Submersa em esteticismo, obra aplaina horror da escravid�o
Ricardo Teles/Divulga��o | ||
Celso Timoteo e Pereira e Alexandre de Sena em cena de 'Vazante' |
VAZANTE (regular)
Veja salas e hor�rios de exibi��o.
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� poss�vel ver "Vazante" e compar�-lo a, digamos, "Guerra do Paraguay", de Luiz Rosemberg Filho. Aqui, o autor usou uma carro�a, um bosque e quatro ou cinco atores para reconstituir esse epis�dio central da hist�ria brasileira.
O filme de Daniela Thomas buscou reconstitui��o esmerada de 1821, atores estrangeiros, refer�ncias iconogr�ficas precisas, loca��es cuidadosamente escolhidas. E, no entanto...
"Guerra do Paraguay" pega tudo que � preciso sobre a viol�ncia e o militarismo brasileiros (e n�o s�). "Vazante" deixa escapar qualquer possibilidade de retratar com for�a o tr�fico e a sociedade escravocrata, a opress�o �tnica e patriarcal.
Tudo fica submerso no esplendor fotogr�fico. A escravatura, vista pela luz de Inti Briones, parece amena. Por vezes, um deleite: aquela cozinha... eis um lugar feliz, com mucamas gordas e trabalhadeiras, comida farta...
A fotografia � o ponto forte e fraco. Henry Miller, o grande diretor de fotografia (e n�o o escritor), disse que, quando ouvia que "a sua fotografia � muito boa", logo pensava: "Alguma coisa fiz de errado", pois elemento que se destaca do conjunto lhe � nocivo.
H� problemas de narra��o e roteiros incontorn�veis. N�o descobrimos que fim tiveram o feitor Isa�as, ou os pais da jovem Beatriz, a protagonista, cujo problema econ�mico e familiar nos � exposto em detalhes e depois abandonado.
N�o raro o roteiro procede por elipses bem onde seria de supor um desenvolvimento da situa��o. � como se uma pe�a essencial tivesse sido rifada em proveito n�o se sabe bem de qu�.
A dire��o deixa escapar os melhores achados do roteiro. O negreiro e fazendeiro portugu�s Ant�nio n�o consegue usar sapatos. Intrigante premissa. Por qu�? Talvez os p�s inchem nos tr�picos, o que daria a ideia do desconforto que sentia entre n�s. Mas isso � posto de lado: o calor parece s� inspirar pregui�a a ele.
Do mesmo modo, � lateral a personagem da av� de Beatriz, cuja ins�nia representa a monstruosidade do escravismo e da era colonial. N�o me parece justa a reclama��o de que personagens negros n�o s�o desenvolvidos –a rigor, nenhum �. A diretora parece investir numa obra que, pelas imagens, produzisse uma ideia do que foi a escravatura.
O intento mostra-se fartamente equivocado. � um mundo �s avessas: col�nia e escravatura pedem uma est�tica de "v�mito", como disse Nelson Rodrigues. Para ele, s� se d� conta do Brasil pelo v�mito, de um Glauber, de um Euclides.
Mas Thomas produz a imagem ass�ptica de quando o extrativismo esgotou-se e a classe dominante n�o sabe para onde ir. Tudo est� fora do lugar, dos p�s (e sapatos) � cabe�a. No entanto, tudo se dilui na est�tica de "mesa bem posta".
"Vazante" lan�a contradi��es de nossa forma��o e produz delas uma vers�o acomodat�cia. Fosse esse ou n�o o desejo da diretora, os horrores do escravismo aplainam-se. Afogado em esteticismo, termina por ser um filme t�o frouxo quanto est�ril.
Livraria da Folha
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