Incubador de sonhos
Ex-executivo cria n�cleos agroecol�gicos para fomentar o consumo consciente
Luiz Geraldo de Oliveira Moura � homem de muitos focos. Nascido em Fortaleza, formou-se em engenharia eletr�nica, administra��o e veterin�ria. Trabalhou numa multinacional por 20 anos.
"Foi meu primeiro e �ltimo emprego", conta ele, que, ap�s tantos anos de casa, pediu demiss�o. "Eu tinha que viver um outro sonho."
Aos 66 anos, Moura � diretor-presidente do Nepa (N�cleo de Ensino e Pesquisa Aplicada). A organiza��o social criada em 1996 n�o tem funcion�rios, mas volunt�rios que se dedicam, em suas �reas de especializa��o, a "melhorar a qualidade de vida de quem n�o p�de chegar aonde chegamos", como define o empreendedor.
De fala calma, mas firme, e bom ouvinte, Moura lembra com orgulho que seus la�os com a agricultura come�aram na inf�ncia.
Hoje com tr�s filhos e cinco netos, tem como refer�ncia, al�m dos av�s, o educador Paulo Freire.
Adepto da pedagogia da paisagem, Moura procura observar e acompanhar como se d�o as transforma��es dos projetos que coordena e, sempre com a participa��o dos atendidos, analisar os resultados.
S�o duas as suas frentes. Uma � o desenvolvimento da agricultura familiar, ao levar os princ�pios da agroecologia a pequenos produtores, mostrando como garantir o sustento plantando org�nicos, e ao incentivar os moradores de cidades a comprar esses produtos, unindo, na Alian�a Social, as duas pontas da cadeia de consumo.
Confian�a � o pilar principal dessa alian�a criada por Moura, que equilibra produtores e consumidores preocupados n�o s� com a sa�de mas tamb�m com um consumo consciente.
"A alimenta��o � o elo comum, mas potencializa todas as possibilidades de desenvolvimento cultural e intelectual. Consumidor ou membro da fam�lia agr�cola, a alian�a promove o despertar das habilidades."
Qual � o seu?
A outra frente tem o futuro como alvo: despertar, em jovens da periferia de Fortaleza e da zona rural de Maranguape (CE), a percep��o de que eles podem modificar o entorno a partir de seus projetos.
"Qual � seu sonho?" � a primeira pergunta que Moura faz aos moradores das comunidades que atende. Uma vez identificado, o pr�ximo passo � mostrar como torn�-lo real.
No fim, o foco desse cearense � um s�: realizar sonhos.
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Conhe�a mais sobre a Nepa
Entenda a Pedagogia da Paisagem desenvolvida pelo Nepa
O Nepa trabalha com uma �nica pedagogia, a Pedagogia da Paisagem. A partir dela, s�o criadas metodologias que variam de acordo com o contexto e os saberes locais.
Juntos, o Nepa, a comunidade local e os consumidores promovem o desenvolvimento comunit�rio e a qualidade de vida alimentar da sociedade envolvida com os n�cleos agroecol�gicos.
A pedagogia da paisagem � fruto da observa��o. Um terreno duro e pedregoso, como o do semi�rido brasileiro, pode ser considerado como incapaz de produzir alimento.
Mas o Nepa acredita que por tr�s dessa paisagem degradada h� componentes invis�veis, como fungos, bact�rias, v�rus e microorganismos, que podem vir � torna.
Para que isso aconte�a, Moura acha que � preciso acreditar que eles existem. "Quando adicionamos mat�ria org�nica na terra pedregosa, �gua e sementes, o cen�rio muda", afirma.
Mas tudo isso de um tempo que a pr�pria natureza sinaliza. Para ele, a mat�ria org�nica transporta uma energia invis�vel (microorganismos) que faz o vis�vel (paisagem pedregosa) aparecer (tornar-se f�rtil).
Todo o trabalho � feito respeitando os princ�pios dos quatros elementos: terra, �gua, sol e vento. Um quinto elemento, o homem, completa a pedagogia.
Para o Nepa, a intera��o entre esses cinco elementos � que agu�a os cinco sentidos do ser. Com o tempo, a paisagem muda, e, com ela, os paradigmas.
Novos comportamentos s�o incorporados e a comunidade passa a agir proativamente, em busca do desenvolvimento e da mudan�a da paisagem interior e exterior.
Dos alimentos org�nicos �s alian�as sociais
Depois das experi�ncias com os assentados de Caucaia e Guaraciaba do Norte (CE), o Nepa foi premiado, em 1998, no Congresso Internacional de Agricultura Biodin�mica da Esalq (Escola Superior de Agronomia Luiz de Queir�s), em Piracicaba (SP).
Com a visibilidade, ganhou notoriedade nacional e internacional.
Em 2000, Luiz Moura tornou-se Empreendedor Social Ashoka, hoje maior parceira e aliada do Nepa.
A partir da�, os n�cleos de agroecologia multiplicaram-se para outros Estados do pa�s.
Em todos os n�cleos, s�o constitu�das alian�as sociais, um processo de desenvolvimento integrado e cont�nuo que une agricultores e consumidores.
Por meio de um m�todo participativo de produ��o e autogest�o, a alian�a social visa mitigar a pobreza e a mis�ria da agricultura familiar, al�m de melhorar a qualidade de vida de quem consome.
O elo principal dessa rela��o � o alimento agroecol�gico ou org�nico, que n�o utiliza agrot�xico ou adubo sint�tico.
Outro programa importante da organiza��o � o GMM (Gera��o Muda Mundo), que � desenvolvido em parceria com a Ashoka.
Nele, jovens e adultos de escolas e demais institui��es p�blicas e privadas "atuam como mol�culas que se organizam na forma��o de c�lulas.
Reunidas, essas c�lulas criam novos organismos vivos comunit�rios para o desenvolvimento local, como os de sa�de preventiva comunit�ria, tecnologias alternativas e desenvolvimento comunit�rio.
Com a inje��o de R$ 1.500 em moeda social, jovens da periferia de Fortaleza (CE) montam pequenos neg�cios que ajudam a complementar a renda da fam�lia.
Utilizando a mesma filosofia do GMM, o Nepa tamb�m atua, em Maranguape (CE), com o Programa E-Jovem, da Secretaria Estadual de Educa��o.
O alimento como elo de liga��o com o mundo
Como o principal desafio � mudar a percep��o das pessoas com rela��o ao estilo de consumo, o Nepa promove palestras, capacita��o e gerenciamento dos grupos rurais e urbanos por um per�odo de um a dois anos.
O alimento � a ferramenta principal de trabalho da organiza��o. Moura acredita que o que liga as pessoas em qualquer lugar do mundo � a alimenta��o
Usando o or�amento dom�stico em hortali�as, legumes e frutas, como investimento de produ��o, a organiza��o acredita que � poss�vel provocar uma grande mudan�a social, econ�mica e ambiental.
A ideia principal � motivar um agricultor a produzir alimentos agroecol�gicos para um m�nimo de 70 fam�lias.
Na l�gica da organiza��o, com apenas um hectare de propriedade, � poss�vel fornecer cestas org�nicas semanais, que incluem legumes e hortali�as, por um custo mensal que varia entre R$ 50 e R$ 100.
"Trabalhamos com a agroecologia permacultural, reequilibrando o ambiente, organizando os espa�os e gerando excedentes (produto ou dinheiro). Para atingir essa meta, executamos planejamentos para evitar perda de energia, inclusive humana", conclui.
DEPOIMENTOS
A vis�o de um dos benefici�rios do projeto"Cultivo quatro hectares de hortali�as, 40 variedades. A produ��o � de cinco toneladas, para 450 a 500 fam�lias por semana.
A vantagem em produzir org�nicos � que voc� tem uma qualidade de vida que 99% da popula��o da regi�o [Guaraciaba do Norte, CE] n�o tem.
Quem quer qualidade de vida tem que buscar uma alternativa, e a que encontrei foi produzir org�nicos.
Fui produtor convencional, estava falido na �poca. Quando vi esclarecimentos do que teria que ser feito para mudar para org�nico, por ser filho de produtores, acreditei que [o que falavam] tinha fundamento.
Tinha duas filhas com tr�s e quatro anos, tinha minha mulher, que disse: 'Vamos, que d� certo, vamos construir isso'.
Antes, eu n�o tinha R$ 70 para ir a Fortaleza. Agora, tenho tr�s caminh�es, tratores, equipamentos de irriga��o.
Meu sonho � n�o dever nada a ningu�m, e continuar fazendo o que gosto.
Conhe�o o Moura desde 1997. � relacionamento de pai para filho. Ele me ajudou bastante.
Houve momentos em que, de tanto exigir, a gente dizia: 'Basta, estou fora'. Eles [do Nepa] sa�am, voltavam e diziam: 'Vamos ver uma maneira de resgatar essa pessoa'.
Minha mulher morreu, tudo pesa, mas hoje tenho filha fazendo faculdade de agronomia.
Uma vez por m�s vou a Fortaleza falar com os consumidores. Eles dizem: 'Em voc�s eu acredito, que voc�s fazem tudo por n�s'. � um v�nculo, um respeito.
Tudo isso, o Moura, as pessoas que ajudaram a criar a Adao [Associa��o para o Desenvolvimento da Agropecu�ria], a qualidade de vida, � o que me motiva.
Tem quem esque�a o passado, eu n�o esque�o, n�o."
NAZARENO OLIVEIRA BARBOSA, 44, membro do primeiro n�cleo de agroecologia do Cear�