do nome completo de cada jogador, era preciso informar onde era o atual local de trabalho do atleta e o local anterior.
Assim, buscava-se saber onde os jogadores do Vasco trabalhavam antes de atuarem pela agremiação vascaína.
A COMISSÃO ORGANIZADORA DA AMEA E O PEDIDO DE EXCLUSÃO DOS 12 JOGADORES VASCAÍNOS
A Comissão Organizadora da AMEA se reuniu no dia 30 de março de 1924 e decidiu solicitar que o Vasco excluísse 12 de seus jogadores, sendo 07 da equipe principal e 05 do segundo quadro. Com isso, buscavam impedir que a agremiação vascaína e outros clubes montassem equipes campeãs com jogadores das camadas populares.
Os jogadores da equipe principal do vasco que foram excluídos pela Associação Metropolitana de Esportes Athleticos:
Bolão
Nome: Claudionor Corrêa
Nascimento: 26/02/1901, Rio de Janeiro/RJ
Profissão: Auxiliar de Despachante
Local de trabalho: Companhia Fábrica de Botões e Artefatos de Metal
Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, n.º 39.
O polivalente Claudionor Corrêa, apelidado de Bolão, foi um dos maiores personagens históricos dos Camisas Negras. Negro, alto e forte, era estivador no Cais do Porto, conhecido pela capacidade física de empilhar pesadas sacas sobre os ombros. Bolão também foi um operário quando jogava pelo Bangu, antes de chegar ao Vasco. Ele foi o centroavante vascaíno na conquista da Série B de 1922, mostrando ótimo faro de gol. Em 1923 foi recuado para a posição de Center-Half com a chegada do atacante Arlindo, e mostrou que além de gol, também sabia propor jogo e marcar forte seus adversários. Bolão, acusado de ser analfabeto, foi mais um atleta vascaíno impedido de jogar o campeonato da AMEA em 1924.
Claudionor Corrêa seguiu desempenhando funções importantes para o Vasco ao longo de toda sua vida, sendo grande amigo de Adriano Rodrigues, o “caça-talentos” dos Camisas Negras. Tornou-se 2.º Diretor de Desportos Terrestres do Clube, Benemérito e depois Grande Benemérito da agremiação vascaína
Leitão
Nome: Albanito Nascimento
Nascimento: 03/02/1898, Cascata, Paracambi/RJ
Profissão: Empregado do comércio
Local de trabalho: C. Machado & Cia. (Tintas e Vernizes)
Endereço: Rua Buenos Aires, n.º 77
O zagueiro Albanito Nascimento, de apelido Leitão, foi fundamental para a conquista vascaína em 1923. Formou a dupla de zaga da equipe em todos os jogos da competição, ora compondo com Claudio, titular no 1.º Turno, e depois, no 2.º Turno, com Mingote. Leitão foi um dos grandes craques de baixa condição social dos Camisas Negras.
O jogador veio do Bangu para o Vasco, era semianalfabeto e membro das camadas populares que tanto incomodavam as elites do esporte.
No ano de 1922, a Comissão de Sindicância da Liga Metropolitana o acusou de analfabetismo, quando fez a opção de sair do clube da Zona Oeste carioca para agremiação vascaína, e com isso tentaram impedir a entrada do Vasco na Série A da Primeira Divisão.
Brilhante
Nome: Alfredo Brilhante da Costa
Nascimento: 5/11/1904, Rio de Janeiro/RJ
Profissão:
Local de trabalho:
O zagueiro Brilhante chegou ao Vasco no início de 1924, vindo do Bangu. Tornou-se titular do time nos primeiros jogos da equipe naquele ano. Recentemente, descobrimos que teria sido esse jogador um dos que tiveram o pedido de exclusão por parte da AMEA, ao invés de Nicolino (João Baptista Soares), Campeão Carioca de 1923, que deixou o Vasco antes de disputar qualquer partida no ano de 1924.
Brilhante teve longa carreira no Cruzmaltino, defendendo o pavilhão vascaíno por quase uma década. A sua estreia pela agremiação vascaína ocorreu no dia 9 de março de 1924, no amistoso contra a equipe do Neves (RJ), vencida pelo Vasco por 4 a 1. No geral, o zagueiro, que participou da primeira Copa do Mundo (1930), disputou 181 jogos pelo Vasco, obtendo 116 vitórias, 33 empates e 32 derrotas.
Arthur
Nome: Arthur Medeiros Ferreira
Nascimento: 27/03/1900, Rio de Janeiro/RJ
Profissão: Mecânico
Local de trabalho: Fundição Progresso
Endereço: Rua dos Arcos, n.º 39
O médio-esquerdo Arthur estreou no Hellenico, em 1917. Chegou ao Vasco no ano de 1920 e foi campeão da Série B da 1.ª Divisão. Corajoso e seguro, foi um dos grandes elementos da conquista do Campeonato de 1923. O jogador defendia e atacava com qualidade. Mecânico na Fundição Progresso, Arthur não possuía as “condições morais” para jogar futebol segundo as diretrizes da AMEA.
Cecy
Nome: Sylvio Moreira
Nascimento: 07/12/1897, Niterói/RJ
Profissão: Empregado no comércio
Local de trabalho: T. Bastos & Cia.
Local: Rua Camerino
O grande Cecy estreou no Villa Izabel, em 1917. O Villa era um dos grandes rivais do Vasco nas divisões de acesso. A agremiação vascaína foi atrás do jogador para disputar o Campeonato de 1923. Atuando atrás dos atacantes junto com Torterolli, mas ao lado esquerdo, Cecy foi mais um craque negro do Vasco da Gama.
Meio campo ofensivo que chegava na frente, não era tão construtor quanto Torterolli, mas era goleador. Seus 8 gols (artilheiro ao lado de Arlindo) ajudaram a equilibrar a equipe vascaína em 1923, auxiliando tanto Torterolli no meio, como Arlindo no ataque. Cecy, niteroiense de baixa condição social, também teve sua exclusão solicitada pela AMEA.
Permaneceu no Clube por mais uma temporada, levantando também o troféu do Campeonato Carioca de 1924.
Negrito
Nome: Alípio Marins
Nascimento: 1898, Rio de Janeiro/RJ
Profissão: Empregado
Local de trabalho: Fábrica de Tintas Transatlântica
Local: Rua Aristides Lobo
Alípio Marins, conhecido como Negrito por causa da cor dos seus cabelos, era o jogador mais antigo do Primeiro Quadro do Vasco. Foi o extrema-esquerda (ponta-esquerda) dos Camisas Negras em 1923.
Jogador baixo e veloz, sua função no esquema tático da equipe era essencial. Negrito era mais um jogador vascaíno branco de baixa condição social e com dificuldades para ler e escrever.
Dessa forma, a AMEA também pediu a exclusão do atleta. Negrito chegou ao Vasco em 1920, junto com Torterolli, e permaneceu no Clube por muitos anos. Ele ainda era titular da equipe em 1927, na partida de inauguração de São Januário.
Foi dele o primeiro gol vascaíno no novo estádio. Alípio Marins tornou-se Benemérito do Vasco da Gama.
Russinho
Nome: Moacyr de Siqueira Queiroz
Nascimento: 18/12/1902
Profissão: Empregado do comércio (Setor de contratos)
Local de trabalho: Companhia Singer (Máquinas)
Endereço: Rua do Ouvidor, n.º 63
O sétimo jogador do primeiro quadro excluído pela AMEA não foi Arlindo, o centroavante do Vasco. À época do embate com a AMEA, em abril de 1924, Arlindo já havia deixado o Clube.
Para o lugar dele foi contratado Moacyr de Siqueira Queiroz, o Russinho, um dos maiores jogadores do período do amadorismo e início do profissionalismo e um ídolo histórico do Vasco da Gama. Estreou pelo Andarahy em 1920.
Interrompeu a carreira por causa de uma grave doença e retornou aos campos em 1923, pelo clube alviverde da Zona Norte.
Chegou ao Vasco no início de 1924, aos 21 anos de idade. Quinto maior artilheiro do Clube, jogou pelo cruzmaltino por 11 temporadas (1924–34), conquistando, dentre outros títulos, três Campeonato Carioca (1924, 1929 e 1934). Em 1930, foi eleito o melhor futebolista brasileiro, pelo Concurso Monroe.
Marcou 4 gols no 7 a 0 sobre o Flamengo, em 1931, até hoje o maior placar do Clássico dos Milhões. No Cruzmaltino, Russinho foi Diretor de Futebol, Conselheiro e Técnico Interino (1938).
Brancos, de olhos claros, de família classe média, pairava sobre Russinho o estigma de ter representado um clube de fábrica.
A Comissão Organizadora da AMEA solicitou a exclusão do jogador, em 1924.
Jogadores que completaram o quadro principal do Vasco em 1923
Nelson
Nome: Nelson da Conceição
Nascimento: 12/08/1898, Nova Friburgo/RJ
Profissão: Empregado do comércio (antes, taxista)
Local de trabalho: Casa Alberto (Alfaiataria, roupas e demais itens)
Endereço: Praça da República, n.º 66
Foi o primeiro goleiro negro do Vasco, da Seleção Brasileira e da Seleção Carioca. Trazido do Engenho de Dentro A.C., seu alto desempenho esportivo impediu que a AMEA tivesse força política para barrar um jogador do escrete nacional. Ainda assim, Nelson teve de conviver com inúmeros ataques racistas e acusações de analfabetismo.
O “Chauffeur” Nelson, como era pejorativamente conhecido pelos rivais, homem negro e de baixa condição social, foi o grande goleiro de seu tempo e um dos maiores ídolos do Vasco da Gama. Foi campeão pelo Clube em 1922/1923/1924, tornou-se capitão da equipe vascaína e participou da inauguração de São Januário, em 1927. Após a sua saída, continuou como sócio da agremiação vascaína.
Em 1923, convocado pela Seleção para jogar o Campeonato Sul-Americano de Futebol (Copa América), no Uruguai, venceu a Taça Rodrigues Alves contra o Paraguai.
Nelson abriu as portas para a grande escola de goleiros negros do Vasco, que presenteou o futebol com Jaguaré, Barbosa, Acácio, Hélton e outros.
Tornou-se o primeiro goleiro negro Campeão Carioca no dia do seu aniversário, 12 de agosto de 1923, aos 25 anos. Em 2023, comemoramos o 125º aniversário de um dos maiores ídolos vascaínos.
Paschoal
Nome: Paschoal Cinelli (não tinha Silva)
Nascimento: 21/04/1900, Rio de Janeiro
Profissão: Empregado do comércio
Local de trabalho: Casa Retroz (Armarinho – Galdino & Rodrigues)
Endereço: Rua Uruguaiana, n.º 97
Apelidado de “Trem de Luxo” dos Camisas Negras, porque possuía uma arrancada rápida e constante, Paschoal foi um dos grandes símbolos de um Vasco que se tornaria um dos maiores clubes esportivos do Brasil. Com uma vida inteira dedicada ao Clube, ele esteve presente nos três primeiros títulos cariocas do Gigante, em 1923, 1924 e 1929.
Também foi campeão da Série B em 1922. Trabalhou como empregado do comércio na Casa Retroz, sendo um dos sócios proprietários Adriano Rodrigues dos Santos, o dirigente vascaíno responsável por buscar jogadores para compor as equipes do Clube.
Homem branco de baixa condição social, atuava na extrema direita (era um ponta direita clássico) e foi titular da Seleção Brasileira por muitos anos. Descoberto nas peladas do Cais do Porto, veio do pequeno Sport Club Rio de Janeiro para o Vasco, e conservou a Cruz de Cristo em seu coração até o fim da vida.
Atuou como funcionário do Clube no departamento de futebol por longo período.
Na década de 30, chegou ao cargo de Diretor de Desportos Terrestres, tal como seu amigo Bolão.
Jogador da Seleção Brasileira, Paschoal não teve sua exclusão solicitada pelo mesmo motivo de Nelson da Conceição e Torterolli, ainda que tivesse dificuldade para ler e escrever.
Na obra “O Negro no Futebol Brasileiro”, Mario Filho relata que Paschoal só aprendeu a assinar o nome após adotar o sobrenome fictício “Silva”, mais fácil de escrever.
Paschoal tornou-se Benemérito do Vasco da Gama.
Torterolli
Nome: Nicomedes Conceição
Nascimento: 24/03/1899, Barra do Piraí/RJ
Profissão: Operário
Local de trabalho: Companhia Singer (Máquinas)
Endereço: Avenida Rio Branco
Nicomedes da Conceição, popularmente conhecido pelo apelido Torterolli, foi um dos meias criativos dos Camisas Negras.
Torterolli não era um jogador branco ou rico, mas era mais um craque vascaíno da Seleção Brasileira, tal como Nelson e Paschoal.
Foi assim que nenhum dos três jogadores teve a exclusão solicitada pela AMEA, ao contrário de outros atletas do elenco vascaíno que não tinham rendimento esportivo equivalente.
Alto e magro, se destacava na cancha com seu ímpeto ofensivo e foi titular do Gigante da Colina por várias temporadas.
Apelidado de “Príncipe dos Passes”, Torterolli se popularizou pelas brilhantes atuações no Engenho de Dentro.
O meia-direita era um dos melhores jogadores do time principal vascaíno, passava e driblava com extrema qualidade.
Destacamos que dois jogadores dos Camisas Negras que foram para a Seleção Brasileira em 1923 jogavam pelo Engenho de Dentro, na Liga Suburbana.
Eram craques em suas posições que só foram utilizados na Série A do Campeonato Carioca ao serem lançados pelo Vasco.
Mingote
Nome: Domingos Vicente Passini
Nascimento: 26/05/1902, Rio de Janeiro/RJ
Profissão: Empregado do comércio
Local de trabalho: Casa Retroz (Armarinho – Galdino & Rodrigues)
Endereço: Rua Uruguaiana, n.º 97
Domingos Vicente Passini, o Mingote, era jogador do Pereira Passos Football Club, agremiação do bairro da Saúde.
O zagueiro chegou ao Vasco em 1921.
Titular na conquista da Série B da 1.ª Divisão, em 1922, perdeu a posição para Claudio Destri durante o Primeiro Turno de 1923. No Segundo turno, reassumiu a sua posição na zaga ao lado de Leitão, após Destri se machucar durante um treino.
Filho de italianos, ainda que fosse um branco pobre, pintor de paredes, escapou do corte realizado pela Comissão Organizadora da AMEA que pretendia impedir a participação de outros dos seus companheiros de equipe.
Arlindo
Nome: Arlindo Corrêa Pacheco
Nascimento: 04/07/1898, Rio de Janeiro/RJ
Profissão: Agente de seguros (Provavelmente)
Local de trabalho: Companhia de Seguros Equitativa
Endereço: Avenida Rio Branco
No futebol carioca, Arlindo era um conhecido “Borboleta”, como eram chamados os jogadores que trocavam muito de clube.
Antes de defender a camisa do Vasco, atuou pelo Villa Izabel, América e Botafogo.
O centroavante dos Camisas Negras chegou na agremiação vascaína vindo do alvinegro com a missão de substituir Bolão no comando de ataque.
A missão foi cumprida e Arlindo marcou 8 gols no campeonato de 1923, se tornando o artilheiro da equipe ao lado de Cecy.
Arlindo deixou o Vasco antes do embate com a AMEA, ou seja, antes que pudesse ter sua exclusão solicitada. Para a função de “forward” foi contratado Russinho, atacante que se tornaria o próximo grande ídolo do Cruzmaltino e que seria excluído pela AMEA no lugar de Arlindo.
A EXCLUSÃO DOS JOGADORES / AS RESOLUÇÕES
A reunião não surtiu efeito e no dia seguinte a AMEA publicou pelos jornais as resoluções que colocavam o Vasco em completa desvantagem em relação aos fundadores da nova liga.
Os dirigentes da nova entidade queriam um Vasco sem seus campeões e na posição de uma agremiação secundária.
No dia 07 de abril de 1924, com o apoio unânime da Diretoria, o Presidente do Vasco, José Augusto Prestes, assinou o Ofício n.º 261, a “Resposta Histórica”.
O Clube desistia de fazer parte da AMEA e ficaria com seus jogadores.
SEM ELES, JAMAIS! A RESPOSTA HISTÓRICA!
Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever.
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente
A RÉPLICA À RESPOSTA HISTÓRICA
No dia 17 de abril de 1924, Arnaldo Guinle, na condição de presidente da Comissão Organizadora da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), emitiu um ofício que servia como réplica ao Ofício n.º 261, do Club de Regatas Vasco da Gama, emitido pelo presidente da agremiação vascaína em 07 de abril de 1924 (a “Resposta Histórica”).
Rio de Janeiro, 17 de abril de 1924.
Exmo. Sr. José Augusto Prestes,
Accusando o recebimento do officio desse club, datado de 9 do corrente [a data correta é 07/04/1924, grifo nosso], que se nos chegou ás mãos no dia 11, prevalecemo-nos desta opportunidade para fazer algumas considerações sobre o que ali se diz a respeito da primeira e unica entrevista que tivemos com V. Ex.
Com referencia ao primeiro paragrapho, devo dizer que as resoluções divulgadas pela imprensa não podiam ter sido levadas ao vosso conhecimento pela leitura de jornaes, porquanto, na entrevista acima alludida, tivemos occasião de lêr integralmente o documento que foi posteriormente publicado, depois do que, demos sobre elle, todas as explicações necessarias. Não houve, portanto, como parece se inferir desta parte do vosso officio, sonegação de informações que uma vez conhecidas pudessem modificar a attitude do Club de Regatas Vasco da Gama.
Quanto ao segundo paragrapho, cumpre-me observar que a organização da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos já era conhecida de V. Ex., antes do pedido de filiação desse club, datado de 15 de março ultimo, porquanto os presentes estatutos são, por assim dizer, os mesmos que foram apresentados á Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, dos quaes V. Ex. tomou conhecimento, por isso sobre elle exerceu a sua critica no seio daquella instituição.
Ora, já nesse projecto os direitos dos clubs, actualmente fundadores da A. M. E. A. não eram os mesmos concedidos ao club por V. Ex. dirigido. Por esta razão, foi com surpresa que lemos o 2o paragrapho do referido officio, cujo conceito se nos afigura sobremodo tardio.
Quanto ao 3o paragrapho, o Club de Regatas Vasco da Gama labora em evidente erro, porquanto a Commissão Organizadora nunca poderia ter negado a quem quer que fosse o direito de defesa e isto mesmo foi declarado a V. Ex. pelo signatario do presente officio.
Declaramos então que uma vez filiado, o Club de Regatas Vasco da Gama entraria com um novo officio, demonstrando satisfazerem, os seus jogadores, a todas as condições legaes do amadorismo e que, uma vez provada a improcedencia da syndicancia feita pela A. M. E. A., as respectivas inscripções seriam concedidas. Dissemos mais, que se havia, naquelle momento, discrepancias entre as informações fornecidas por esse club e a syndicancia por nós realizada, a responsabilidade dahi decorrente recaia exclusivamente sobre o Club de Regatas Vasco da Gama, e que, como o mesmo acontecia aos demais clubs, tonava-se impossivel discutirmos todos esses casos particulares naquelle momento, dada a exiguidade de tempo que nos separava do inicio dos campeonato officiaes da actual temporada sportiva.
Achamos, portanto, que melhor seria organizar a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos para em seguida tratarmos desses casos particulares.
Finalmente, dissemos a V. Ex. que embora estivessemos promptos a attender aos reclamos do vosso club a este respeito, alimentavamos a esperança de que, para o futuro, elle fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguezas, porquanto ao nosso ver, não havia em nosso meio outra colonia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma demonstração sportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular.
A isto retorquiu V. Ex. não ser possivel, visto como o regimen de trabalho pesado do commercio portuguez não permittia que os seus empregados deixassem as suas occupações para se entregar ao preparo indispensavel aos jogos dos campeonatos officiaes da A. M. E. A.
Eis porque, Sr. presidente, tomando conhecimento do officio de V. Ex., de 9 do corrente [a data correta é 07/04/1924, grifo nosso], lastimamos que a boa acolhida que mereceram os nossos conceitos por parte de V. Ex. não tivessem se traduzido posteriormente numa acção de solidariedade do vosso club, para com aquelles que souberam, nas primeiras horas de actividade nos sports terrestres desse valoroso gremio, estender-lhe a mão para, á sombra desta boa vontade, sympathia e solicitude, crescer na sua estima e consideração.
Permitta V. Ex., sem outro motivo, que me subscreva com toda a consideração e estima, o criado, attento e obrigado.
Arnaldo Guinle, presidente da Comissão Organizadora.
PRECONCEITO EXPLÍCITO
(...) alimentavamos a esperança de que, para o futuro, elle [o clube Vasco da Gama, grifo nosso] fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguezas, porquanto ao nosso ver, não havia em nosso meio outra colonia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma demonstração sportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular.
Ofício da AMEA em réplica à Resposta Histórica, de 17 de abril de 1924
Havia o interesse de que o Vasco da Gama constituísse equipes formadas apenas por portugueses, ao estilo de agremiações como o Luzitania Sport Club.
Assim, do embate esportivo entre esse Vasco, que os dirigentes da AMEA queriam com os clubes grandes à época (que constituíam suas equipes apenas de homens brancos), dentro de uma concepção racialista, sairia a raça vencedora: portuguesa ou “brasileira”.
Além disso, tal parte do documento da AMEA expõe o desejo de colocar o Vasco como um clube somente de portugueses, sem negros, e o interesse dos dirigentes da nova liga em estigmatizar o Cruzmaltino como um pária estrangeiro, que atuava contra os “legítimos clubes brasileiros”.
Logo o Vasco da Gama, o mais brasileiro dos grandes clubes de futebol do Rio de Janeiro, aquele que melhor representava a diversidade de nossa população.
O RETORNO PARA A LIGA METROPOLITANA
No dia 09 de abril de 1924, uma quarta-feira, houve reunião de Diretoria do Vasco da Gama. Estava presente o Presidente da Liga Metropolitana. Os dirigentes vascaínos decidiram enviar o ofício para a AMEA, que o receberia no final de semana, quando a Comissão Organizadora se reunia. Somente após isso seria dada publicidade da “Resposta Histórica” para a imprensa.
O Vasco da Gama decidiu não permanecer na elite do futebol e retornou, com todos àqueles que cobriram seu pavilhão de glórias, para a Liga Metropolitana.
O ESTÁDIO VASCAÍNO: O INÍCIO DO SONHO
Assim como a “Resposta Histórica”, o Estádio de São Januário materializa a luta do Vasco contra o racismo e o preconceito social no futebol. No dia 1.º de abril de 1924, no contexto de toda a humilhação imposta ao Vasco e seus jogadores, o Conselho Deliberativo vascaíno se reuniu e aprovou em definitivo a autorização para que a Diretoria contraísse um empréstimo interno no valor de 2 (dois) contos de réis com objetivo de levantar capital para a construção de um stadium.
A proposta foi originalmente apresentada pelo conselheiro João Cansado Conde, acompanhado do conselheiro José da Silva Rocha, na reunião do dia 19 de março daquele ano, sofrendo alterações.
A partir desse ponto, falaremos em outra oportunidade sobre aquele que foi um dos maiores estádios do mundo na década de 20 do Novecentos. Assim como de outras passagens memoráveis dos 125 anos de glórias do Club de Regatas Vasco da Gama, que luta e mantém, através dos tempos, seus ideais de RESPEITO – IGUALDADE – INCLUSÃO.
O VASCO DE HOJE E O DE AMANHÃ: PRECISAMOS SEGUIR COMBATENDO OS PRECONCEITOS
A letra de uma das mais belas músicas da torcida vascaína diz: “Jamais terás a Cruz, este é meu batismo. Eu tive que lutar contra o teu racismo”. Hoje, ainda é preciso lutar contra o racismo. Porém, há outras formas de preconceito que também precisam ser combatidas, como a homofobia e a transfobia. Os vascaínos de ontem fizeram a Resposta Histórica. Os vascaínos de ontem fizeram São Januário. E nós? E o que é ser Vasco hoje e amanhã?
O fato de “Ser Vasco” é um conceito: ser alguém que a todo instante, em qualquer situação, estará disposto a lutar por uma sociedade mais justa, levando em seu íntimo o amor pelo Clube. Não é qualquer clube: é o Vasco. Precisamos, mesmo nas situações do dia-a-dia, buscarmos inspiração na história dessa instituição que tanto amamos para sermos um ser humano melhor, em busca de um mundo melhor.
Queremos ser campeões, vencedores no esporte, sempre! Mas, se buscarmos apenas isso, não seremos Vasco, seremos um clube esportivo qualquer.
O Vasco é do tamanho da sua história, e a história se constrói no presente.
“O Vasco é do tamanho da sua história”.
Centro de Memória CRVG.