Propósito de Marca: Reynaldo Gama

CEO da HSM e da SingularityU Brazil

4 de julho de 2024

Propósito de Marca: Reynaldo Gama

O propósito de marca é um elemento fundamental na construção de uma identidade empresarial sólida e relevante no cenário atual. Compreender como as marcas se conectam com seu propósito e o universo tecnológico é essencial para se manterem relevantes e competitivas. Nesta nova série de entrevistas, o Estadão Blue Studio reuniu uma seleção exclusiva de executivos do mercado para compartilharem suas perspectivas sobre como as marcas estão alinhando seu propósito com as demandas e oportunidades oferecidas. Prepare-se para mergulhar em insights valiosos.  #aproveiteoconteúdo

1) Ter um propósito é moda, detalhe ou fundamental?

A resposta curta? Sim, ter um propósito de marca é fundamental no ambiente de negócios atual. Se alguém quiser vê-lo como moda, é tão moda quanto os smartphones e a computação em nuvem – veio para ficar. Eu diria inclusive que o propósito ficou mais fundamental ainda na economia digital – ou pós-digital – que vivemos.

Agora posso dar uma resposta longa também. Como diz o estudo da Deloitte “State of Purpose”, propósito é a “capacidade de unir as pessoas em torno de uma crença comum na identidade, no sentido e na missão da organização”, que, na prática, funciona como um framework para manter o foco na criação de valor de longo prazo e ajuda a navegar pelos riscos. Em um momento em que as organizações precisam transferir poder para as pontas, porque precisam agir com velocidade, o propósito é o que dá a direção, mais até do que o líder. Tenho outra definição do Silvio Meira, da TDS.company, que é a de que propósito deve estar entre os axiomas da estratégia, pois serve para “alinhar as expectativas internas e externas e balizar os desafios de curto, médio e longo prazo” dessa estratégia.

O propósito fala para dentro e para fora. Acabamos de soltar um Dossiê HSM Management sobre o tema, e há um artigo mostrando quão importante é o propósito para o employer branding. Além disso, em um mercado cada vez mais disputado, no qual produtos e serviços podem ser facilmente substituídos, um propósito claro pode impactar diretamente na decisão de compra dos consumidores.

O PPI – Purpose Premium Index, em que a InPress Porter Novelli mede a percepção do propósito das maiores empresas que operam no Brasil, já indicou que 81% das pessoas entrevistadas dão grande importância ao propósito empresarial, mas não reconhecem nada parecido nas top 55 do ranking Valor 1.000.

Não é à toa que vários dos agora tão cobiçados efeitos de rede na chamada “economia de plataforma” dependem de propósito, como o efeito de crença, ou o efeito de utilidade pessoal. Lembrando que efeito de rede é o conceito que diz que, quanto mais alto for o número de usuários de determinado produto ou serviço, maior será o valor da solução. 

E outros stakeholders, ou partes interessadas, também são impactados por ele. Marcas reconhecidas por seu compromisso com um propósito significativo tendem a desfrutar de uma imagem pública mais positiva, o que pode resultar em maior confiança e apoio dos consumidores, investidores e da comunidade.

Para terminar, em tempos de incertezas e até de crises, marcas com propósito bem comunicado tendem a ser mais resilientes. Consumidores e colaboradores são mais propensos a permanecer leais e a apoiar a marca durante períodos difíceis se acreditarem no propósito da empresa.

2)  Toda marca tem um propósito?

Bem, apenas três companhias entre as top 55 do ranking Valor 1000 foram identificadas como empresas com propósito no PPI.

Acho que todas as marcas reconhecem a importância de ter um propósito, sim. Afinal, citando novamente o estudo Deloitte “State of Purpose”, 78% dos consumidores têm maior probabilidade de se lembrar de uma empresa que demonstra um propósito forte e 86% dos funcionários esperam que seus CEOs falem publicamente sobre propósito.

Mas acontece que nem todas têm uma declaração de propósito definida com clareza. Vejo muitas marcas em linha com o que aquele livro “Propósito”, do Joey Reiman, dizia dez anos atrás, em 2014. Alguns embutem o propósito no seu produto (ou serviço). Outras no seu processo de produção. Outras compartilhando valores, por exemplo, doando um par de calçados a comunidades carentes para cada par que for comprado.

O ideal é que você trabalhe com o propósito nessas três frentes, mas se estiver em uma delas, é como se já estivesse no estágio de maturidade número um.

3) Como uma companhia descobre e difunde seu propósito?

Descobrir e difundir o propósito de uma companhia é um processo estratégico que geralmente envolve introspecção, alinhamento interno e comunicação eficaz.  Existem vários frameworks para isso, inclusive damos alguns no nosso Dossiê de junho, como o da Amy Edmondson, da Harvard Business School, e do Álvaro Lleó, da Universidad de Navarra, cujos passos são conhecimento, implementação e medição. Também já existem jogos corporativos para minerar o propósito coletivamente.

Inclusive, aqui na HSM, nós atendemos mais de mil empresas e, particularmente, tenho uma troca muito enriquecedora com diversos CEOs que temos apoiado nessa conversa sobre propósito. São conversas mais humanizadas, que envolvem mais o fator econômico e financeiro.

É importante ressaltar que, além da empresa, a liderança também tem que descobrir seu propósito. Na SingularityU Brazil, oferecemos um programa chamado “Liderança de Propósito”, justamente para que os líderes possam entender seus propósitos e se estes estão alinhados aos propósitos de suas empresas. A Liderança de Propósito é uma imersão em tecnologias exponenciais, liderança, ESG, inovação e humanidades, focada em líderes que buscam aumentar o impacto positivo de sua atuação. O grande objetivo é provocar a transformação pessoal que resulta em um impacto exponencial.

Acreditamos muito nesse caminho de formação. Os próprios líderes da Ânima Educação, que nos controla, descobriram seu propósito pessoal e o propósito da Ânima de transformar o Brasil pela educação em um programa de liderança. Porque aqui é casa de ferreiro e espeto de aço inox.

Para descobrir o propósito de uma marca é necessário realizar uma autoavaliação, revisar a missão e a visão da empresa, que devem refletir os valores e objetivos de longo prazo; considerar a história da empresa e os valores dos fundadores, pois muitas vezes há um propósito na razão pela qual a empresa foi criada; e avaliar os valores fundamentais da empresa. Em um segundo momento, devem-se realizar pesquisas com o intuito de obter feedback dos colaboradores, clientes, investidores e parceiros para entender suas percepções e expectativas a respeito do propósito da empresa.  E, por fim, é importante fazer uma análise de impacto, considerando como a empresa pode contribuir para a sociedade e o meio ambiente.

Já para definição do propósito é preciso sintetizar as informações coletadas e elaborar um propósito claro, que reflita a essência da empresa. Deve ser algo realmente viável, que seja possível incorporar nas operações diárias da companhia. É importante envolver a liderança neste processo e realizar ações para comunicar internamente o propósito aos colaboradores e garantir que seja aceito, promovido e que todos estejam comprometidos com a missão e visão da empresa.

Para difundir o propósito, é preciso ter uma boa comunicação externa por meio de estratégias de marketing e branding, ou seja, incorporar o propósito em campanhas publicitárias, no site da empresa e em todas as ações da marca com o cliente. Todos os stakeholders da marca precisam estar engajados nessa divulgação. É possível envolver clientes e fornecedores em iniciativas e programas alinhados com o propósito, por exemplo. Além disso, é fundamental que o propósito da empresa seja incorporado nas políticas e processos internos, desde a contratação de um novo colaborador.

Eu acredito que o aprendizado deveria ser o propósito de todo mundo, tanto pessoas físicas como jurídicas. Ou se aprende sempre ou será muito difícil atuar neste mundo com um futuro incerto para o trabalho humano e com modelos de negócio que nem conseguimos imaginar com as transformações com que a inteligência artificial nos brindará. Claro que o propósito, estando alinhado à estratégia, terá suas especificidades em cada empresa e setor, mas a essência do aprendizado contínuo ou lifelong learning precisa ser comum a todos: não há conhecimento (e nem propósito!) que seja estático ou imutável ao longo da vida, seja ela a vida individual ou dentro do ciclo de vida organizacional.

4) Quem não tem um propósito claro está perdendo competitividade?

Sim, acreditamos que sim, embora isso talvez não fique evidente para todos. Faz tempo que a Singularity University fala em propósito massivo transformador para organizações exponenciais como motor para o crescimento exponencial. Acho que talvez tenha sido aí que as empresas precisam começar a pensar a ser “purpose-first”, ou seja colocar o propósito em primeiro lugar tanto quanto têm colocado o digital em primeiro lugar (elas falam cada vez mais de operar digital-first). O propósito consegue acelerar não só a tomada de decisão como sua implementação. Entre outras coisas, porque o alinhamento com esse propósito, definido previamente, substitui boa parte dos questionamentos e outros fatores de demora. E o propósito facilita a inovação, a ousadia – ir além em nome de algo em que você acredita é mais fácil, não é?

O propósito também melhora as lideranças. Por não terem uma ideia concreta de propósito, é comum líderes ficarem à mercê de seus egos. Há, assim, um foco limitado em interesses individuais, como poder, status, reconhecimento pessoal e acumulação de riqueza material. Embora tudo isso seja natural do ser humano, se não houver consciência sobre as armadilhas do próprio ego, pode ser um obstáculo para o crescimento e a contribuição significativa.

As pessoas com propósito também podem ter maior competitividade em suas carreiras, inclusive por terem maior bem-estar e satisfação. Mas isso não é algo trivial de conseguir. Experimente questionar qual o real propósito das pessoas, por que estão naquele lugar, o que estão fazendo, isso traz reflexões muito internas. Você verá que é uma pergunta que mexe muito com todos; as pessoas não sabem. Por isso falamos muito sobre a importância do autoconhecimento para entender o propósito, seja nas lideranças ou nas organizações. Não é só uma frase bonita, tem que ser algo realmente vivenciado.

5) Uma empresa que torna público o seu propósito, se torna mais forte ou vulnerável?

Existe propósito de marca e existe ativismo de marca. Tendo a crer que quando há autenticidade do propósito, a consistência das ações com esse propósito e a percepção dos stakeholders, ele sempre fortalece significativamente a empresa, ao diferenciar a marca, aumentar a lealdade dos consumidores e funcionários alinhados com o propósito, melhorar a reputação. De novo, ser genuíno e não apenas ter uma plaquinha pendurada na parede, é fundamental para esse fortalecimento. Nessa era em que as informações circulam em velocidade relâmpago, qualquer falsidade é percebida logo.

Já o ativismo em si pode expor a empresa a vulnerabilidades como críticas e precisa ser bem avaliado.

Não só sob a perspectiva de marca, mas o propósito fortalece a própria cultura organizacional. E isso impacta diretamente nas vidas das pessoas que se relacionam com a empresa – seja funcionários, terceiros, fornecedores e demais stakeholders. É força de atração, mas principalmente de retenção, especialmente quando as lideranças em todos os níveis se tornam as guardiãs desse direcionamento, sendo capazes de traduzir o propósito em suas funções e responsabilidades, comunicá-lo e incorporá-lo com frequência em reuniões e relações cotidianas e, o mais fundamental nessa relação de propósito-pessoas, que as lideranças o vivam nas ações e decisões. Temos uma infinidade de exemplos de bons funcionários que se demitem por causa de seu gestor direto, às vezes nem tanto pela empresa. Essa é a força da cultura, se não for cascateada, ela vai se tornando normas frias enquanto no dia a dia as pessoas vivenciam o contrário do que se prega. E o propósito é a cola, ou seja, a coerência que servirá de farol para se ter ciência (e consciência) se a prática corresponde ao discurso em todas as frentes de atuação, nos processos, nas normas, nos sistemas e na estratégia.Quem tiver interesse em conhecer mais profundamente a visão da HSM e da Singularity University acerca do propósito, pode acessar a edição 163 da HSM Management, em que oferecemos um dossiê completo sobre o tema: https://hsmdigital.typeform.com/to/VQ9fqvsj

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Esperamos que tenha gostado deste conteúdo!

A Série de Entrevista: “Propósito de Marca” é um espaço editorial para convidados compartilharem suas visões, experiências e inspirações com o mercado. As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.