Sebastião Salgado na Amazônia - Zo'é

<b>Zo'é</b> Etnia que viveu décadas quase sem contato com brancos se esconde na floresta próxima às Guianas por causa do coronavírus, que já infectou mais de 28 mil indígenas no país, segundo dados não oficiais; na mais longa expedição de seu projeto 'Amazônia', o fotógrafo Sebastião Salgado passou dois meses acompanhando o dia a dia desta comunidade que habita uma área montanhosa na região do Cuminapanema, ao norte do Pará

<b class="red">Eremí</b> carrega um <b class="red">coatá</b> (macaco-aranha), cuja carne é apreciada pela tribo

Aproximação com brancos ensinou etnia a se identificar

Aproximação com brancos ensinou etnia a se identificar

Os Zo'é não se denominavam Zo'é quando começaram a conviver intensamente com os brancos, nos anos 1980.

A palavra, que significa "nós", era usada para dizer "gente mesmo". Mas o uso recorrente da expressão acabou por tornar-se um termo de autodefinição para eles.

Iniciava-se, assim, o estabelecimento de uma compreensão da diferença entre os Zo'é e os outros povos com que passaram a conviver desde aquele momento: os não índios, ou kirahi.

Depois, em contatos com outros índios, eles passaram a compreender que fazem parte de uma multiplicidade de etnias indígenas, diferentes dos brancos.

Essa compreensão é revelada com clareza em um trecho do filme "A Arca dos Zo'é" (1993), do cineasta Vincent Carelli e da antropóloga Dominique Gallois.

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O documentário mostra a visita de um líder Wajãpi (pronuncia-se "uaiampi"), falantes de uma língua tupi muito parecida com a dos Zo'é, que vivem a leste, no Amapá.

Os dois povos provavelmente faziam parte de um mesmo grupo quando foram separados há alguns séculos. Hoje, entendem-se como brasileiros e uruguaios.

Quando o líder Wajãpi chega à aldeia Zo'é, um garoto fica admirado com a semelhança da cor de sua pele, e eles dizem: "Índio?!", usando o termo em português.

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Diante da resposta positiva, o menino pergunta em sua língua, como contraprova: "Você caça macaco-gordo?" (referindo-se à carne mais desejada pelos Zo'é, que eles chamam kwata ike). Após ouvir outro sim, os dois riem juntos, em uma cena cena de plena empatia: eles se sentem semelhantes.

No início do contato, os Zo'é também foram chamados de Poturu, mas a palavra tampouco era um nome de sua etnia.

Quando os forasteiros, admirados com seus peculiares enfeites labiais, chamados de embe'pot, apontavam para eles, os indígenas respondiam dizendo Poturu, em referência à madeira de mesmo nome usada para a sua confecção. O termo acabou sendo compreendido como o nome da etnia. E explicavam o motivo para usarem o adorno: "O criador ensinou, não podemos desrespeitá-lo".

A difícil tarefa de decifrar uma língua indígena

A gestão de Sydney Possuelo à frente da Funai (Fundação Nacional do Índio) ainda se iniciava quando, em 1992, ele decidiu convocar a linguista Ana Suelly de Arruda Câmara Cabral para estudar a língua dos Zo'é e ensiná-la a outros funcionários do órgão indigenista.

"Eu tinha feito doutorado sobre a língua dos índios Kokama (também falantes de Tupi-Guarani, que vivem no Amazonas, no Peru e na Colômbia) e estava nos Estados Unidos em uma temporada de estudos quando a Funai me contatou. Eu disse: 'Grave uma fita deles falando, para eu conhecer mais'. Eu queria muito estudar índios amazônicos de recente contato", lembra a professora titular da UnB (Universidade de Brasília).

Foi assim que a linguista chegou à área dos Zo'é, um ano depois que a Funai passou a administrar o relacionamento da sociedade nacional com o grupo.

Os índios Kokama falam um Tupi-Guarani com muitas influências de outros povos e línguas. Quando Ana Suelly entrou em contato com os Zo'é, encontrou uma língua mais pura. "Quem conhece um Tupi-Guarani amazônico tem facilidade de aprender outras línguas do mesmo grupo."

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Desde então, a professora produziu várias referências sobre a língua local, como o "Manual Linguístico de Apoio ao Atendimento de Saúde Junto ao Povo Zo'é" (2019), um dicionário ilustrado, escrito com o médico Erik Jennings para ajudar no atendimento de saúde aos Zo'é.

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