As complicações do mesmo procedimento estético uniram as pernambucanas Priscilla Aguiar e Rafaela Cavalcanti em uma missão: alertar outras pessoas sobre os perigos de tratamentos mal-feitos. Para Priscilla, a rinomodelação e o preenchimento labial com ácido hialurônico prometiam um aumento da autoestima antes de uma viagem internacional. Mas, a aplicação, feita por uma biomédica, não saiu como o esperado. "Vi uma resolução do Conselho de Biomedicina naquela época que autorizava a fazer o procedimento. Pensei: 'ah, então, se são autorizados, eles sabem fazer e aprenderam o suficiente para isso'. Resolvi fazer. Fiz o preenchimento numa quinta-feira, no fim da tarde, e, no sábado, já estava com uma dor absurda no meu nariz e a coloração estava horrível, esbranquiçado, sem cor, parecia realmente que estava morto", relata. A jornalista teve uma necrose no nariz e teve de passar um período internada. Depois da alta, fez uma série de tratamentos com dermatologista para cuidar das cicatrizes. "A primeira sensação que a gente tem é de vergonha, porque a gente se culpa muito. 'Nossa, por que eu fiz isso comigo? Por que eu escolhi essa pessoa? Por que eu resolvi fazer um procedimento estético, que é uma coisa que não é uma doença, uma cirurgia que você tem que fazer?'. Depois, você fica com vergonha, porque você não quer contar que fez aquilo. E também você tem vergonha que as pessoas olhem para você e vejam aquilo que deu errado", conta. 2 de 3 Priscilla Aguiar teve necrose no nariz após fazer rinomodelação com uma biomédica — Foto: Reprodução Priscilla Aguiar teve necrose no nariz após fazer rinomodelação com uma biomédica — Foto: Reprodução A experiência fez com que ela começasse a alertar sobre o que passou nas redes sociais, ainda em 2018. Até que foi procurada por Rafaela Cavalcanti, que também teve uma complicação de rinomodelação feita por uma dentista, no ano seguinte. Ela perdeu 60% do nariz e teve que passar por 14 cirurgias desde então. As duas criaram a página "Estética de Risco" para falar sobre os perigos e responsabilidades dos tratamentos. Com mais de 100 mil seguidores, elas recebem, todo os dias, relatos de deformações, infecções e cirurgias que deram errado. Peeling: polícia apreende fenol irregular em clínica onde mulher sofreu queimaduras graves Apesar dos riscos, brasileiros procuram procedimentos estéticos O aperfeiçoamento de tratamentos menos invasivos permite fazer pequenas correções com diferentes profissionais - farmacêuticos, biomédicos, dentistas e até fisioterapeutas. Mas, também é possível mudar o formato do corpo ou comprar um novo rosto sem passar por cirurgia. Com algumas sessões de preenchimento, dá para mexer nos olhos ou na boca, afinar os traços, remodelar o queixo - ou fazer tudo ao mesmo tempo, com a harmonização facial. Alcançar a aparência de celebridade é a meta. Os brasileiros gostam da ideia. O Brasil liderou o ranking de cirurgias plásticas em todo o mundo em 2023, de acordo com levantamento anual da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. No ano passado, foram realizados mais de 3 milhões de procedimentos estéticos no país, sendo 2 milhões com intervenção cirúrgica. São mais comuns a lipoaspiração, a prótese de silicone, o Botox e preenchimentos com ácido hialurônico. Somando procedimentos estéticos cirúrgicos e não-cirúrgicos, o Brasil aparece em segundo na lista, atrás dos Estados Unidos. Dos 34,9 milhões de procedimentos cirúrgicos e não-cirúrgicos feitos em todo o mundo no período, 6,2 milhões foram registrados em território norte-americano. Saiba o que é peeling de fenol, que causou a morte de homem em São Paulo A dermatologista Andrea Ortega Gimenez procura um caminho diferente para a profissão: ter uma visão crítica dos padrões de beleza, abraçar os sinais de envelhecimento e ter uma conversa profunda com as pacientes antes de aplicar qualquer produto. Ela também fala do assunto nas redes sociais, em que discute mitos e verdades da dermatologia, saúde da pele e as pressões sociais sobre as mulheres. "Esses procedimentos que são banalizados, por exemplo, preenchedor facial, eles podem ter esses riscos quando feitos na mão de um profissional que não entende nada de anatomia, que não vai reconhecer as complicações precoces do procedimento. A estética veio com tudo, de uma forma extremamente agressiva, é impositória para todo mundo, então todo mundo 'tem que'. Você está com 30 anos, já começa uma pressão social para você colocar botox, para você fazer", diz. Caso em SP reacende o alerta A morte de um jovem de 27 anos após um peeling de fenol com uma influenciadora que não tinha formação na área trouxe de volta ao debate os riscos de procedimentos mal-feitos - e como encontrar um profissional confiável. O empresário Henrique da Silva Chagas passou mal ainda na clínica da empresária Natália Freitas, em São Paulo, no início de junho. Ele tentava corrigir as cicatrizes de acne no rosto. Na procura por uma solução, encontrou Natália nas redes sociais. Para os mais de 200 mil seguidores, ela se dizia esteticista - depois, foi relevado que só tinha cursos livres. 3 de 3 Henrique Chagas, 27 anos, morreu após realizar 'peeling de fenol' com Natalia Becker — Foto: Reprodução/Redes sociais e Yasmin Caetano/CBN Henrique Chagas, 27 anos, morreu após realizar 'peeling de fenol' com Natalia Becker — Foto: Reprodução/Redes sociais e Yasmin Caetano/CBN Natália foi indiciada por homicídio doloso. Depois do caso, uma ex-cliente relatou à CBN que teve várias queimaduras no rosto depois de fazer o mesmo peeling na clínica dela, no ano passado. A lei do ato médico diz que o uso de produtos invasivos, como o fenol, só pode ser feito por quem tem formação em medicina. A Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos (ANESCO) registrou, só nos primeiros seis meses do ano, 50% mais denúncias de prática irregular da profissão do que em todo o ano passado. De acordo com a presidente da entidade, Márcia Larica, a ANESCO recebeu cerca de 120 denúncias em 2024, contra 80 em todo o ano de 2023. As reclamações envolvem venda de cursos irregulares pra pessoas não habilitadas e de equipamentos e insumos sem registro na Anvisa. Ela reforça que as profissionais de Estética passam por uma formação completa, em que aprendem as boas práticas da área: "No geral, quando acontecem intercorrências, de 2021 para cá, tem sido de profissionais que se intitulam esteticistas, mas não o são. O esteticista estuda na sua graduação a estética facial, corporal e capilar. Ele estuda muito toxina botolímica, preenchimentos, peelings... as técnicas manuais, técnicas com equipamentos. O que ele não pode fazer é a estética médica, que são aqueles que adentram orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos." A Associação dos Esteticistas e Cosmetólogos também tenta articular a criação de um Conselho Federal e de unidades regionais pra regularizar a fiscalização da profissão, que foi regulamentada em 2018. Mais recente Próxima Festas juninas movimentam mais de R$ 700 milhões em três cidades da Paraíba: 'A gente espera o ano todo'