Olá, pessoal, bom dia!
Diante do excesso de informações a serem analisadas referentes ao coronavírus, as demais medidas normativas publicadas hoje pelo governo federal serão enviadas em edição complementar, hoje à tarde. Esse novo envio será feito exclusivamente para os assinantes pagos da newsletter.
Aliás, espero que os demais assinantes estejam gostando do conteúdo que vem sendo produzido até aqui sobre a crise do coronavírus. Sigo aberto a feedbacks.
Obrigado e um abraço,
Breno
Especial coronavírus
A hora da conta
O essencial: A conta da crise começou a ser entregue. De um lado, alívio para empresas dos mais diferentes portes. De outro, um cenário de desolação para empregados e até mesmo para profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate aos efeitos mais diretos da pandemia do novo coronavírus. Em medida provisória publicada hoje, com efeitos imediatos, o presidente Jair Bolsonaro oficialmente atropela diversos pontos previstos na CLT. Seguem abaixo, os principais pontos da já famosa MP 927 (a medida completa está aqui):
Os contratos de trabalho poderão ser suspensos por até quatro meses. A CLT já previa essa possibilidade de suspensão (por até cinco meses, aliás), mas sempre dependendo de convenção ou acordo coletivo e de concordância formal do empregado. Agora, essa medida não dependerá de acordo coletivo e poderá ser acordada diretamente com o “grupo de empregados” - ou seja, sem precisar de acordo com cada trabalhador individualmente.
Durante esse período de suspensão do contrato, o empregador poderá (mas não é obrigado a isso) pagar um valor compensatório com “valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual”. A CLT prevê que esse valor deve ser definido por meio de acordo coletivo. Nesse caso, a negociação individual é ainda mais pesada para o empregado, já que a alternativa à recusa do valor ofertado pelo empregador é a demissão. Nesse sentido, a MP estabelece que, durante o estado de calamidade pública, empregador e empregado poderão assinar um acordo individual, por escrito, prevendo a permanência do vínculo empregatício. Não há obrigação de que haja esse acordo por escrito.
O parágrafo 5º do Artigo 18 da MP deixa brecha aberta ainda para a prorrogação do período de suspensão do contrato. A CLT já prevê essa possibilidade, mas condicionando a prorrogação ao pagamento, pelo empregador, do valor correspondente à bolsa de qualificação profissional nesse período extra. A MP acaba com a obrigação de pagamento dessa bolsa, que só é mencionada na CLT nesse contexto da prorrogação do período de suspensão do contrato de trabalho.
Os que forem deslocados para trabalho em home office não têm qualquer garantia de que terão cobertos pela empresa seus custos com aquisição de equipamentos e programas, telefone, internet, energia elétrica, entre outros. O empregador terá 30 dias para preparar um contrato a ser assinado com o funcionário prevendo como ficará definida essa questão de eventuais reembolsos. Mas não há obrigação de que o contrato a ser assinado com o empregado preveja esse reembolso. Ou seja, de cara quem pagará por isso tudo é o empregado diretamente. E não há nada no texto que obrigue, de fato, a empresa a arcar com isso no futuro. A única previsão específica é que, caso o empregado não tenha computador ou outros equipamentos necessários para o teletrabalho, a empresa poderá ceder a ele o equipamento, por comodato. A alternativa é que o tempo de jornada de trabalho fique “à disposição do empregador”.
Ao categorizar a calamidade pública como motivo de “força maior”, ficam garantidas condições especiais para empresas que decretarem falência ou que tiverem de fechar determinados estabelecimentos. A indenização a ser paga ao empregado afetado por isso, no caso de contratos com estabilidade, é de um mês de remuneração por cada ano de serviço. Nos contratos sem estabilidade, a indenização será a metade do que seria devido a ele em caso de demissão sem justa causa. Já nos contratos por tempo determinado, o pagamento ao empregado deverá ser de 25% da remuneração a que ele teria direito até o fim do contrato. Tem mais: se o trabalhador estiver ainda no primeiro ano de contrato, o empregador não tem que pagar indenização nenhuma.
Os estabelecimentos de saúde podem determinar que seus empregados trabalhem para além das jornadas de trabalho tradicionais de 12 horas intercaladas com 36 horas de descanso. Esses empregadores poderão, inclusive, adotar escalas de trabalho suplementares por mais 12 horas, depois da décima-segunda hora de descanso no intervalo pós-jornada. Um exemplo: um médico trabalha sua jornada normal, de 12 horas seguidas, de 8h às 20h. Depois, descansa apenas até as 8h da manhã seguinte e já volta para mais um turno de 12 horas. Essas horas de jornada suplementar poderão ser compensadas futuramente por meio de banco de horas (o médico trabalhando menos lá na frente) ou pelo pagamento de hora extra. Ou seja, o hospital não terá obrigação, em princípio, de pagar hora extra. E mesmo que faça isso, o prazo para esse pagamento será de um ano e meio depois do fim do estado de calamidade pública (provavelmente, em junho de 2022).
A legislação prevê o pagamento de indenização a trabalhadores que contraem ou desenvolvem doenças ocupacionais. Mas a MP editada por Bolsonaro já deixa explícito que eventuais casos de contaminação de profissionais de saúde com Covid-19 não serão considerados ocupacionais, exceto os casos em que haja “comprovação do nexo causal”.
Profissionais da área da saúde que estejam de férias ou em licença não remunerada poderão ser convocados de volta ao trabalho mediante aviso prévio de apenas dois dias.
Em relação a trabalhadores em geral, férias poderão ser antecipadas com aviso prévio de apenas 48 horas. Mas o valor do terço constitucional de férias poderá ser pago somente em 20 de dezembro pelo empregador. Além disso, o direito irrestrito que o empregado tem de pedir a conversão de um terço dos dias de férias em dinheiro agora dependerá da concordância do patrão. Ainda assim, mesmo que haja a concordância, o valor poderá ser pago, da mesma forma que o terço adicional, até 20 de dezembro. Os trabalhadores que fazem parte do grupo de risco do coronavírus terão prioridade na antecipação de férias.
Mais um ponto sobre as férias: usualmente, elas são pagas até dois dias antes de seu início. Agora, o valor poderá ser pago até o quinto dia útil do mês seguinte ao de início das férias.
Sobre as férias coletivas, elas normalmente podem ser concedidas em apenas dois períodos num ano, nenhum deles abaixo de 10 dias. E elas devem ser comunicadas ao governo e aos sindicatos com pelo menos 15 dias de antecedência. Agora, as empresas podem avisar os empregados com apenas dois dias de antecedência, e sem necessidade de respeitar os limites até aqui vigentes quanto aos períodos e duração das férias. Ficam também dispensadas as comunicações prévias.
Sobre o banco de horas, a CLT prevê a compensação das horas em até seis meses. Geralmente, essa compensação é em favor do empregado, que eventualmente acaba trabalhando para além da jornada normal. Agora, as empresas, mediante acordo individual ou coletivo, terão até um ano e meio para fazer essa compensação, contado a partir do encerramento do estado de calamidade pública. Só que, na crise, o que deve ocorrer é o trabalho “a menos” - isto é, o empregado terá um ano e meio para “pagar” as horas trabalhadas a menos durante esse período de calamidade. Essa compensação, prevê a MP de hoje, poderá ser feita com jornadas de até dez horas diárias.
O recolhimento do FGTS pelas empresas, referentes aos meses de março, abril e maio, ficam adiados. Isso valerá para qualquer empresa, independentemente do número de empregados e do regime de tributação. Os valores referentes a esses meses poderão ser quitados de forma parcelada, a partir de julho, em seis vezes mensais. Para isso, as empresas terão que declarar, até 20 de junho, os valores devidos. Se houver demissão do empregado durante esse período, aquela suspensão deixa de valer e os valores usualmente devidos devem ser pagos de imediato.
As regras da MP valem inclusive para trabalhadores domésticos, especialmente no que se refere a jornada de trabalho, banco de horas e férias. Ou seja, domésticas poderão ficar em casa, mas terão que trabalhar mais depois.
A regulamentação trabalhista específica para os operadores de telemarketing e teleatendimento não valerão para as situações em que esses trabalhadores estiverem em “home office”. Por exemplo, a CLT estabelece que eles não podem trabalhar mais do que seis horas por dia. Caso passe disso, a hora extra é paga com acréscimo de 50%. Em tese, com as medidas excepcionais definidas hoje, agora eventuais horas extras não terão esse acréscimo.
Acordos coletivos que estejam vencendo nos próximos seis meses poderão ser prorrogados, a critério do empregador, por outros 90 dias após o fim do estado de calamidade pública.
O abono anual pago pelo governo a beneficiários do INSS será antecipado, em duas parcelas, para os meses de abril e maio.
Ficam convalidadas medidas tomadas por empregadores, que estejam de acordo com o previsto na MP, tomadas nos últimos 30 dias.
O prazo de validade da Certidão Negativa de Débito com a União passa a ser de 180 dias, e não mais 60. Em caso de permanência do estado de calamidade pública, a validade poderá ser prorrogada ainda mais.
Dívidas de empresas e pessoas físicas
A Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional prorrogaram, de 31 de março para 31 de dezembro deste ano, o prazo para que pessoas físicas e empresas que estejam com dívidas abertas com a União possam solicitar parcelamento facilitado desses débitos. No caso de empresas que estiverem em recuperação judicial nesse período, a parcela mínima, que seria de R$ 500 em situações normais, será de apenas R$ 10. E várias deverão entrar em recuperação judicial na esteira dessa crise, até o fim do ano. Já podem antever esse benefício. Comentei sobre esse “Refis disfarçado”, agora prorrogado, aqui. Real Oficial.
Freio a governadores
Medida provisória publicada na tarde de sexta-feira brecou movimentações que vinham sendo feitas, em especial pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, para fechar por decisão própria as divisas do estado para o transporte de passageiros. A MP determina que a limitação à “locomoção interestadual e intermunicipal” só poderá ser feita mediante recomendação técnica e fundamentada da Anvisa. E ainda que haja recomendação da Anvisa, medidas como essa só poderão ser tomadas com “articulação prévia com o órgão regulador (ANTT ou Anac, no caso de rodovias e aeroportos)” ou com a União. Real Oficial.
Compras sem licitação
A mesma MP que colocou limites às atuações dos governadores frente à crise também inclui serviços de engenharia entre os itens que podem ser contratados sem licitação quando envolver ações de enfrentamento ao coronavírus. O texto também libera, inclusive para fornecedoras de materiais hospitalares, por exemplo, a contratação de empresas consideradas inidôneas ou suspensas do direito de participar de licitações, caso essa empresa seja a única fornecedora do bem ou do serviço necessário. Real Oficial.
Fica liberada também a contratação de bens usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso do produto.
Os processos de contratações sem licitação poderão inclusive dispensar qualquer estimativa prévia de preços, desde que isso seja justificado pela autoridade competente. Mas ainda que haja estimativa de preços, o governo poderá fazer a contratação por valor superior, em decorrência de “oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos”.
Serviços essenciais
As restrições impostas pela lei que define as ações que o governo pode tomar no enfrentamento ao coronavírus (constantemente citada aqui na newsletter e comentada por mim na ocasião) devem garantir o funcionamento de serviços públicos e outras atividades consideradas “essenciais”: aqueles que, se não atendidos, “colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Decreto publicado na tarde de sexta-feira listou uma série dessas atividades. Algumas são óbvias, como as relacionadas com assistência à saúde e segurança pública, mas estão na lista várias outras, como o transporte interestadual de passageiros, o funcionamento de aplicativos de transporte individual como o Uber, serviços de call center, delivery de farmácias e supermercados (assim como seu funcionamento presencial), transporte e entregas de cargas em geral, e o mercado de capitais (Bolsa) e de seguros. Real Oficial.
Mas ficou faltando, no decreto de sexta, um elemento importante: a imprensa. Em tese, o decreto anterior dava margem para que veículos de comunicação tivessem que fechar eventualmente, como parte do esforço geral de quarentena/isolamento. Mas hoje, num afago raríssimo do governo Bolsonaro no papel desempenhado pela imprensa, o decreto incluiu como “essenciais” as atividades desempenhadas por meios de comunicação na internet, TV, rádio, jornais e revistas. O decreto afirma que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”. Real Oficial.
O decreto também considera essencial “as atividades acessórias e de suporte” ao trabalho da imprensa e “a disponibilização dos insumos necessários à cadeia produtiva” - uma referência, por exemplo, à logística de distribuição de jornais e revistas impressas e a importação de papel-jornal.
Efeitos da calamidade pública
Como todos já sabem a essa altura, saiu na sexta-feira a decisão do Congresso Nacional, assinando embaixo do pedido de Jair Bolsonaro pela decretação do estado de calamidade pública até o dia 31 de dezembro deste ano. Queria chamar a atenção para pontos laterais dessa medida. Uma comissão mista, formada por seis deputados federais e seis senadores, deverá fazer um acompanhamento da “situação fiscal e da execução orçamentária e financeira” das medidas relacionadas com o enfrentamento ao coronavírus. Essa comissão deverá realizar, a cada dois meses, audiência pública com a participação do ministro da Economia para “apresentação e avaliação de relatório circunstanciado” sobre as medidas tomadas. Esse relatório deverá ser publicado oficialmente pelo governo antes das audiências. Real Oficial.
Mão de obra estudantil
Estudantes de medicina, de enfermagem, de farmácia e de fisioterapia que estiverem nos dois anos finais de curso poderão realizar seu estágio obrigatório em postos de saúde, em UPAs, em hospitais e em comunidades. Esses pontos serão listados pelo Ministério da Saúde, assim como as regras para seleção e alocação dos alunos. No caso específico dos estudantes de medicina, a área de atuação no estágio deverá ser exclusivamente em clínica médica, em pediatria e em saúde coletiva. A atuação dos alunos nesse estágio “emergência” deverá ser considerada na pontuação exigida para ingresso nos cursos de residência. Real Oficial.
Entrada de estrangeiros
Ficou pendente, pelo governo, na semana passada, a publicação de uma portaria com regras específicas de restrição para a entrada de estrangeiros no Brasil, por terra, via Uruguai. Isso foi regulamentado agora. Uma diferença interessante de procedimento é que uruguaios que tenham filho brasileiro ou que sejam casados(as) com brasileiro(a) poderão ter acesso livre. Real Oficial.
Facilitação de importações
O Ministério da Economia derrubou a cobrança de sobretaxa sobre as importações de seringas descartáveis da China e de tubos de plástico para coleta de sangue fabricados na China, Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Em tese, uma medida para facilitar a realização de testes, considerando que esses itens estarão facilmente exportáveis por esses países. Estavam válidas, até aqui, medidas de defesa comercial contra a prática de dumping por esses países. A sobretaxa visava proteger os fabricantes brasileiros desses produtos contra subsídios governamentais concedidos pelos países exportadores. Real Oficial.
Funcionamento de agências bancárias
Os bancos ficam liberados para ajustar seus horários de funcionamento, sem a necessidade de cumprir o período mínimo de cinco horas de atendimento ao público, assim como limitar a quantidade de clientes a serem atendidos. Real Oficial.
Bolsa Família
O governo suspendeu pelos próximos quatro meses os processos de checagem de cadastro das famílias beneficiárias do Bolsa Família, assim como os procedimentos de revisão cadastral. Eventuais suspensões e bloqueios também ficam interrompidos por esse período. Real Oficial.
Caminhoneiros
Os caminhoneiros ganharam a prorrogação, até o fim de julho, da validade de seus certificados do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) que venceriam entre março e junho deste ano. Outra medida em benefício dos caminhoneiros é a suspensão da exigência do Certificado de Inspeção Técnica Veicular, até 31 de julho. Real Oficial.
Outras medidas relacionadas com o coronavírus, ainda não analisadas em profundidade:
Portaria nº 1.153, de 19 de março de 2020 (Ministério da Ciência e Tecnologia) - Cria o Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 no âmbito das Comunicações (REDE CONECTADA MCTIC) e estabelece diretrizes a serem adotadas pela Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel.
Portaria nº 432, de 19 de março de 2020 (Ministério da Saúde) - Institui a Força-Tarefa no âmbito do Ministério da Saúde para atuação especializada nas demandas provenientes do Subcomitê Federal para Ações de Saúde aos Imigrantes do Comitê Federal de Assistência Emergencial.
Portaria nº 458, de 20 de março de 2020 (Ministério da Saúde) - Altera a Portaria de Consolidação nº 1/GM/MS, de 28 de setembro de 2017 e nº 2, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a inclusão e o preenchimento obrigatório dos campos Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) nos sistemas de informação.
Portaria nº 144, de 20 de março de 2020 (Ministério do Turismo) - Fica instituído o Comitê Setorial de Crise, no âmbito do Ministério do Turismo, para articular, coordenar, monitorar, orientar e supervisionar as providências e medidas a serem adotadas pelo Ministério, pelos Órgãos e Entidade Vinculadas, bem como pelos Agentes dos Setores cujas atividades são reguladas pelas Agências afetas a esta Pasta.
Portaria nº 435, de 20 de março de 2020 (Funai) - Alterar a Portaria nº 419, de 13 de março de 2020, publicada no Diário Oficial da União nº 54, de 19 março de 2020.
Decisão nº 54, de 20 de março de 2020 (Anac) - Prorroga a validade das credenciais aeroportuárias permanentes previstas no RBAC nº 107.