O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é celebrado em 10 junho, uma referência à data de falecimento do poeta lusitano Luís Vaz de Camões (10/06/1580).

Inspirados nesse dia tão simbólico para os portugueses e todos aqueles que possuem alguma relação afetiva com a cultura portuguesa, relembraremos as raízes lusitanas da agremiação vascaína, elemento fundamental para a fundação, a consolidação e a postura diferenciada do Clube no campo esportivo carioca e brasileiro.

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA NO SÉCULO XIX

Cerca de 50 milhões de europeus migraram entre 1850 e 1930. A fome, a busca por fortuna, a procura por glória pessoal, motivações de toda natureza levaram os europeus a saírem de seu continente para outras partes do mundo. Coube aos povos latinos (portugueses, espanhóis e italianos) a maior parcela dos emigrantes do Velho Continente no último terço do século XIX. 

A vocação para se deslocarem através do mundo é uma das características do povo português, constituída em um longo percurso histórico. Desde o período colonial, o fluxo de lusitanos para o Brasil foi de certa forma constante, verificando-se momentos de maior afluência, por exemplo, quando do contexto da exploração mineradora em Minas Gerais, entre o final do século XVII e primeira metade do século XVIII. 

No século XIX, a imigração portuguesa para o território nacional assumiu um caráter diferente. A chegada em larga escala de portugueses, tendo como destino principal a cidade do Rio de Janeiro, no final do Oitocentos e início do Novecentos, configura-se como um processo histórico específico dentro do quadro histórico geral da imigração portuguesa na América.

O Brasil era visto pelo imigrante português como terra de abundância e oportunidades de enriquecimento. Desejoso pela melhoria de vida, o imigrante português enxergava, principalmente, na cidade, e não no campo, o lugar capaz de lhe fornecer meios para isso. Assim, os portugueses terão papel central no aumento populacional da do Rio de Janeiro e estarão presentes nos mais variados setores da então maior e mais importante metrópole do país.

Um "vapor", alcunha das embarcações transatlânticas que cruzavam oceanos levando os imigrantes
Mapa de Portugal, c.1928-1930. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal
Mapa do Norte de Portuga, 1897. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal
Emigrantes portugueses à espera do embarque para o Brasil, no Terreiro do Paço, em Lisboa, no início do século XX
Emigrantes portugueses à espera do embarque para o Brasil, início do século XX
Emigrantes portugueses à espera do embarque para o Brasil, início do século XX
Emigrantes portugueses já a bordo de navio, dirigindo-se para o Brasil, no início do século XX
Anúncio do “vapor” “Alvares Cabral”. O Comércio do Porto, Porto, Portugal, fevereiro de 1900
Lista de passageiros de um vapor. Acervo: Arquivo Nacional

Emigração portuguesa oficial e estimada entre 1885 e 1930

Períodos Saídas Legais Estimativas com Clandestinos
1855-1864
77049
80.901
1865-1878
148.248
155.661
1879-1890
215.502
247.903
1891-1900
268.326
307.903
1901-1911
385.928
439.046
1912-1920
366.114
391.743
1923-1930
324.752
347.486

RIO DE JANEIRO: UMA CIDADE PORTUGUESA

No final do século XIX, o Brasil vivenciava um conjunto de mudanças que reorganizaram a sua estrutura política, social, cultural e econômica.

O Rio de Janeiro, na condição de capital do país, sentia de forma mais intensa os impactos dos novos tempos que vinham sendo maturados. A Abolição da Escravidão (1888), a Proclamação da República (1889), instaurada através de um golpe que impôs o fim do Império, o fenômeno do Encilhamento e os impactos com a Grande Reforma Urbana do Rio de Janeiro (1903-1906) foram transformações substantivas fundamentais para a reconfiguração da vida urbana da cidade no início do século XX.

A partir do último quartel do Oitocentos, a urbe carioca passa por um vertiginoso processo de crescimento populacional, impulsionado tanto pela migração interna (pessoas de outras cidades e regiões que vinham para a capital do país na busca por melhores condições de vida) quanto pela imigração de estrangeiro para o solo nacional.

Em 1872, a população do Rio de Janeiro era de 274.972 habitantes, pouco mais de duas décadas depois, no ano de 1890, o número de residentes havia saltado para 522.651.

No ano de 1906, o Rio de Janeiro alcançou o patamar de 811.443 e disparou para 1.157.873 habitantes em 1920.

Ao longo de todo esse período, verificou-se um aumento de quase 900 mil pessoas (mais de 400%) na população carioca.

A colônia portuguesa representava a maior parte do contingente de estrangeiros no Rio de Janeiro, sendo muito superior às demais de outras nacionalidades.

Em 1890, dos 522.651 habitantes, a população de brasileiros era de 398.299 indivíduos (204.845 homens e 193.454 mulheres), dos quais 120.983 habitantes eram filhos de pai e mãe portugueses, 2.895 habitantes eram filhos de pai brasileiro e mãe portuguesa e 37.325 habitantes eram filhos de pai português e mãe brasileira.

Dessa forma, a cidade possuía 267.664 habitantes da cidade com ascendência portuguesa, o equivalente ao espetacular percentual de 51,21% da urbe carioca.

Por meio do confronto entre os censos portugueses e dos dados censitários brasileiros, constatamos que a capital brasileira possuía mais portugueses que a maioria das cidades lusitanas entre 1890 e 1920, na área continental de Portugal.

Se fosse “portuguesa”, a urbe carioca seria, em termos populacionais, a terceira maior cidade lusitana de Portugal Continental (território continental Portugal, situado na Península Ibérica) perdendo apenas para Lisboa e o Porto.

Cidade 1890 1900 1906-1911
Lisboa
282.989
348.369
419.120
Porto
133.114
162.718
188.903
Rio
106.461
-
133.393
Braga
54.933
57.729
60.441
Coimbra
51.010
54.458
62.051
Setúbal
28.929
37.118
47.467

Fonte: SANTANA, Walmer Peres. A consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama (1898-1906). 2021. 356f. Dissertação (Mestrado em História Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. Tabela produzida com base nos censos brasileiros de 1890 (BRAZIL, 1898), 1906 (BRAZIL, 1907) e 1920 (BRAZIL, 1923), e nos censos portugueses de 1890 (PORTUGAL, 1896), 1911 (PORTUGAL, 1913) e 1920 (PORTUGAL, 1925). No período de 1906-1911, os números referentes ao Rio de Janeiro são do censo de 1906 (BRAZIL, 1907) e os das cidades portuguesas

FERREZ, Marc.Real Gabinete Português de Leitura, c.1890. Acervo: IMS
Ficha associativa. Acervo: CRVG
Ficha associativa. Acervo: Centro de Memória CRVG
Ficha associativa. Acervo: Centro de Memória CRVG

OS LUSITANOS E O COMÉRCIO CARIOCA

No Rio de Janeiro, os portugueses, na sua maioria jovens vindos do Norte português, especialmente do Minho, Douro e Trás-os-Montes (provenientes de cidades como Viana do Castelo, Braga e Vila Real, ou camponeses pobres de Vila Nova de Foz Côa ou Moimenta da Beira), desempenhavam variadas atividades, entretanto, destacava-se, sobretudo, a presença dos lusos no comércio e no transporte da urbe carioca.

O setor comercial é particularmente importante para o Club de Regatas Vasco da Gama, haja vista que a maior parte de seus fundadores e sócios e dirigentes nas primeiras décadas de sua existência provinham do comércio, como patrões ou empregados.

De um modo geral, o português que chegava ao Rio de Janeiro, desembarcando no antigo Cais Pharoux, rumo ao pretendido sucesso através do comércio, sem possuir capital inicial para a abertura de um negócio próprio, inevitavelmente, atuaria na função de caixeiro (empregado do comércio).

Atuando como uma espécie de “faz tudo”, empregado no estabelecimento de algum parente, vizinho ou de algum patrício já estabelecido a quem o jovem era recomendado e o apadrinhava, esse trabalhador poderia residir como agregado na casa dos patrões ou dormir no próprio comércio (loja ou armazém) em que labutava. Estavam sujeitos a longas jornadas de trabalho, com a abertura do comércio no Rio de Janeiro entre às quatro e seis horas da manhã e o fechamento das portas variando entre às dez horas e meia-noite, alcançando dezessete ou dezoito horas de trabalho.

Os empregados do comércio estavam subordinados ao severo controle social exercido pelo seu empregador. As horas de lazer eram escassas e, geralmente, praticadas próximos ao local onde trabalhava e, não raro, também residia. Esses indivíduos se submetiam ao trabalho morigerado, com a perspectiva de ganhar a confiança de seu patrão, subir na hierarquia interna e, talvez, após alguns anos, tornar-se sócio do empreendimento ou dono de seu próprio negócio.

Desde meados do século XIX, a profissão de caixeiro, no Rio de Janeiro, incluía um espectro amplo de funções que atendiam a uma escala hierarquia. Era o caixeiro que atendia ao balcão, pesava, embrulhava, vendia, organizava e carregava as mercadorias, fazia as entregas e as cobranças aos fregueses. Era também responsável pelos livros de contas e letras. Além disso tudo, era o caixeiro quem fazia a limpeza e a arrumação, ou seja, a maioria deles fazia de tudo um pouco nas pequenas lojas.

Os estabelecimentos um pouco maiores costumavam empregar mais de um caixeiro: aquele que cuidava das finanças da casa era o primeiro-caixeiro ou guarda-livros e o que atendia o público era chamado de caixeiro de balcão, que podia também ser o segundo-caixeiro. Já o último empregado de um estabelecimento era responsável pelas tarefas consideradas memores, como, por exemplo, a limpeza do local, de que lhe surgiria a designação “vassoura”.

Grande parte dos imigrantes portugueses não possuía profissão certa (uma tônica do cenário social da sociedade carioca do período), trabalhavam de ambulantes pela cidade, comercializando os mais diversos produtos de porta em porta. Para sobreviverem na vida urbana do Rio de Janeiro, havia aqueles que sujeitavam a serviços extremamente exaustivos e que forneciam péssimas condições de trabalho, como a atividade da estiva na zona portuária.

No Rio de Janeiro do final do século XIX e início do século XX havia o “baixo comércio” e o “alto comércio”. No “baixo comércio” encontravam-se os armarinhos, hotéis, hospedarias, casas de cômodos, lojas de calçados, barbeiros e cabelereiros, restaurantes, padarias, confeitarias, tavernas, cafés, secos e molhados, armazéns, vendas, bares, botequins e casas de pastos.

Por outro lado, o “alto comércio” era formado sobretudo pelos escritórios de exportação e importação, que encerravam os trabalhos por volta das três ou quatro horas da tarde. Executavam-se operações complexas, dizia-se (referência às operações de câmbio, entre outras), para as quais seria necessária formação mais especializada e aprofundada do que a que era exigida no “baixo comércio” do Rio de Janeiro. Consequentemente, a situação dos caixeiros de escritório que trabalhavam nesse tipo de casa era bem diferente da dos outros.

FERREZ, Marc. Doca e mercado de peixes, na Praça XV de Novembro, c.1880. Acervo: IMS
JUNIOR, Gomes. Vendedora de brinquedos, c.1899. Acervo: IMS
FERREZ, Marc. Jornaleiros - crianças (vendedores de folhas), 1899. Acervo: IMS
JUNIOR, Gomes. Ambulantes no largo do Paço, morro do Castelo ao fundo. Sem data. Domínio Público. Acervo: Instituto Moreira Salles

RIO DE JANEIRO: UMA CIDADE ESPORTIVA

A influência dos estrangeiros foi importante para desenvolvimento do campo esportivo do país. Os europeus trouxeram o hábito e o desejo de estruturar clubes, organizar competições esportivas e até mesmo de ensinar práticas ligadas às atividades físicas/esportes. Na década de 1830, as corridas de cavalos passaram a ser cada vez mais recorrentes, com forte presença dos britânicos, cuja presença se ampliou na metrópole carioca. As provas turfísticas eram bastante valorizadas pelas elites, e, gradativamente, começaram a atrair um número maior de interessados. Eram pessoas que desejavam experimentar novas oportunidades de convivência em público.

Em 1868, foi fundado no Rio de Janeiro um importante clube esportivo destinado à ginástica, criado por indivíduos pertencentes à populosa colônia portuguesa da cidade: o Club Ginástico Português. No ano de 1874, em decorrência de conflitos internos, houve uma dissidência que gerou a criação de uma agremiação rival, o Congresso Ginástico Português, igualmente criada e constituída por elementos lusos, mas que possuía as suas peculiaridades em relação à primeira entidade.

Diferentes modalidades esportivas coexistiram na Corte brasileira da segunda metade do século XIX (o turfe, o críquete, o remo, o ciclismo, a natação, a ginástica, as touradas). O remo foi o segundo esporte a ser sistematizado no Rio de Janeiro. Havia registros dessa prática esportiva na cidade desde a década de 50 do século XIX, mas a sua consolidação se efetivou de modo mais lento em comparação ao turfe. As restrições ao remo estavam relacionadas a fatores como a estética corporal dos remadores (em uma época em que se valorizava corpos mais magros e fracos), à pouca quantidade de roupa que eles usavam (questão da moralidade)  e a compreensão de que tratava-se de uma atividade física intensa (quando os exercícios eram muitas vezes considerados prejudiciais à saúde e de menor valor frente às atividades intelectuais).

Nas duas últimas décadas do século XIX, um conjunto de mudanças se estabelecem na cidade e formam novos parâmetros culturais, que contribuem para fazer declinar as restrições ao esporte náutico. O remo passa a se estruturar melhor e cada vez mais a ser aceito pela população, bem como encarado como um sinal dos “novos tempos”, diante do avanço dos aspectos da modernidade que a cidade vivenciava. Nesse contexto, os banhos de mar tiveram um papel importante. O aumento da aceitabilidade e da presença dos banhos de mar forneceram condições para que se desenvolvesse uma nova sociabilidade nas praias, contribuindo, gradativamente, para o desenvolvimento dos esportes náuticos na metrópole.

Observa-se uma maior valorização das vivências públicas. Os ventos da modernidade vindos da Europa traziam as notícias de um novo tipo de homem e novas preocupações com a estética corporal. O físico forte começaria a ser cada vez mais valorizado.  A forma de se vestir também passa por mudanças. As roupas mais leves ganham protagonismo. Assim, surgia um novo estilo de vida, sobre o qual o remo teve grande influência.

Nos anos de 1890, se promoveu a relação definitiva do remo e os novos parâmetros de saúde, higiene e moralidade que se delinearam na metrópole carioca no decorrer do século XIX. Diante do contexto de conformação da prática do remo, alguns clubes procuravam criar uma entidade representativa das agremiações náuticas, que pudesse organizar as competições e fomentar essa prática na sociedade. Após o insucesso com a primeira tentativa no ano de 1895, em 31 de julho de 1897 foi criada União de Regatas Fluminense. A partir de então, as regras tornaram-se cada vez mais organizadas e estruturadas pelos códigos e estatutos. As regatas deixaram de ser organizadas sem o aval da entidade organizadora. Nos primeiros anos do século XX, já se tinha realizado inúmeras competições de distintas práticas esportivas no Rio de Janeiro. O mercado de entretenimento estava cada vez mais diversificado.

Semana Illustrada, Rio de Janeiro, 1962, n. 58, p. 5
Litografia de A.L. Guimarães, impressa na oficina de Heaton e Rensburg, que retrata a regata organizada pela Sociedade Recreio Marítimo, no Rio de Janeiro, em 01/11/1851. Acervo: Biblioteca Nacional
A Semana Ilustrada, 1874.
Planta da Enseada de Botafogo com o traçado da raia da Grande Regata de 8 de setembro de 1881. Acervo: Biblioteca Nacional
Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1878, p. 4
O Paiz, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1890 p. 6
Diario do Comercio, Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1888, p. 4
O Sportman, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1887, p. 1

OS LUSÍADAS: A EPOPEIA PORTUGUESA E O FEITO HISTÓRICO DE VASCO DA GAMA

A grande obra e o grande poeta portugueses

A obra Os Lusíadas é um poema épico escrito por Luís Vaz de Camões e publicado no ano de 1572, em Lisboa. O poema se divide em dez cantos, contendo ao todo 1.102 estrofes e 8.816 versos. O tema da obra é a história de Portugal, narrada desde as origens míticas (a fundação da Lusitânia por Luso, filho ou companheiro do deus Baco, e as narrativas sobre o pastor Viriato) até as Grandes Navegações, a partir de vários acontecimentos que se desenvolvem no decorrer da viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-1499).

Autor do épico português, Luís Vaz de Camões teria nascido em 1524 ou 1525, oriundo de uma família da pequena nobreza, originária da Galiza. Supõe-se que tenha frequentado o Colégio de Santa Cruz, em Coimbra. Na juventude, compôs poemas que demonstram um convívio com a vida palaciana em Lisboa. Alistou-se como soldado raso para uma expedição militar a Ceuta, perdendo um olho em uma batalha naval no Estreito de Gibraltar.

No dia 24 de março de 1553, Camões partiu do Tejo na nau São Bento, da frota de Fernão Álvares Cabral, para a Índia (ou às Índias). Essa viagem seguiu o mesmo trajeto da histórica expedição de Vasco da Gama. O escritor português permaneceu mais de 16 anos no Oriente, participando de diversas expedições e batalhas. Retornou a Portugal entre 1569 e 1570. Terminou a sua principal obra, Os Lusíadas, e pelos serviços prestados à Coroa, passou a receber uma pensão anual.

Amargurado pela derrota portuguesa em Alcácer-Quibir, em 1578, na qual morreu o jovem rei D. Sebastião, e doente, talvez, vítima da peste que assolava Lisboa, Luís de Camões veio a falecer no dia 10 de junho de 1580. Meses depois da morte do grande poeta lusitano, Portugal perdeu a sua independência, passando para o domínio da Espanha. Iniciava-se o período da União Ibérica, que se findaria apenas em 1640.

CAMOES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa: em casa de Antonio Gõçaluez, 1572. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal

Vasco da Gama: o herói lusitano da mundialização, da Expansão Marítima

Trabalha por mostrar Vasco da Gama Que essas navegações que o mundo canta Não merecem tamanha glória e fama Como a sua, que o Céu e a Terra espanta.

O navegador português Vasco da Gama, pela tradição, teria nascido em Sines, Portugal, no ano de 1469. Terceiro filho de Estêvão da Gama e de Isabel Sodré, herdou o nome de seu avô paterno: Vasco. O primogênito era Paulo da Gama, seu irmão mais velho, que o acompanhou na primeira viagem marítima para a Índia. A família de Gama servia à Ordem de Santiago, sob a qual ascendeu socialmente.

Quando tinha cerca de 23 anos, o então rei português, D. João II, incumbiu Vasco da Gama de uma difícil missão, o que demonstrava a confiança do monarca nas suas habilidades. A ordem era capturar embarcações francesas que estavam aportadas no sul de Portugal, mais precisamente em Setúbal e Algarve. Era uma represália pelo fato de piratas franceses terem atacado embarcações portuguesas, em São Jorge da Mina.

Dom Manuel, sucessor do Príncipe Perfeito, escolheu Vasco da Gama para ser o capitão-mor da frota que partiria em direção à Índia, em 1497. Às vésperas da expedição marítima para o Oriente, Vasco foi investido pelo monarca lusitano como cavaleiro da Ordem de Cristo, principal ordem militar envolvida com a expansão marítima portuguesa no período das Grandes Navegações. Possuidor de experiência em assuntos do mar e homem de confiança do monarca português, Vasco da Gama comandou a Armada dos Arcanjo, esquadra com a qual saiu do Tejo, Lisboa, em 08 de julho de 1497, rumo às “Índias”.

Os lusitanos seguiram ao longo da costa marroquina, em direção ao arquipélago das Canárias e depois para Cabo Verde. A esquadra de Vasco da Gama navegou tendo como referência a costa africana, realizou a volta larga, chegando bem próximo da costa brasileira, e retornou para contornar o Cabo da Boa Esperança, repetindo o feito de Bartolomeu Dias. Adentrou o Oceano Índico e seguiu em direção à Índia.

No dia 20 de maio de 1498, fundeou perto de Calicute. A descoberta da rota marítima para a Índia estabeleceu uma nova era para o comércio mundial e consolidou Portugal na vanguarda das navegações oceânicas. Vasco da Gama e seus comandados permaneceram em Calicute por mais de três meses. Na cidade, que era um grande entreposto do comércio oriental, no qual se destacavam as famosas especiarias, o capitão-mor estabeleceu diálogo com o samorim local. As dificuldades de comunicação entre culturas tão distintas e a oposição sofrida pelos portugueses por parte dos mercadores mulçumanos contribuíram para minar a relação com o líder da região.

Os portugueses regressaram para Portugal no final de agosto de 1898. A volta foi bastante complicada. Doenças e as demais dificuldades comuns em uma travessia daquele porte no final do século XV desgastaram os lusitanos. Entre julho e agosto de 1899, os sobreviventes chegaram a Lisboa. D. Manuel ficou extremamente satisfeito com a vitoriosa viagem lusitana. Vasco da Gama receberia várias honrarias, dentre elas a de Almirante-Mor dos Mares da Arábia, Pérsia, Índia e todos os Orientes. Além da inédita viagem para o Oriente (1497-1499), Vasco da Gama fez outras duas excursões para o território oriental, em 1502 e 1524. Naquela que seria a sua última aventura, veio a falecer em Goa, na noite de 24 de dezembro de 1524.

Vasco da Gama (comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Ordem de Cristo, capitão-mor, almirante da Índia, conde da Vidigueira, vice-rei da Índia), o protagonista da histórica descoberta do caminho marítimo para o Oriente, é personagem central de um dos acontecimentos mais marcantes da história de Portugal e do mundo: o processo das navegações oceânicas, que ampliaram a relação do Ocidente com o Oriente, estabeleceram a mundialização do comércio e, em uma perspectiva mais global, foram decisivas na conjuntura que caracteriza a transição do mundo medieval para o moderno.

FONSECA, António Manuel. Vasco da Gama. Ano: 1838
GAMEIRO, Alfredo Roque, 1864-1935. A partida de Vasco da Gama para a India em 1497 / Roque Gameiro. - Lisboa: José Bastos, [c. 1900]. Lisboa: Lith. da Comp. Nac. Editora. - 1 gravura: litografia, color. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal
GAMEIRO, Alfredo Roque, 1864-1935. A chegada de Vasco da Gama a Calecut em 1498 / Roque Gameiro. Lisboa: José Bastos, [c. 1900]. Lisboa: Lith. da Comp. Nac. Editora. - 1 gravura: litografia, color.; composição sem letra: 28,5x43,2 cm, em folha de: 42,2x57,2cm. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal
Armada dos Arcanjos. Vê-se a esquadra com a qual Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia. A nau São Gabriel era a capitânia, comandada por Vasco da Gama. A nau São Rafael era comanda por Paulo da Gama, irmão de Vasco. Havia ainda a Bérrio, de Nicolau Coelho, provavelmente uma caravela, e a caravela de Gonçalo Nunes, que atuava como um barco de carga
A viagem de Vasco da Gama (1497-1499) segundo a narrativa épica de Os Lusíadas
Planisfério de Cantino, 1502
Túmulo de Vasco da Gama no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
Padrão dos Descobrimentos. Lisboa, Portugal
Efígie de Vasco da Gama no Padrão dos Descobrimentos. Lisboa, Portugal

AS COMEMORAÇÕES DO IV CENTENÁRIO DA DESCOBERTA DO CAMINHO MARÍTIMO PARA A ÍNDIA

Séculos se passaram e a façanha que colocou Portugal como protagonista dentre as nações do mundo, realizada através da figura de Vasco da Gama, continuou sendo motivo de enorme orgulho para lusitanos. Em Portugal e nas suas colônias, os festejos pelos quatrocentos anos do feito português se iniciaram ainda em 1897, comemorando a partida do futuro Almirante das Índias para a sua missão no Oriente (1497). No Rio de Janeiro, as comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para as Índias (1498-1898) também mexeram com os sentimentos dos imigrantes portugueses.

Na urbe carioca, a atmosfera comemorativa contagiou as associações portuguesas e os lusitanos em geral. Um dos exemplos de mobilização da colônia em prol da demonstração do amor a sua pátria foi a “Grande Subscripção Patriotica Portugueza”, criada para “Commemorar o quarto centenario do descobrimento do caminho maritimo da India, offerecendo a Portugal um navio de guerra”, “em nome da colonia portugueza no Brazil”. Vários futuros fundadores e dirigentes do Club de Regatas Vasco da Gama participaram dessa campanha legitimamente lusitana.

No ano seguinte, em 1898, quando oficialmente se comemorou os quatro séculos da inédita trajetória traçada pelos portugueses pela via marítima, o Rio de Janeiro testemunhou espetáculos teatrais, festas, publicações de livros e revistas, e a circulação de selos e moedas comemorativos. Os clubes e demais associações portuguesas buscaram se organizar para exaltarem a data que comemorava uma das mais importantes páginas da história de Portugal.

A imprensa carioca noticiou com bastante eloquência os festejos lusitanos.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1897, p. 8
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1897, p. 3
Imagem de um lenço comemorativo do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. Acervo: Museu de Lisboa
JORNAL ÚNICO: Celebração do Quarto Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia por Vasco da Gama. Macau: N.T. Fernandes e Filhos e Noronha & Ca, 1898. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal
Jornal O Paiz, Rio de Janeiro, 20 de maio de 1898, p. 1. Acervo: Biblioteca Nacional

O NASCIMENTO DO CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA

Por que o Vasco foi fundado? Por que não se chamou C. R. Viriato (herói da Lusitânia), ou C. R. Luís de Camões, ou C. R. Marquês de Pombal, ou C. R. Pedro IV (o nosso Pedro I), ou até mesmo C. R. Pedro Álvares Cabral?

No ano de 1898, o remo já estava consolidado no Rio de Janeiro. Havia clubes, uma liga, um Código de Regatas, um calendário minimamente definido que permitia a realização regular de competições e as agremiações buscavam se especializar cada vez mais.

Imigrantes portugueses e brasileiros de baixa condição social, cuja maioria atuava no setor comercial carioca, desejaram criar uma agremiação na qual pudessem tanto experimentar com maior liberdade a prática do remo, quanto aproveitar-se das instalações do clube do qual faziam parte e pagavam as suas mensalidades.

O Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX, era a cidade com maior presença de portugueses no Brasil, e com vários elementos muito prósperos economicamente, vinculados aos mais diversos setores da economia, com grande destaque ao comércio. No entanto, uma das marcas desse período era a imagem pública do imigrante português associada à decadência e ao atraso civilizacional.

Desta forma, a constituição de um clube de remo – o mais popular dos esportes de então (profundamente conectado com as dimensões da modernidade que se espraiava pela metrópole carioca) – decorrente do movimento voluntário de negociantes e empregados do comércio do Rio de Janeiro, majoritariamente portugueses, representou o propósito de reordenar a imagem pública ou simbólica da comunidade lusitana na cidade.

O Club de Regatas Vasco da Gama é criado para atender três objetivos principais: (1) servir de ferramenta de reordenamento simbólico do imigrante português no então Distrito Federal; (2) servir de instrumento no combate ao “antilusitanismo”, um tipo de xenofobia pouco abordado nos dias atuais em terras brasileiras, mas que durante toda a Primeira República do Brasil (1889-1930), infelizmente, esteve presente na vida do país e chegou a levar a óbito vários irmãos lusitanos, em decorrência de conflitos com brasileiros ou com membros de outras nacionalidades; (3) estando o Clube aberto para a associação de brasileiros (e demais nacionalidades), a agremiação vascaína serviu de espaço para a consagração da união entre lusitanos e nacionais.

Para isso, o Vasco precisava obter representatividade e capilaridade na sociedade, que somente seria possível a partir do alcance da grandeza esportiva (ser vitorioso). A principal estratégia dos fundadores e demais dirigentes da agremiação vascaína para alcançar a grandeza esportiva foi a assimilação, a congregação de pessoas de diferentes estratos sociais para compor as sua equipes esportivas.

A escolha do nome “Vasco da Gama” para batizar o Clube não foi um “feliz acaso”. Decorreu da intenção de atrair a colônia portuguesa que fazia parte do comércio do Rio de Janeiro. A influência e a justificativa vieram com base no ambiente contemplativo em torno da figura do navegador português Vasco da Gama, haja vista as comemorações pelos quatrocentos anos de sua chegada à Índia com a sua esquadra.

A escolha do nome “Vasco da Gama” para batizar o clube de regatas, o qual parte dos empregados do comércio no Rio de Janeiro pretendia fundar, surge como uma estratégia para angariar adeptos em grande quantidade, com base na volumosa colônia portuguesa da cidade.

As reuniões ou assembleias pré-fundação do Club de Regatas Vasco da Gama ocorreram em três locais. Na Rua Teófilo Ottoni, n.º 78 (local da Agostinho Lisboa & C.), como já dissemos, foi ocupada no primeiro momento para a definição das estruturas iniciais do futuro clube e produção das listas de subscrição.

Na medida em que o número de adeptos da ideia cresceu, ao menos uma assembleia pré-fundação foi realizada no salão da Sociedade Dançante Estudantina Arcas, à Rua São Pedro, n.º 152 (defronte à então Praça General Osório, antigo Largo do Capim. Correspondente ao atual quarteirão da Av. Presidente Vargas, n.º 642 – entre as ruas Uruguaiana e dos Andradas).

Por fim, também houve reunião na sede da Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, à Rua do Propósito, n° 12 (corresponde atualmente à Rua do Propósito, n° 20).

No dia 21 de agosto de 1898, um domingo, realizou-se a “Assembleia Geral de Instalação do Club de Regatas Vasco da Gama”, em outras palavras, a assembleia de fundação da nova agremiação do remo carioca.

O local escolhido foi o salão do sobrado da Rua da Saúde n.º 293 (atualmente, encontra-se o imóvel da Rua Sacadura Cabral, n.º 345).

No térreo, funcionava uma casa comercial de café torrado, da firma M. C. Leitão & Braz, pertencente aos sócios portugueses Manoel Cardoso Leitão e Joaquim Antonio Pereira Braz.

Provavelmente, tal fato se deu mediante contatos próximos existentes entre algum fundador e os proprietários.

MALTA, Augusto. Praça da Harmonia. Vê-se ao fundo o prédio cujo sobrado foi local de fundação do Club de Regatas Vasco da Gama. 24 de março de 1908. Domínio Público. Acervo: Instituto Moreira Salles
Ata de Fundação do Club de Regatas Vasco da Gama, 1898, p. 1. Acervo: Centro de Memória CRVG
Ata de Fundação do Club de Regatas Vasco da Gama, 1898, p. 2. Acervo: Centro de Memória CRVG
Ata de Fundação do Club de Regatas Vasco da Gama, 1898, p. 3. Acervo: Centro de Memória CRVG
Comprovante de pagamento da joia do Fundador Bernardo José Monteiro Torres, 01 de setembro de 1898. Acervo: Centro de Memória CRVG

O emblema da agremiação viria a ser a cruz, sinal da fé cristã. Na visão dos homens que criaram o Vasco, esse elemento representava a união dos povos. A cruz que os Fundadores do Clube deram ao Vasco é a Cruz de Cristo encarnada, uma representação do símbolo da Ordem de Cristo, que estava presente nas naus portuguesas no período das Grandes Navegações. Em decorrência de aspectos relacionados à tradição e memória comum ao coletivo dos Fundadores, nomeou-se o símbolo de “Cruz de Malta”.

Por esse tempo tinha-se festejado pomposamente no Rio de janeiro o Quarto Centenário da descoberta do caminho marítimo das Índias por Vasco da Gama.

E por toda a parte aparecia, nas festas, nos cortejos, nas revistas e jornaes ao lado do nome do grande navegante a Cruz de Chisto usadas nas Caravellas (a que nos acustumanos a chamar de Malta […]

Dahi o nome e symbolo, aceito entusiasticamente por todos, podendo dizer-se que já tinha nome, antes de vir ao mundo!

(José Lopes de Freitas – Fundador do C. R. Vasco da Gama, 1945, p. 12).

Uma ilustração da documentação do Clube, 1908. Acervo: Centro de Memória CRVG

O ELO ENTRE BRASIL E PORTUGAL

Desde a sua fundação, o Club de Regatas Vasco da Gama tem sido uma coletividade onde se juntam, onde se congregam, à sombra de um mesmo ideal esportivo (o engrandecimento), portugueses e brasileiros.

Na contemporaneidade, o Vasco é o maior elo entre o Brasil e Portugal no campo esportivo. No quadro geral das instituições luso-brasileiras, o Clube é um dos mais significativos representantes da relação de amizade entre portugueses e brasileiros. O tamanho da representatividade da agremiação vascaína pode ser medido em números. A população atual de Portugal é cerca de 10,3 milhões de habitantes, por sua vez, o número aproximado de adeptos do Vasco da Gama é de 15 milhões.

A “população de vascaínos” é superior à própria população de Portugal. São milhões e milhões de torcedores, de variadas nacionalidades, mas especialmente lusitanos e nacionais, que se unem sob uma mesma bandeira, um mesmo clube, que nasceu no Brasil, mas tem a sua essência, nome e principal símbolo relacionados à história de Portugal.

Revista comemorativa do recebimento da Comenda da Ordem Militar de Cristo, no grau de Comendador, pelo Club de Regatas Vasco da Gama. Rio de Janeiro/RJ, 1954. Acervo: Centro de Memória CRVG
Cópia do diploma que conferiu ao Club de Regatas Vasco da Gama o grau de Comendador da Ordem Militar de Cristo. Revista comemorativa. Rio de Janeiro/RJ, 1954. Acervo: Centro de Memória CRVG
Convidados do evento de recebimento oficial da Comenda da Ordem Militar de Cristo ofertada pela República Portuguesa ao Club de Regatas Vasco da Gama. Sede Náutica da Lagoa/RJ, 11 de setembro de 1954
Condecoração da Bandeira, na solenidade de entrega da Ordem Militar de Cristo. Sede Náutica da Lagoa/RJ, 11 de setembro de 1954
Decreto de Alvará Régio que renova e conferi o Patronato Régio da Casa Real Portuguesa ao Club de Regatas Vasco da Gama. Lisboa, 01 de fevereiro de 2017. Acervo: Centro de Memória CRVG
Mário Soares, em uma de suas visitas ao Brasil, 1980. O líder político, então como Presidente de Portugal, visitou o Estádio de São Januário no dia 04 de junho de 1992. c.1980. Acervo: Centro de Memória CRVG
Roberto Leal, grande cantor português: Centro de Memória CRVG

DO REMO AO FUTEBOL: O VASCO AO LADO DOS EXCLUÍDOS DA SOCIEDADE E DO ESPORTE

Muitos sabem da luta do Vasco da Gama contra o racismo, o preconceito social e o próprio antilusitanismo no futebol. Porém, desde a primeira década do Novecentos, ainda no remo, principal esporte da época, a agremiação vascaína se colocou como protagonista da defesa dos membros de camadas sociais menos abastadas.

No esporte náutico, o Vasco da Gama enfrentou o seu primeiro desafio contra os clubes coirmãos e a liga organizadora, que foram movidos pelo antilusitanismo e o preconceito social.

Representantes de outros clubes náuticos na Federação Brasileira da Sociedade do Remo aprovaram regras mais rígidas para o amadorismo no esporte náutico.

Era uma nítida tentativa de atingir os imigrantes lusitanos que trabalhavam no comércio, a base associativa do Vasco da Gama, desde a sua Fundação. Diante desse ataque ao Vasco e aos setores menos privilegiados da sociedade, vascaínos como os portugueses Alberto de Carvalho Silva e Augusto de Mattos Araujo tiveram a galhardia necessária para defender os direitos dos sócios do Clube.

Tanto no remo quanto no futebol, os dirigentes vascaínos, ao invés de seguirem à risca a fórmula do amadorismo e evitarem problemas com outras agremiações, optaram por levar para dentro da agremiação todos que comungassem dos objetivos traçados pelo Clube.

Mais do que isso, o Vasco da Gama se dispôs a enfrentar clubes e ligas, enfim, todos aqueles que o atacassem ou aos seus atletas, que passavam a viver sob o teto da mesma “casa vascaína”.

Trazer os conflitos sociais e políticos para dentro da instituição (Estado, Igreja, clube etc.) a fim de controlá-lo e organizá-lo, diminuindo ou escamoteando as tensões é algo muito próprio da cultura portuguesa. 

Ilustração da guarnição da Procellaria, 1906. Acervo: Centro de Memória CRVG
Equipe Campeã Carioca de 1923. Campeonato Carioca. Vasco 3x2 Botafogo/RJ. Estádio das Laranjeiras/RJ, 01 de julho de 1923. Acervo: Centro de Memória CRVG
Ofício n.º261, de 07 de abril de 1924 (Resposta Histórica). Acervo: Centro de Memória CRVG

Estádio de São Januário: o templo do povo.

Na ensolarada tarde de 21 de abril de 1927, coube ao major português, José Manuel Sarmento de Beires (1893-1974), a honra de romper a fita inaugural do estádio que ficaria popularmente conhecido como São Januário.

A “Casa Vascaína” é repleta de elementos que fazem menção às raízes lusitanas do Clube, como a sua fachada no estilo neocolonial, os painéis azulejados portugueses, o Busto do Almirante Vasco da Gama (patrono do Clube) e a Cruz de Cristo, à qual por tradição chamamos de Cruz de Malta.

O surgimento de São Januário remonta à luta do Vasco em poder colocar em prática a sua política de seleção de jogadores sem distinção de raça ou condição social.

Além disso, com a sua história de fundação sui generis e a sua utilização ao longo do tempo como palco de grandes manifestações populares e marcos importantes para o país, o “templo vascaíno” escapou da serventia tradicional de arena esportiva e se colocou no decorrer de sua gloriosa existência como parte da história do Brasil, tornando-se um verdadeiro patrimônio nacional. 

Estádio de São Januário, c.1927. Acervo: Centro de Memória CRVG

É O VASCO: AS AÇÕES DO CLUBE NA CONTEMPORANEIDADE

O Vasco da Gama tem na sua história a principal fonte de inspiração para tomar decisões e promover ações que ratifiquem o Clube como um agente engajado em pautas sociais importantes. A agremiação vascaína busca destacar-se no combate às desigualdades sociais, bem como denunciar e confrontar qualquer forma de preconceito. Tal como uma legítima casa portuguesa, o Vasco é para todos e de todas.

 

Campanha de doação de livros
Primeira Campanha de Doação de Cobertores e Agasalhos (2021)
Primeira Campanha de Doação de Cobertores e Agasalhos (2021)
Vasco da Gama lança camisa contra o racismo. Estádio de São Januário. Rio de Janeiro, 03 de abril de 2011
Nas últimas décadas, o Vasco da Gama vem reforçando o combate ao racismo com várias campanhas de conscientização. Vasco da Gama, 2013
Camisa “All Black” do Vasco da Gama, lançada em 2021, reforça a luta do Vasco da Gama contra o racismo. Foto: João Pedro Isidoro
Jogadores do Sub-15 e Sub-17 assistiram a palestra sobre racismo, em São Januário. Rio de Janeiro, 29 de novembro de 2021. Foto: Rafael Ribeiro
Jogadores do Vasco da Gama entram em campo com faixa que traz mensagem contra a homofobia. Campeonato Brasileiro, 2009
Vasco da Gama lança camisa em homenagem a causa LGBTQIA+. Estádio de São Januário. Rio de Janeiro, 27 de junho de 2021
José Nilton Júnior, professor de História e colaborador do CPAD-CRVG, executa palestra sobre o racismo para os jogadores profissionais de futebol. Rio de Janeiro, 05 de maio de 2021. Foto: Rafael Ribeiro
Aula Magna sobre a Resposta Histórica para os alunos do Colégio Vasco da Gama, 04 de abril de 2023
Aula Magna sobre a Resposta Histórica para os alunos do Colégio Vasco da Gama, 04 de abril de 2023

A PRIMEIRA EXCURSÃO PARA A EUROPA

Em 1931, o Vasco da Gama fez a sua primeira excursão internacional. A agremiação vascaína foi o primeiro clube carioca a atuar na Europa. O pioneirismo vascaíno foi coroado pelo gigantismo de suas atuações em Portugal e Espanha, que assombraram os amantes do futebol e a imprensa locais, dando conta de mostrar para os europeus em geral a qualidade da técnica brasileira.

A delegação Vascaína

Chefe da Delegação: Raul da Silva Campos, Presidente do C. R. Vasco da Gama

Jogadores do Vasco da Gama:

Jaguaré Bezerra Vasconcelos, Waldemar Sá Couto Guimarães (goleiros); Luiz Gervazoni (Itália), Alfredo Brilhante (zagueiros); Alfredo Tinoco, Fausto dos Santos (o Maravilha Negra), Sebastião Paiva Gomes (Molla), Luiz Ferreira Nesi, Antonio Castro Reis (Rainha) (meio campistas). Daniel Augusto Magdalena (Bahianinho), Carlos Paes (Oitenta-e-Quatro), Moacyr Siqueira de Queiroz (Russinho), João Ghisoni, Mario Mattos, Sebastião Sant’Anna;

Jogadores emprestados  – Fernando Giudicelli (Fluminense); do Botafogo: Nilo Murtinho Braga (Botafogo), Carlos Carvalho Leite (Botafogo) e Benedicto de Moraes Menezes (Botafogo).

Diretores: Capitão Orlando Eduardo da Silva (Diretor Técnico); Eduardo da Fonseca Filho (Tesoureiro), José da Silva Rocha (Secretário) e Harry Welfare (Treinador).

Partidas realizadas na Espanha:

28/06/1931 – VASCO 2×3 Barcelona – Estádio Les Corts (Barcelona)

29/06/1931 – VASCO 2×1 Barcelona – Estádio Les Corts (Barcelona)

05/07/1931 – VASCO 1×2 Celta – Estádio de Balaídos (Vigo)

07/07/1931 – VASCO 7×1 Celta – Estádio de Balaídos (Vigo)

Partidas realizadas em Portugal:

12/07/1931 – VASCO 5×0  Benfica – Estádio do Lumiar (Lisboa)

15/07/1931 – VASCO 4×2 Combinado de Lisboa – Campo das Amoreiras (Lisboa)

19/07/1931 – VASCO 3×1 Porto – Campo do Lima (Porto)

22/07/1931 – VASCO 9×2 Combinado Varzim-Boa Vista  – Estádio Guedes Amorim (Póvoa de Varzim)

24/07/1931 – VASCO 6×2 Ovarense – Estádio Parque da Oliveirinha (Ovar)

26/07/1931 – VASCO 1×2 Porto – Campo do Lima (Porto)

30/07/1931 – VASCO 1×1 Vitória de Setúbal – Campo das Amoreiras (Lisboa)

02/08/1931 – VASCO 4×1 Sporting – Estádio de Campo Grande (Lisboa)

Homenagem da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto ao C. R. Vasco da Gama. Porto, 20 de julho de 1931. Acervo: Centro de Memória CRVG

O PRIMEIRO JOGO E DEMAIS CONFRONTOS

A primeira partida de futebol contra os lusitanos foi realizada em 22 de julho de 1928. O encontro entre a agremiação vascaína e o Sporting, ocorrido no Estádio de São Januário, terminou empatado em 1 a 1. Esse foi o primeiro confronto do Vasco da Gama com uma agremiação de outro continente. No geral, o Gigante da Colina enfrentou equipes portuguesas em 59 oportunidades: venceu 29 partidas, empatou 11 e perdeu 19. O Vasco marcou 124 gols e sofreu outros 83, somando 41 gols a seu favor.

A agremiação vascaína jogou 56 partidas com clubes portugueses e 3 com combinados locais. Nos embates com os clubes lusitanos, o Vasco da Gama possui 26 vitórias, 11 empates e 19 derrotas, marcou 107 gols  e sofreu 76. Isso resulta em um saldo de 31 gols a favor do “Clube de São Januário”. Nas disputas contra combinados, o Vasco venceu as três partidas que disputou, fez 17 gols e sofreu 7, mantendo um saldo positivo de 10 gols.

Stadium, 18 de junho de 1947. Acervo: Hemeroteca Digital de Lisboa

A BOA RELAÇÃO DO VASCO COM OS CLUBES COIRMÃOS LUSITANOS

Historicamente, o Vasco da Gama possui uma relação de amizade e proximidade com os clubes coirmãos de Portugal. O diálogo e a boa receptividade, de ambos os lados, que se estabeleceram durante décadas entre os dirigentes vascaínos e os administradores dos clubes portugueses vão muito além de uma única partida de futebol.

Unidos pelos sentimentos de amor e respeito pela pátria portuguesa, vascaínos (dirigentes, sócios e torcedores) e os adeptos dos clubes portugueses mantiveram ao longo dos anos a cordialidade fraternal, que reforçou a condição do Vasco da Gama como o traço mais forte de união entre Brasil e Portugal no âmbito esportivo.

Um dos casos que exemplificam a condição do Vasco da Gama como um elo entre os dois países, refere-se a Francisco Augusto Marques da Silva. Nascido em Ovar, Portugal, no dia 25 de junho de 1881, era o segundo filho de António Marques da Silva e Rosa Duarte, ambos lavradores.

Veio para o Brasil, tal qual outros milhares de lusitanos que partiram da sua pátria para a antiga colônia na América, buscando melhores condições de vida.

Francisco Marques da Silva tornou-se sócio do Vasco da Gama e obteve três mandatos como Presidente do Clube, entre 1918 e 1921. O dirigente foi uma das figuras centrais para a consolidação do futebol na agremiação vascaína.

Após anos em território brasileiro, retornou bem-sucedido para a sua cidade natal. Em Ovar, continuou a envolver-se com o ludopédio. Esteve intimamente ligado à Associação Desportiva Ovarense, tendo sido eleito como o seu presidente por quatro períodos consecutivos.

Francisco Augusto Marques da Silva, sem data. Foto: Autor desconhecido
Homenagem em Ovar/POR ao Sr. Francisco Augusto Marques da Silva, ex-presidente do Club de Regatas Vasco da Gama. Podemos observar o busto do Grande Benemérito Francisco Augusto Marques da Silva. Ovar/POR, 20 de setembro de 1954. Acervo: Centro de Memória CRVG
Homenagem em Ovar/POR ao Sr. Francisco Augusto Marques da Silva, ex-presidente do Club de Regatas Vasco da Gama. Podemos observar o busto do Grande Benemérito Francisco Augusto Marques da Silva. Ovar/POR, 20 de setembro de 1954. Acervo: Centro de Memória CRVG
Jantar de despedida oferecido à delegação do Sporting, de Portugal. O Presidente do Vasco, Otávio Póvoa, cumprimenta Carlos Cecílio Nunes Góis Mota, representante do clube português. Rio de Janeiro/RJ, 12 de julho de 1951. Acervo: Centro de Memória CRVG
Jantar oferecido à delegação do Vasco da Gama. Vê-se Cyro Aranha discursando. Portugal, 1947. Acervo: Centro de Memória CRVG
A bandeira do Club de Regatas Vasco da Gama, ostentando a Comenda da Cruz de Cristo, apresentada na inauguração do estádio do Sporting (Portugal), em 10 de junho de 1956. Sustenta a bandeira José Ribeiro de Paiva. O primeiro à esquerda é Raphael Verri e completa a foto Narciso Bastos. Estádio José Alvalade, Lisboa/POR, 10 de junho de 1956. Acervo: Centro de Memória CRVG

VASCO: O SÍMBOLO DE UNIÃO

A

história do C.R. Vasco da Gama é marcada por fatos que demonstram inegavelmente a disposição da agremiação vascaína, por intermédio dos seus dirigentes, associados e torcedores, para lutar contra males sociais que afligem a nossa sociedade, como o racismo, a homofobia e a transfobia. Está também gravado no DNA do Vasco da Gama o compromisso de combater as desigualdades sociais através de sua atuação no esporte e na sociedade. O lema “RESPEITO-IGUALDADE-INCLUSÃO” espelha um compromisso que não é apenas do Clube, mas de todos os vascaínos e vascaínas.

O Club de Regatas Vasco da Gama foi fundado no dia 21 de agosto de 1898.
Nascia, então, uma instituição luso-brasileira constituída por homens simples, a sua
maioria portugueses e brasileiros do comércio do Rio de Janeiro, mas com o brio e
a bravura necessários para levar a recém-criada agremiação à tão almejada
grandeza esportiva. À época, o Vasco era uma nova agremiação náutica dentre
outras já existentes, mas seus criadores possuíam o objetivo de que se tornasse um Gigante. Desde o seu surgimento, a agremiação vascaína tem sido uma coletividade onde se juntam, onde se congregam, brasileiros e portugueses, de todas as origens, sob uma bandeira e símbolos inspirados na história de Portugal, à sombra de ideais comuns e tendo no seu espírito o amor à pátria de origem: o Brasil.

O Vasco surgiu de um contexto histórico específico. O Rio de Janeiro era uma cidade de forte presença lusitana, sendo os imigrantes vindos do norte de Portugal, de diversas aldeias, fundamentais para o surgimento da agremiação vascaína e da sua postura no campo esportivo. Além disso, a metrópole carioca experimentava o desenvolvimento de várias práticas esportivas, dentre elas aquela que melhor representava a modernidade: o remo.

Não raro, parte de uma elite, quando lhe convém, mobiliza a imagem do Vasco como um representante do “estrangeiro colonizador”, como se seus clubes fossem legítimos representantes do que é “ser brasileiro”. Não se esqueçam jamais que, sob o teto desta casa, todos e todas aqueles que se dispunham a praticar o esporte tiveram o acolhimento devido. A nossa história e o nosso pavilhão jamais estiveram manchados pela lama do racismo ou de qualquer outro tipo de preconceito. 

O Vasco é o legítimo clube do povo. A nossa instituição é plural, símbolo da união entre povos e uma casa aberta a todos e todas.

“Traço de União Brasil-Portugal”

“O Vasco é do tamanho da sua história”.

Centro de Memória CRVG.

Pesquisa e texto:
Walmer Peres Santana
(Historiador do CRVG)

Desenvolvimento:
Rogério Portugal

Club de Regatas Vasco da Gama