Colunistas

Por Luiz Guerrero

Jornalista, apaixonado por carro antigo (original) e por motos de qualquer época

Os repórteres estavam mais atentos aos lançamentos europeus e japoneses no Salão do Automóvel de Genebra de 2008. Assim, não deram atenção ao fabricante chinês que expunha num estande periférico a cópia do Toyota Corolla de nona geração equipada com motor 1.0 de três cilindros apoiado por dois motores elétricos: o BYD F3DM. Bi-uai-di?

A China tinha tanta tradição no mercado automotivo quanto o Vaticano no futebol. Mas impressionava pelo volume. Em 1980, fabricava 222 mil veículos por ano, um quinto da produção brasileira de então. E em 2010, com 18,2 milhões de unidades, assumiu o posto de maior fabricante global, posição ainda mantida com larga folga. O problema é que, nesse tipo de negócio, reputação conta. E os carros chineses não a tinham.

No Brasil, a China era mais conhecida pelos cordões de lampadinhas de LED vendidos por camelôs na época de Natal. Mas seus carros, que começaram a chegar por aqui em 2007, não brilhavam: tinham motor débil, design aborrecido — ou grotescamente copiado — e construção descuidada, apesar do preço atraente e da fartura de equipamentos de série. Os lotes tinham de ser quase que remontados antes de ir para as lojas, embora nem todo importador tivesse esse cuidado.

Primeiros carros chineses vendidos no Brasil tinham problemas de confiabilidade — Foto: Auto Esporte
Primeiros carros chineses vendidos no Brasil tinham problemas de confiabilidade — Foto: Auto Esporte

Humildade (e muito dinheiro)

“Mas os chineses levavam vantagens sobre os fabricantes tradicionais: eles tinham a humildade de aceitar sugestões e agilidade para colocá-las em prática”, ouvi de Sérgio Habib, que desde 2011 representa a Jac no Brasil. Ele, que na época também era representante da Citroën, dizia que os franceses eram mais relutantes em promover alterações em seus modelos. “Qualquer mudança que eu sugeria à Citroën levava meses para ser acatada. Os chineses apresentavam o resultado em questão de dias.”

Presidente da Jac do Brasil diz que chineses são mais flexíveis e abertos a sugestões e mudanças — Foto: Auto Esporte
Presidente da Jac do Brasil diz que chineses são mais flexíveis e abertos a sugestões e mudanças — Foto: Auto Esporte

Agilidade e humildade são apenas parte da fórmula que levou os chineses à rápida ascensão no campo automotivo. O governo investiu uma dinheirama (só entre 2015 e 2020, foram US$ 58,5 bilhões) na indústria, abriu as portas para os fabricantes estrangeiros que se estabelecerem no país em regime de joint-venture (e aprenderam os segredos do negócio com eles), aplicou em educação, especialmente nos cursos técnicos, e seguiu os mesmos passos dos coreanos ao contratar, a peso de ouro, alguns dos maiores especialistas do ramo.

Entre eles, o engenheiro Wan Gang, uma das cabeças iluminadas na área de tecnologia da Audi.

Em 2000, o repatriado Gang percebeu que a China não teria chance de disputar mercado com os demais fabricantes se continuasse a insistir nos motores térmicos e elaborou a proposta “Desenvolvimento de novas energias limpas para automóveis como linha de partida para o salto da indústria automotiva da China”. Sete anos depois, Wang assumiu o Ministério de Ciência e Tecnologia e viu seu país assumir a liderança na fabricação de elétricos.

O maior fabricante nessa área é justamente aquela marca desprezada há 15 anos, no Salão de Genebra. A BYD (pronuncia-se bi uai di), iniciais em inglês para “construa os seus sonhos”, foi o destaque no Salão de Munique (Alemanha), agora em setembro, com sua nova safra de elétricos. E mereceu a capa do principal jornal de negócios alemão, o Handelsblatt. A manchete do periódico soava como um mea-culpa: “O atacante subestimado”.

Estande da BYD no Salão de Munique; chinesa foi protagonista no evento — Foto: Getty Images
Estande da BYD no Salão de Munique; chinesa foi protagonista no evento — Foto: Getty Images

Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Autoesporte? É só clicar aqui para acessar a revista digital.

Mais recente Próxima Para-brisa do carro sempre limpo é sinal de preocupação; entenda
Mais do autoesporte