Sebastião Salgado na Amazônia - Zo'é

<b>Zo'é</b> Etnia que viveu décadas quase sem contato com brancos se esconde na floresta próxima às Guianas por causa do coronavírus, que já infectou mais de 28 mil indígenas no país, segundo dados não oficiais; na mais longa expedição de seu projeto 'Amazônia', o fotógrafo Sebastião Salgado passou dois meses acompanhando o dia a dia desta comunidade que habita uma área montanhosa na região do Cuminapanema, ao norte do Pará

Coronavírus já infectou 28 mil indígenas de 155 povos

Coronavírus já infectou 28 mil indígenas de 155 povos

Levantamento independente da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) mostra que, até a quinta (27), 28.093 indígenas haviam sido infectados pelo coronavírus em 155 povos, com 736 mortes pela Covid-19. Em dois dias, quase 1.300 outros casos foram confirmados. Segundo o Censo do IBGE de 2010, a população indígena do país era de 817,9 mil pessoas.

Há registros da doença nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Dentro desse cenário dramático, os Zo'é são uma exceção. O vírus ainda não chegou a seu território.

A Apib diz que há subnotificação de casos de Covid-19 pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Por isso, compila diariamente dados sobre a doença de maneira independente, assim como faz o consórcio de veículos de imprensa integrado pela Folha, para impedir a maquiagem dos números pelo Ministério da Saúde. A estatística oficial considera apenas casos dentro de terras indígenas homologadas, quando muitos índios vivem em cidades.

Segundo a Sesai, há 22.579 casos registrados de Covid e apenas 361 óbitos entre a população indígena. A doença é ameaçadora para a cultura indígena, que tem nos mais velhos os guardiões de sua cultura. No Território Indígena do Xingu, o cacique Aritana Yawalapiti, 71, um dos líderes mais conhecidos e influentes, foi vítima da Covid-19.

Desde a chegada do coronavírus ao país, estudiosos previam que os índios seriam mais suscetíveis e ele. Os efeitos das doenças dos brancos sobre os indígenas foram sempre violentos, como provam as epidemias ao longo da história. Os vírus de varíola, sarampo e gripe chegaram rapidamente a todo o continente, levados pelos próprios índios que não sabiam estar contaminados. Os brancos tendem a ter mais resistência a doenças, mesmo as novas. Já os nativos podem morrer facilmente em contato com um novo vírus que, em brancos, não causaria mais do que uma "gripezinha", como disse o presidente Jair Bolsonaro.

Aos primeiros sinais do risco de o coronavírus atingir as populações indígenas, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Sesai tomaram decisões que prejudicaram a contenção da epidemia. A Funai suspendeu a entrega de cestas básicas para áreas indígenas quando o Congresso discutia um auxílio emergencial de R$ 600 que viria a atingir cerca de 40% da população do país.

Na mesma época, a Sesai emitia um primeiro protocolo sobre a doença recomendando que índios infectados em aldeias deveriam permanecer em casa se não tivessem sintomas graves da Covid-19. A recomendação da entidade, no entanto, mostrou desconhecimento da cultura indígena e amplificou os efeitos da doença: os índios, em geral, vivem em casas comunitárias, com várias famílias sob o mesmo teto. A determinação fez dos doentes agentes propagadores do vírus.

Em nota enviada à Folha, a Funai afirma ter investido R$ 27,5 milhões no enfrentamento do coronavírus junto à população indígena. Parte dessa verba, segundo a entidade, foi destinada à entrega de kits de higiene e limpeza e à distribuição de 400 mil cestas de alimentos. "O objetivo é garantir a segurança alimentar e colaborar para que eles permaneçam nas aldeias, minimizando as chances de contágio."

A Funai também diz que, desde março, suspendeu autorizações para ingresso em Terras Indígenas e que, atualmente, participa de 311 barreiras sanitárias para impedir a entrada de não indígenas nesses territórios.

A Covid-19 entre a população indígena
Dados não oficiais Dados oficiais
28.093 22.579
casos confirmados casos confirmados (em territórios indígenas)
736 361
mortes mortes
Fonte Fonte
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil/
Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena
Ministério da Saúde/
Secretaria Especial de Saúde Indígena

Sebastião Salgado lança projeto 'Amazônia' em 2021

As viagens de Sebastião Salgado às comunidades indígenas da Amazônia estão suspensas por causa da pandemia. O trabalho de documentação da região realizado desde 2013 pelo fotógrafo radicado em Paris será reunido em exposição e livro previstos para 2021.

"Amazônia" dá sequência às reportagens fotográficas que o fotógrafo produz desde o final dos anos 1980, como "Trabalhadores", "Êxodos" e "Gênesis".

"Amazônia" documenta populações indígenas e paisagens naturais do bioma que originalmente ocupava mais da metade do território brasileiro. A Folha acompanha as viagens para a série "Sebastião Salgado na Amazônia". Desde 2017, foram publicados cadernos mostrando o garimpo de Serra Pelada e sobre os indígenas Korubo, Ashaninka, Suruwahá, Yawanawá, Marubo, Yanomami, do Xingu e, agora, Zo'é

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