M�ltipla efici�ncia
Ap�s a morte do irm�o surdo, retirante volta ao Nordeste para lutar pelas pessoas com defici�ncia
Mesmo sem pronunciar uma palavra, ela j� esbanja garra e determina��o. Mas alguns minutos de conversa s�o suficientes para notar que essas caracter�sticas s�o uma constante na vida de Ira� Cardoso, 56. "Aprendi com a minha m�e a nunca ter medo de pedir nada, nem de falar e de defender aquilo que acredito."
Nascida em Juazeiro da Bahia, � beira do rio S�o Francisco, foi a primog�nita de dez filhos, mas cresceu sem pai, que abandonou a fam�lia. Filha de m�e semi-analfabeta, Ira� aprendeu a ler sozinha aos quatro anos.
Superar as dificuldades impostas pela vida e transformar sua trajet�ria pessoal foram pontos de partida para uma longa jornada como empreendedora social. "Sou protagonista dos problemas sociais do Brasil."
Ira� come�ou a ajudar em casa ainda pequena. "Nunca tive comemora��o de anivers�rio porque a minha m�e tinha um filho atr�s do outro. Durante muito tempo, vivia mais a vida dela do que a minha".
Para fugir das agress�es f�sicas do companheiro, a m�e fugiu de Juazeiro com seis de seus filhos para o Rio de Janeiro -Ira� e seu irm�o mais pr�ximo, Antonio Gladston, foram juntos para a cidade maravilhosa. L�, a jovem decidiu que n�o voltaria mais para Juazeiro.
Cinco das crian�as foram para col�gios internos. Guega, como Antonio era conhecido, conseguiu uma vaga no Instituto Nacional de Educa��o de Surdos, a primeira escola do g�nero no Brasil.
Com fome de conhecimento, Ira� conseguiu bolsas em bons col�gios, sempre em troca de trabalho e de dedica��o aos estudos. O primeiro emprego foi aos 17 anos, na �rea de inform�tica. Foi gra�as a ele que ela p�de tirar a fam�lia de um corti�o no sub�rbio e alugar um apartamento.
A morte do irm�o surdo, atropelado aos 15 anos no Rio de Janeiro, foi determinante para definir sua causa da luta. "Foi do meu amor por Guega que pude transformar a morte dele em alegria para outros surdos. O maior sofrimento dele era n�o conseguir se comunicar."
A partir de ent�o, a empreendedora social atuou na estrutura��o da Apae (Associa��o de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Macei� e, de l�, partiu para coordenar a Aappe (Associa��o Amigos e Pais de Pessoas Especiais), tamb�m na capital alagoana.
M�e de tr�s filhos pequenos e sem dinheiro, Ira� tinha como objetivo construir um centro de fonoaudiologia. Para pagar as contas pessoais e os gastos com a institui��o, montou uma banca de revistas, que ficou aos cuidados do irm�o Carlos, que foi para Macei� para ajud�-la a cuidar dos filhos.
"Ningu�m sabia da exist�ncia de surdos em Alagoas -entendi que deveria capacitar a sociedade e os pr�prios surdos." Com o apoio de volunt�rios e j� bem relacionada com o governo e a imprensa locais, Ira� foi a principal respons�vel por evidenciar a quest�o dos surdos no Estado entre 1994 e 1997.
O mesmo aconteceu com o projeto de lei que reconheceria a Libras (l�ngua brasileira de sinais) no Estado e com a oficializa��o da l�ngua dos surdos em territ�rio nacional em 2002.
Foi ent�o que Ira� passou a ter respaldo legal para obter recursos e p�de investir na forma��o de int�rpretes e de surdos. Com a demanda de crian�as que chegavam do interior, os servi�os foram levados para o sert�o de Alagoas.
Mas ela ainda n�o est� satisfeita; pelo contr�rio. Agora, o grande sonho de Ira� � viabilizar o Ires (Instituto de Qualifica��o e Refer�ncia em Surdez), centro de refer�ncia cl�nica, fonoaudiol�gica, auditiva e educacional.
Com abordagem bil�ngue (portugu�s e libras), a miss�o da institui��o � o desenvolvimento e a qualifica��o profissional do surdo. E quem conhece essa guerreira, sabe que ela vai fazer o poss�vel e o imposs�vel para transformar o projeto em realidade. "O Ires � um presente que eu quero deixar para os surdos e para o meu irm�o."
Assista
Conhe�a mais sobre a Aappe (Associa��o dos Amigos e Pais de Pessoas Especiais)
A inova��o no trabalho da Aappe se d� sobretudo dentro do contexto de Alagoas e acontece em v�rias frentes que convergem para tr�s aspectos principais: pioneirismo, forma de atua��o e singularidade.
A organiza��o inaugurou um novo modelo de gest�o, independente das amarras pol�ticas predominantes na regi�o. Vale ressaltar que se trata de um Estado cuja economia se baseia na monocultura da cana e em que a viabilidade dos empreendimentos sociais depende essencialmente da pol�tica, marcada pela longa heran�a do "coronelismo", com a corrup��o e o clientelismo subjacentes e pela inexist�ncia da cultura de mobiliza��o.
Nesse cen�rio, a empreendedora social foi pioneira ao romper com o status quo e construir uma institui��o aut�noma e empreendedora. Seu principal diferencial � a capacidade de conciliar independ�ncia pol�tica e crescimento no longo prazo, tendo o poder p�blico como principal parceiro, feito antes impens�vel em Alagoas.
A Aappe j� nasceu pioneira: come�ou como um centro de fonoaudiologia, at� ent�o inexistente no Estado. Em 1993, estruturou o primeiro curso de l�ngua de sinais do Estado.
Sua forma de atua��o tamb�m � inovadora. A associa��o desenvolveu um m�todo pr�prio e altamente eficiente de gest�o de recursos do SUS (Sistema �nico de Sa�de). Elevou o n�vel de qualidade da sa�de p�blica local a um patamar bem superior ao da m�dia nacional, com atendimento �gil e de qualidade, profissionais gabaritados, equipamentos de ponta e estrutura adequada.
Outro diferencial da Aappe � oferecer em um mesmo lugar a consulta, o diagn�stico e o tratamento, com equipe capacitada para atender pessoas com m�ltiplas defici�ncias.
Dentro do Estado, � singular em v�rios aspectos: tem a �nica unidade m�vel de sa�de auditiva e a �nica sala acusticamente tratada de Alagoas.
Na vertente educacional do projeto, introduziu com efic�cia nos cursos para surdos a abordagem pedag�gica de mapas conceituais de Vygotsky -representa��es gr�ficas de um texto que relacionam conceitos e transformam o texto escrito em visual.
A maior parte (88%) do or�amento de R$ 6 milh�es da organiza��o prov�m da presta��o de servi�os ao SUS.
Atualmente, a associa��o conta com doa��es de cerca de 900 pessoas f�sicas, compondo 6% do or�amento total. Os outros 6% v�m da venda de cursos de Libras (L�ngua Brasileira de Sinais). Os documentos financeiros s�o auditados pela empresa de auditoria independente SGS.
Principais parceiros: Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econ�mica Federal, Secretaria de Assist�ncia Social (Programa A��o Continuada), Secretaria Especial de Direitos Humanos, Sesi (Servi�o Social da Ind�stria), SUS (Sistema �nico de Sa�de) e Tribunal Regional do Trabalho.
Seu relat�rio de atividades de 2010 aponta a exist�ncia de 7.305 benefici�rios diretos atualmente por ano, dos quais 4.678 na �rea de sa�de, 1.709 na assist�ncia social e 918 na educa��o. Em parceria com o governo do Estado, alcan�ar� com a unidade m�vel oito novos munic�pios com benef�cio direto a 4.000 pessoas. Recentemente, foram qualificados 125 trabalhadores em diversos cursos em parceria com o Programa Nacional de Qualifica��o e mais 730 alunos aprenderam a se comunicar em l�ngua de sinais nos cursos de Libras.
H� mais de cem profissionais no Estado de Alagoas trabalhando como int�rprete em Libras, todos formados pela Aappe. Quase a totalidade dos instrutores da l�ngua em cursos que surgiram posteriormente em estabelecimentos como Senac e Senai formou-se na associa��o, que foi pioneira nesse quesito.
A associa��o tamb�m encaminhou mais de 550 surdos para o mercado de trabalho, dos quais 200 foram empregados em 23 empresas de Macei�. Em 2010, foi tamb�m inaugurado o primeiro empreendimento dirigido por um surdo como desdobramento direto da atua��o da Aappe: uma escola de l�ngua de sinais.
Existe um controle de acompanhamento e avalia��o em cada setor de servi�o oferecido pela institui��o -assist�ncia social, educa��o e sa�de- que busca mensurar a evolu��o dos benefici�rios. Na sa�de h� prontu�rios com a evolu��o de cada atendido, com laudos de alta. Os casos acompanhados pela organiza��o do pr�mio denotam impacto transformador tanto na vida dos pacientes quanto na de familiares.
A escola utiliza o m�todo do acompanhamento comportamental em ambientes dom�sticos e sociais, como aproveitamento nas atividades escolares, e avalia��es de car�ter interpessoal e comunicativo. H� relat�rios que apontam melhor desempenho das crian�as atendidas nas escolas p�blicas, com melhoria na comunica��o.
Por fim o assistente social faz avalia��o, reuni�es de grupo com os familiares, relat�rios e encaminhamentos para o terapeuta familiar. Os resultados da interven��o s�o mais vis�veis nas rela��es com a fam�lia e os amigos. Para 2011, est�o previstas reuni�es t�cnicas peri�dicas para estudos de casos e coleta de dados no intuito de elaborar pesquisas cient�ficas.
Como o in�cio da organiza��o h� 22 anos se deu de forma emp�rica e n�o havia esse tipo de mensura��o, n�o � poss�vel precisar o n�mero total de benefici�rios desde 1989. A organiza��o calcula que o n�mero de atendidos ultrapasse 200 mil.
A Aappe teve in�cio no apartamento da empreendedora social em Macei� e expandiu para as atuais sete unidades fixas em funcionamento: cinco em Macei�, uma em Penedo (a 170 km da capital) e outra em Santana do Ipanema (a 220 km). Manteve uma unidade em Arapiraca, fechada em 2007 por problemas de gest�o dos recursos por parte da prefeitura.
Agora, por meio da unidade m�vel, alcan�ar� outros oito munic�pios alagoanos: Cacimbinhas, Coruripe, Delmiro Gouveia, Maragogi, Marechal Deodoro, P�o de A��car, Rio Largo e Vi�osa.
O foco de expans�o da Aappe � o Estado de Alagoas. N�o houve at� o momento outra organiza��o na mesma �rea de atua��o que passou a funcionar integralmente com o repasse de expertise da Aappe. A associa��o possui manuais t�cnicos dos procedimentos operacionais que favorecem a replica��o dos processos.
A parceria com o poder p�blico � inerente � natureza do trabalho da Aappe, que, ao elevar o n�vel de atendimento do SUS, por si s� causa impacto em pol�ticas p�blicas.
Em 1998, foi diretamente respons�vel pela aprova��o da lei estadual 6060, conhecida como Lei dos Surdos, que reconheceu a Libras em Alagoas. Foi o primeiro Estado do Nordeste e o sexto do pa�s a fazer o reconhecimento, antes mesmo da lei nacional.
A Aappe foi a primeira a usufruir da lei e, com recursos do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador), criou o primeiro curso para int�rpretes do Estado.
No �mbito da gest�o participativa, a associa��o ocupa atualmente a presid�ncia do Conselho de Assist�ncia Social e luta para mostrar no sert�o os direitos da pessoa com defici�ncia.
Paralelamente, participa de comit�s e articula��es para reivindica��o de direitos dos deficientes e dissemina��o da Libras, envolvendo atores dos mais diversos como Minist�rio P�blico Federal e Estadual, rede p�blica de ensino, Delegacia Regional do Trabalho, assistentes sociais e agentes de sa�de.
Coordena ainda um importante trabalho em parceria com o governo do Estado, a Fapal (Funda��o de Amparo � Pesquisa de Alagoas) e a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, em que leva a oito munic�pios-refer�ncia a pol�tica p�blica de aten��o b�sica � sa�de auditiva.
Por meio de uma unidade m�vel auditiva, oferece diagn�sticos e encaminhamentos, capacita os agentes de sa�de locais e os profissionais da educa��o e da assist�ncia social, auxiliando-os na identifica��o e no levantamento de determinantes e condicionantes das principais patologias e situa��es de risco que levam � defici�ncia auditiva no Estado. O objetivo � ampliar a iniciativa para os demais munic�pios alagoanos.
A Aappe est� na coordena��o t�cnica de uma campanha pela regulamenta��o e aplica��o efetiva da lei federal 12.303/2010, que obriga hospitais e maternidades p�blicas do pa�s a realizar o teste da orelhinha (exame de emiss�es otoac�sticas evocadas), utilizado para identificar problemas auditivos em rec�m-nascidos.
A estrutura operacional da Aappe divide-se em quatro unidades estrat�gicas: sa�de, educa��o, defesa de direitos e assist�ncia social. Cada unidade � gerida por um coordenador respons�vel pelo desempenho operacional. Todos operam orientados pela mesma pol�tica, coordenadas por um departamento de controle centralizado, que alinha cada unidade � estrat�gia da institui��o.
Sa�de
Por meio de uma equipe interdisciplinar, a Aappe tem como meta a habilita��o e a reabilita��o integral da pessoa com defici�ncia (surdo e/ou m�ltiplo deficiente), com um m�todo que ressalta a import�ncia da fam�lia no processo terap�utico e a estimula��o neurossensorial do paciente.
Para a realiza��o de diagn�stico auditivo, consultas especializadas e reabilita��o (neurossensorial e auditiva), a organiza��o disp�e de cinco unidades com atendimento nas seguintes especialidades:
- assist�ncia social;
- audiologia;
- cl�nica geral;
- fisioterapia;
- fonoaudiologia;
- neurologia;
- neuropediatria;
- otorrinolaringologia;
- pediatria;
- pedagogia;
- psicologia;
- psiquiatra;
- psicopegagogia;
- terapia ocupacional.
Os atendimentos s�o feitos por meio de conv�nio com o SUS.
Tamb�m nessas unidades � poss�vel realizar avalia��o audiol�gica a pre�os populares -avalia��o comportamental, audiometrias tonal, vocal, condicionada com refor�o visual e ocupacional, emiss�es otoac�sticas (teste da orelhinha) e imitanciometria.
Educa��o para surdos e m�ltiplos deficientes
Centro Educacional Bil�ngue Ant�nio Gladston visa proporcionar educa��o bil�ngue (Libras e portugu�s) de qualidade para pessoas surdas e/ou com m�ltiplas defici�ncias trabalhando os aspectos cognitivo, psicomotor, psicossocial, cultural e lingu�stico e a forma��o de cidad�os pol�ticos reflexivos no papel de sujeitos participantes da vida social, econ�mica, pol�tica e cultural do pa�s.
Utilizam-se m�todos pedag�gicos de Vygotsky (mapas conceituais) para as crian�as e de Paulo Freire para os adultos.
S�o cerca de 150 estudantes dos n�veis fundamental 1 e 2, educa��o infantil e EJA (Educa��o de Jovens e Adultos). Tamb�m h� aulas de refor�o escolar e, por meio de projetos especiais, oferece oficinas de bijuterias, biscuit, restaura��o de imagens, serigrafia e ensino gratuito de Libras para as fam�lias, a fim de garantir a acessibilidade do surdo no seio familiar.
Entre as atividades extracurriculares, destacam-se:
- atividades esportivas (capoeira, carat�, futebol e nata��o) com a participa��o de parceiros e professores volunt�rios;
- oficinas de inform�tica, reciclagem e xadrez;
- passeios pedag�gicos com foco no contato direto com o mundo cultural;
- encena��es e apresenta��es especiais para familiares.
Curso de Libras
Em outra unidade em Macei�, a Aappe oferece cursos de Libras, que constituem sua principal fonte pr�pria de gera��o de renda. Os cursos permanecem abertos durante todo o ano e em v�rios hor�rios, nas modalidades Libras 1 e 2 (b�sico e intermedi�rio), intensivo de f�rias, personalizado e curso de forma��o de int�rprete.
Inser��o profissional
Dentro da unidade educacional, encontra-se o eixo profissional, cujo objetivo � a inser��o no mercado de trabalho e a inclus�o social de pessoas com surdez parcial ou profunda e/ou com m�ltipla defici�ncia.
As principais a��es desse eixo s�o:
- capacita��o de empresas privadas e �rg�os p�blicos em Libras;
- realiza��o de semin�rios de conscientiza��o para as empresas, a fim de desmistificar os limites da surdez e promover a integra��o social;
- acompanhamento trimestral dos surdos encaminhados �s empresas por meio de visitas e di�logos com o RH e o profissional int�rprete de Libras;
- incentivo � participa��o direta do profissional int�rprete nos processos de sele��o, admiss�o, demiss�o, treinamentos e avalia��es m�dicas;
- qualifica��o profissional para forma��o de instrutor de Libras.
Assist�ncia social
Tendo em vista o alto n�vel de vulnerabilidade em que se encontra grande parte de sua popula��o atendida, a Aappe presta servi�os de assist�ncia social, psicol�gica e encaminhamento dos alunos aos atendimentos cl�nicos. Tamb�m doa alimentos em parceria com o programa Mesa Brasil, do Sesc (Servi�o Social do Com�rcio).
Defesa de direitos
O quarto eixo estrat�gico de atua��o da Aappe est� ligado � conscientiza��o da sociedade em geral acerca dos direitos dos surdos e/ou m�ltiplos deficientes. Para isso trabalha com:
- participa��o em cinco conselhos de direitos das minorias;
- realiza��o de f�runs de discuss�o para dissemina��o dos direitos constitucionais e infraconstitucionais;
- atua��o permanente no aperfei�oamento do marco legislativo federal, estadual e municipal de garantia de direitos das pessoas surdas;
- elabora��o de v�deos-document�rios e campanhas para a dissemina��o dos direitos da comunidade surda, de sua l�ngua e identidade.
Al�m dos programas e atividades anteriormente citados, a associa��o realiza o projeto Esporte sem Barreiras, que tem por objetivo utilizar a pr�tica esportiva e l�dica em ambientes naturais, como a praia, e estimular pessoas com defici�ncia e a sociedade em geral. Ser�o ofertadas modalidades esportivas como atletismo, futebol, futev�lei, nata��o e v�lei.