Ca�adora de hist�rias
Quando tinha de 11 para 12 anos, Regina Guarita, hoje com 67, foi, por assim dizer, sua pr�pria arte-educadora. Com hepatite, caiu de cama por seis meses. Nesse afastamento compuls�rio, criou um universo pr�prio, fundamentado em leituras. Os textos de Monteiro Lobato e suas "Reina��es de Narizinho" particularmente a encantaram. Na adolesc�ncia, entre 15 e 17 anos, enfrentou outro problema de sa�de -sob a perspectiva do cuidador. A irm� mais nova teve leucemia aos 11 anos. Regina e a outra irm� foram chamadas pelo pai para cuidar da ca�ula -e privadas de ir � escola. Ap�s tr�s anos, a menina morreu. "Isso me marcou: a doen�a, a crian�a e a fatalidade. A incapacidade da �rea m�dica de cur�-la. Esse vazio e a reconstru��o da vida depois dele", reflete Regina. E completa: "Se n�o fosse a arte e a leitura, que me sustentavam, n�o sei como seria". O ambiente familiar era determinado pela rigidez do car�ter paterno. "A partir disso, voc� era obrigada a exigir mais de si mesma." De Regina, ele demandou que fosse educada em casa. "N�o tive outra escola que n�o meu pr�prio interesse em rela��o � vida", considera. "O que eu tinha para ler, lia. Criei minha cultura a partir dos meus interesses e esfor�os." A fase dos 20 e poucos anos reservou a ela mais uma dificuldade que, depois, se transformaria em motiva��o para investir em projetos sociais. Um acidente com o irm�o no aeroporto de Viracopos fez com que ela convivesse por um m�s com rotinas ambulatoriais num hospital de Campinas (SP) -ele ficou em coma devido a um traumatismo craniano, recuperando-se. Aos 38, Regina vivenciou outra situa��o dolorosa: o pai sofreu infarto seguido de parada card�aca e ficou dois meses no InCor (Instituto do Cora��o), em S�o Paulo. Foi aos 23 que se casou com um rapaz que havia conhecido em Campos do Jord�o (SP). Quando os filhos chegaram -foram tr�s-, dedicou-se a cri�-los "para que viesse � tona o que eles tinham de melhor, para que crescessem e ficassem em p� pelas pr�prias pernas". Tais princ�pios, frisa, regeram a cria��o da Associa��o Arte Despertar, cujo objetivo � recuperar nos indiv�duos seus talentos e capacidades. Na �poca em que o filho mais novo entrou na adolesc�ncia, Regina come�ou a trabalhar em uma ag�ncia de marketing de incentivo, com motiva��o de indiv�duos em empresas. Tinha 45 anos. A ag�ncia se fixou na regi�o da Rep�blica, em S�o Paulo, e ela lembra que via, ao sair do trabalho, "crian�as fumando crack, umas jogadas em cima das outras", imagem que a "tocou muito". �quela altura, seu c�rculo ideol�gico estava quase conclu�do; faltava projet�-lo num modelo organizado.
O EMBRI�O
Completar 50 anos trouxe a convic��o de que precisava dar um passo maior. Alugou uma sala e, ap�s seis meses, sabia que queria "trabalhar arte e cultura com crian�as para, no m�nimo, dar a elas uma percep��o da import�ncia que t�m neste mundo". Para configurar o embri�o do neg�cio, contou com a ajuda de Maria Christina Rizzi, arte-educadora da USP. A Arte Despertar deu seus primeiros passos no InCor, em 1997, realizando atividades de artes visuais com crian�as internadas. A extens�o do projeto para comunidades carentes ganhou for�a com a incurs�o na Aldeia Infantil SOS Rio Bonito. Em um passeio no Masp (Museu de Arte de S�o Paulo) com as crian�as acolhidas pela ONG, em 1998, ela diz ter tido a clara percep��o de estar no rumo certo para resgatar aquelas identidades. "Na exposi��o do Michelangelo, enquanto o monitor falava sobre o artista, as crian�as eram outras, bebendo aquelas informa��es com sorrisos nos rostos. Elas se sentiram valorizadas. Tive certeza de que a arte � um caminho de comunica��o." Hoje ela devolve a crian�as e a adultos que as cercam, como no treinamento de profissionais de sa�de e na forma��o de arte-educadores, o encantamento que Monteiro Lobato lhe propiciou num momento de fragilidade.
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A principal inova��o do trabalho da empreendedora est� atrelada ao protagonismo da humaniza��o na sa�de e na educa��o por todos os envolvidos, dissolvendo limites entre beneficiador e benefici�rio na cria��o de ambientes mais humanizados pela arte e pelo resgate da cultura. Alcan�ar tal modelo de trabalho � uma das "meninas dos olhos" na �rea da educa��o, mas chega a ser considerado utopia.
Com cuidado na aten��o �s demandas, personaliza seu atendimento e parte do micro para o macro, da borda ao centro, ganhando gradual espa�o nas organiza��es em que atua.
A candidata afirma que, no in�cio, "os Doutores da Alegria j� existiam, e o Viva e Deixe Viver come�ava seus trabalhos". Enquanto o foco da primeira organiza��o � distinto, a segunda, mais semelhante, foi fundada contemporaneamente � Arte Despertar.
Os caminhos, por�m, foram distintos. A� se encontram os tra�os pioneiros da organiza��o. A Arte Despertar trabalha com profissionais aut�nomos j� formados (e n�o com volunt�rios). S�o arte-educadores que atuam em uma ou mais das tr�s linguagens: a m�sica, a literatura e as artes pl�sticas. Isso colabora para a constru��o de uma rica e diversificada metodologia e sua sistematiza��o, pois, como os educadores j� s�o profissionais da �rea, eles participam ativamente da constru��o e melhoria cont�nua das atividades em termos de planejamento, avalia��es, pesquisas e sistematiza��o do m�todo.
DEPOIMENTOS
"Na primeira porta em que bati como arte-educadora da Arte Despertar, em um quarto do HC, encontrei uma menina que estava todinha queimada. Foi um teste para mim, essa sensa��o da crian�a que est� deslocada do seu contexto. Est�vamos ali na tentativa de que aquela crian�a nos mostrasse o seu lado saud�vel. E, de repente, n�o era mais a menina com o problema, era a D�bora, de 6 anos, falando do coelho que tinha em casa. Entrei na Arte Despertar quando conheci o Paulo Pitombo, artista pl�stico com defici�ncia visual que estava come�ando na associa��o e precisava de algu�m para ajud�-lo. Eu estava no segundo ano da faculdade e preparava uma oficina para pessoas com baixa vis�o para o lan�amento de um livro de minha m�e [a escritora L� Galasso]. Nunca havia me interessado por arte-terapia antes e me joguei [no trabalho] porque gostei das pessoas, do projeto. A Arte Despertar me ajudou a construir uma ideia de arte como uma forma de brincar, ao me dar liberdade para experimentar maneiras de chegar ao outro atrav�s da arte. Para se comunicar com crian�as muito debilitadas, � preciso pegar o fiozinho do olhar que est� saud�vel. Na �poca em que fazia minha monografia sobre a import�ncia do brincar com arte em hospitais, perdi uma aluna de que gostava muito, v�tima de c�ncer. Eu desabei. Foi meu pior momento na Arte Despertar, mas eu continuei. Em 2009, sa� para dar oficinas de arte na favela de Parais�polis, meio que uma extens�o da associa��o. A Arte Despertar foi minha grande escola."PAULA GALASSO, 31,
arte-educadora
"A import�ncia da Arte Despertar na Santa Casa � n�o apenas trazer o olhar humano para nossos pacientes mas tamb�m para nossos trabalhadores de sa�de. Ela veio nos ajudar a sensibilizar as pessoas para maneiras diferentes de dar o bom dia, o cuidado, a aten��o. A chefia da enfermagem da UTI muitas vezes veio conversar comigo para ver se n�o dava para ampliar a atua��o. Em uma das a��es, a associa��o fez um correio elegante de m�sicas, cada um dedicando uma m�sica para o outro, o paciente para o m�dico, o acompanhante para o paciente. As pessoas choravam, foi um dia especial na UTI."
WILZE LAURA BRUSCRATO, 63
professora-adjunta da Faculdade Santa Casa e presidente do Comit� de Humaniza��o Hospitalar da Santa Casa de S�o Paulo
"Tanto para o paciente como para sua fam�lia, o trabalho da Arte Despertar oferece momentos de al�vio e de alegria em um ambiente de muito estresse, muita dor."
NANA MIURA, 58
piretora da unidade de cardiologia pedi�trica e cardiopatias cong�nitas no adulto do InCor
"A Arte Despertar foi minha imers�o no terceiro setor. Comecei fazendo assessoria externa para o projeto e depois fiquei full time. A equipe tem excel�ncia acad�mica no corpo diretivo, na coordena��o de projetos, uma fundamenta��o te�rica muito forte e assessorias e consultorias externas de gabarito. Outra caracter�stica � ser inovadora, estar muito ligada em quest�es de ponta, tanto na parte de estrutura administrativo-gerencial como no trabalho arte-educativo em si."
S�NIA ALMEIDA SAMPAIO TEIXEIRA, 60
antrop�loga e economista; trabalhou na �rea de projetos da Arte Despertar por dez anos
"A Arte Despertar me abriu uma vis�o, me fez buscar coisas diferentes. � como se a gente andasse junto. A Regina � uma mulher de poucas palavras, uma pessoa que sabe ouvir e falar na hora em que tem que falar, uma pessoa aberta, muito carinhosa, muito prestativa. Um ser humano que sempre vou agradecer por ter conhecido."
ADRIANA FREIRES ARAG�O, 39,
musicoterapeuta e arte-educadora da Arte Despertar h� 13 anos
"A m�o de obra em hospitais � sempre mais focada na �rea t�cnica, acaba deixando o mais humano de lado. A Arte Despertar cuida dessa humaniza��o, complementando o atendimento."
L�DIO MOREIRA, 32
coordenador de Projetos Comunit�rios do Programa Einstein na Comunidade de Parais�polis
"Ela [Regina] sempre teve disciplina, uma ader�ncia aos valores de �tica, retid�o, car�ter, respeito, de se posicionar com firmeza perante aquilo em que acredita, transpar�ncia -se voc� falar, n�o leva bronca. Mas sempre com carinho. Na Arte Despertar � parecido, todo mundo tem um respeito muito forte e uma paix�o por ela."
DARIO GUARITA NETO, 36
filho de Regina Guarita
"A personalidade forte dela me encantou. Ela sempre foi muito firme, determinada, dedicada �s coisas. No fim o trabalho foi virando mais do que a fam�lia. Ela questiona demais o que est� bom na busca da perfei��o. Ela teve que brigar dentro dos hospitais para levar o projeto, foi muita obstina��o."
DARIO FERREIRA GUARITA FILHO, 68
casado h� 43 anos com Regina Guarita