M�dia acess�vel
Fonoaudi�loga supera defici�ncias da comunica��o com TV inclusiva
O tempo n�o para a irrequieta Cl�udia Cotes. Dificuldades, tampouco. "Quando acho as coisas f�ceis, vou buscar desafios. Dava aula de manh�, fazia fonoaudiologia � tarde e letras � noite", completa a tamb�m mestra, doutora, fonoaudi�loga, escritora, m�e de dois e cora��o do projeto Vez da Voz.
O dia a dia agitado vem da inf�ncia, quando pegou o costume de almo�ar no carro para acompanhar � escola o irm�o, Paulo, que nasceu com s�ndrome de Down. "A rotina com um deficiente � imprevis�vel, tem que batalhar todo dia", conta.
Esse esp�rito brigador, segreda Cl�udia, � heran�a de pais e irm�os guerreiros. Com Paulo, refor�ou o tra�o da personalidade solid�ria e movida a trocas. "O que um Down sente, logo fala. Essa energia que entra em mim e j� sai me d� for�as."
As limita��es e os preconceitos impostos a ele e � fam�lia a fizeram pensar: por que o mundo de Paulo n�o poderia ser o dela? Nascia a� a ideia de expandir as fronteiras da comunica��o e aproximar realidades.
Em um dia de 2004, falou por telefone com o irm�o, que a agradeceu por um presente. Horas mais tarde, ele morreu. As palavras, por�m, ficaram rondando. "A �ltima frase que ele me disse foi 'obrigado'. Tentei entender por qu�", lembra.
O sentido s� veio pela intui��o, a que Cl�udia sempre ouve, grave, para sentir o que vai expressar. "Foi quando decidi fundar a Vez da Voz, para mostrar que a pessoa com defici�ncia precisa ter voz e vez", diz.
O canal para essa visibilidade foi o telejornalismo, familiar � fonoaudi�loga especializada em treinar rep�rteres de TV.
Assim foi ao ar o Telelibras, um telejornal para quem n�o v�, n�o ouve ou tem dificuldades de compreens�o.
L�, os deficientes protagonizam a produ��o apresentando e interpretando conte�do com recursos como a audiodescri��o e a Libras (L�ngua Brasileira de Sinais), com int�rpretes em tamanho real na tela, e n�o reduzidos a um quadradinho.
M�ezona, mas diferente
E ela comanda a turma com contornos de m�ezona: de olho em tudo, ensina, cobra, cuida. Mas avisa: "N�o vou dar de mamar a ningu�m. A m�e que superprotege e n�o deixa crescer � o que eu n�o quero ser".
As muitas trocas no conv�vio com defici�ncias agu�aram seus sentidos e deixaram fluir a inspira��o j� latente na adolesc�ncia, �poca em que gostava de poesia e queria ser escritora.
"No projeto, comecei a respeitar essa arte dentro de mim", conta. Autora de dez livros para crian�as com defici�ncias ou doen�as, quer cultivar o simb�lico e a fantasia no fechado mundo de deficientes.
"O surdo n�o tem esse universo de sonho. � um mundo bem sombrio, porque falta o l�dico. Numa sala de surdos com uma m�dia de 12 anos, eles n�o sabiam o que era a Chapeuzinho Vermelho", lembra.
Poucas coisas, como escrever para crian�as com Aids e c�ncer, a fazem parar um instante, mas n�o para dar meia-volta. "N�o tenho medo de desafio, tenho respeito. Penso que n�o veio por acaso: posso trabalhar algo em mim e transformar."
Assista
Conhe�a mais sobre a Vez da Voz
A informa��o como ferramenta de inclus�o
A motiva��o por tr�s da Vez da Voz fica ainda mais clara a partir do ponto de vista de Cl�udia Cotes da inclus�o de portadores de defici�ncia na sociedade.
Na vis�o da empreendedora social, existem banheiros adaptados para cadeirantes, materiais em braile e pisos t�teis para cegos e assessorias nas escolas p�blicas para a inclus�o de pessoas com defici�ncia intelectual. Tudo isso permitindo que eles, aos poucos, deixem suas casas e passem a fazer parte do mundo corporativo, por meio da lei de cotas.
Contudo, s�o os surdos os que menos obtiveram conquistas sociais. "Provavelmente porque a maior dificuldade seja a comunica��o. At� o momento, os surdos n�o conseguiram se fazer entender", diz.
Segundo ela, a situa��o dos portadores de defici�ncia auditiva � grave devido � aus�ncia de modelos de m�dia que se adaptem �s suas necessidades. Em primeiro lugar, como a maioria dos surdos brasileiros n�o � oralizada, n�o compreende o portugu�s.
Al�m disso, s�o raras as produ��es jornal�sticas em datilologia (alfabeto manual usado pelos surdos), as legendas em "closed caption", quando existem, s�o em portugu�s, cont�m erros ou s�o r�pidas demais. Quando s�o disponibilizados programas com int�rpretes em libras, as janelas est�o em formato inadequado -s�o pequenas e n�o permitem a leitura das express�es faciais, essencial para o entendimento acurado da informa��o.
Com isso em mente, Claudia fundou a Vez da Voz, que, pela internet, disponibiliza programas com int�rpretes de libras e audiodescri��es, que s�o baixados gratuitamente, entre outros conte�dos
A divulga��o acontece em sites parceiros, como o da Prefeitura de S�o Paulo, o do Portal Mara Gabrilli e o do Programa Ressoar/Record. Na TV, s�o veiculados aos s�bados, �s 7h30, no canal S�culo 21.
Desde sua funda��o, em 2004, mais de 300 v�deos, 15 clipes musicais, dez livros e 20 atividades educativas, todos inclusivos, foram disponibilizados gratuitamente na internet. O site, que teve in�cio com 3.000 acessos mensais, hoje conta com 18 mil visitas por m�s.
No caso dos v�deos, as externas s�o filmadas em geral pela empreendedora social. De alto custo, os materiais digitais s�o comprados com o dinheiro de seus direitos autorais dos livros infantis, com temas sobre a inclus�o.
O est�dio � improvisado em seu consult�rio de fonoaudiologia, em Campinas, e as reuni�es de pauta acontecem no apartamento de sua sogra, uma vez que a sede, em negocia��o com a prefeitura paulistana, s� existe no papel.
Com a clara miss�o de tornar a m�dia acess�vel a todos e incluir de fato na sociedade as pessoas com defici�ncia, a ONG atua de forma diversificada:
- produz material educativo/cultural e inclusivo para pessoas com defici�ncias ou em situa��o de vulnerabilidade social, tais como livros, m�sicas, v�deos e filmes, disponibilizando-os gratuitamente na internet;
- promove campanhas, treinamentos empresariais, eventos, debates, semin�rios e palestras sobre a import�ncia de uma sociedade inclusiva e as mais diversas formas de inclus�o;
- elabora oficinas l�dicas e educativas de comunica��o, integrando crian�as, jovens e adultos com e sem defici�ncias;
- participa da cria��o de leis e normas em prol dos direitos dos deficientes, influenciando pol�ticas p�blicas;
- prospecta conv�nios e parcerias com entidades p�blicas e privadas, nacionais ou estrangeiras, visando a amplia��o de sua atua��o.
Veja os principais projetos da Vez da Voz
Telelibras
No primeiro telejornal inclusivo da internet brasileira, jornalistas sem defici�ncia e de diferentes ra�as se misturam a pessoas com defici�ncia (Down, surdo, cego, cadeirante), sempre com um int�rprete de libras ao lado ("sem janelinhas no canto da tela"). Juntos, informam sobre assuntos que acontecem no Brasil e no mundo, al�m de darem dicas de cultura e lazer e de como eles querem ser tratados. Voltados para surdos, pessoas com defici�ncia, interessados em aprender libras e profissionais da �rea de inclus�o, os v�deos s�o semanais e somam mais de 150 produ��es em dois anos de exist�ncia. S�o veiculados tamb�m em sites da �rea de responsabilidade social e em dois canais de TV. A equipe que produz o telejornal � composta por jornalistas, fonoaudi�loga, apresentadores, int�rpretes de libras, rep�rteres com defici�ncia, cinegrafista e editor.
Telelibrinhas
Telejornal inclusivo com "diquinhas" infantis voltados para o p�blico infantojuvenil
M�sica no Sil�ncio
O projeto produz v�deos musicais (de dois a tr�s por m�s) para download gratuito na internet com cantores cegos, bailarina com Down e int�rpretes de libras, al�m de trazer n�meros de canto e dan�a em feiras, universidades e empresas.
Praticamos a Inclus�o
Pessoas com defici�ncia d�o palestras em empresas, escolas e universidades e ensinam como querem ser tratados. Um contador de hist�ria com s�ndrome de Down (o "contaDown") tamb�m participa dos eventos, que visam a cria��o de uma sociedade inclusiva que permita � pessoa com defici�ncia ter acesso a servi�os simples, como fazer compras, ir ao banco, fazer refei��es ou obter informa��es sem depender de terceiros
Produ��o de materiais educativos
V�deos (gratuitos para download), CDs, DVDs, livros com braile e libras, al�m de atividades educativas e art�sticas para professores s�o desenvolvidos por este projeto
Os deficientes como agentes de sua pr�pria causa
Inserir o portador de defici�ncia de forma atuante, protagonista e proativa � o principal mote do trabalho desenvolvido pela Vez da Voz.
Ao contr�rio de muitas organiza��es que se especializam em um s� tipo de defici�ncia e, assim, de certa forma isolam os benefici�rios, a Vez da Voz investe na diversidade para a inclus�o.
Quando n�o est�o lado a lado apresentando programas, s�o os deficientes que ensinam aos n�o deficientes o que �, de fato, uma a��o inclusiva -outro diferencial em rela��o �s entidades tradicionais do setor, que raramente s�o representadas por quem � a raz�o de sua exist�ncia.
Com o objetivo de atingir um n�mero cada vez maior de telespectadores, sobretudo os com defici�ncia -mas n�o exclusivamente-, a entidade tem na internet o canal principal de comunica��o.
Os conte�dos educativos, art�sticos e culturais disponibilizados no site apresentam modelos in�ditos e pioneiros de acessibilidade da informa��o: int�rpretes na tela principal e assessorados por surdos, legendas dispostas de forma adequada, apresentadores com ou sem defici�ncias lado a lado e audiodescri��o de imagens para cegos (em fase de testes).
Por fim, a mudan�a na pr�tica tradicional de comunica��o acontece por duas vertentes, segundo a empreendedora social: impactar a m�dia, mostrando que ela precisa ser inclusiva e democr�tica, e praticar a solidariedade, disponibilizando gratuitamente todo o conte�do do site, pr�tica adotada desde o in�cio de seus trabalhos.
DEPOIMENTOS
A vis�o de uma das benefici�rias do projeto"Por obra do destino ou por puro acaso, recebi um e-mail com informativo da Vez da Voz sobre o projeto M�sica no Sil�ncio, de artistas com defici�ncia visual que cantavam com o int�rprete ao lado para quem n�o podia ouvir.
Meu pai sempre comp�s can��es e tocou viol�o, teclado. Cresci num ambiente muito rico em m�sica. Aos 13 anos, comecei a cantar em festivais.
Ao mesmo tempo, sempre estive envolvida na causa da inclus�o e da acessibilidade, que ainda se d� de forma muito segmentada. Por exemplo, a associa��o com deficientes visuais luta s� pelos cegos, assim como a de deficientes auditivos visa aos surdos.
No meu caso, estava mais ligada � causa de pessoas cegas ou de baixa vis�o, mas n�o me sentia completa, t�o �til, pois sempre fui apaixonada pela diversidade, queria esse conv�vio com pessoas diferentes.
J� tinha tido a experi�ncia de viajar com uma pessoa surda e uma cadeirante, tinha visto como era rica essa situa��o e como me completava.
� uma express�o muito clara da diversidade humana, pois acredito que deficientes n�o s�o mais diferentes do que as outras pessoas, s� h� uma coisa mais evidente neles.
Foi assim que escrevi para a Cl�udia. Hoje estou na Vez da Voz h� dois anos. Sou cantora e sempre h� um int�rprete ao meu lado, para quem n�o pode ouvir. As pessoas costumam gostar muito.
Bastante trabalho ainda precisa ser feito para que a inclus�o das pessoas com defici�ncia se torne realidade. Eu, por exemplo, tive muita dificuldade de fazer uma faculdade de jornalismo. S� consegui ir bem em portugu�s e fotografia, pois os professores n�o me exclu�am.
Quando entrei no curso, ficou acordado que, em dia de prova, os docentes levariam o exame num disquete em fonte maior, pois, naquela �poca, eu enxergava um pouco. Mas nunca lembravam disso. Num dia em que um deles levou o disquete, o laborat�rio estava fechado, tive de sair � procura de algu�m para abrir, sem ajuda.
No �ltimo ano, tornou-se imposs�vel fazer o trabalho de conclus�o, j� que n�o havia livros inclusivos e sempre dependia da minha m�e para as leituras.
Agora, no Telelibras, tenho a possibilidade de fazer jornalismo. Comecei gravando as externas e, h� um ano, a Cl�udia me chamou para fazer est�dio.
Tenho de pensar em frases simples para libras, cuidar da dic��o, do gestual. Ou seja, sou a jornalista que a faculdade me negou ser.
Meu caminho principal est� na arte, mas a comunica��o � um complemento. � meu caminho, sei que tenho uma miss�o com isso.
Em todo esse processo, a Cl�udia � uma grande professora para mim. � uma conviv�ncia muito rica.
Esse aprendizado melhora nossa conviv�ncia na vida -aprendemos a lidar com a diferen�a do outro, com os amigos, independentemente de serem deficientes ou de ser apenas um jeito de fazerem as coisas."
LET�CIA MAGALH�ES DA GAMA, 27, a Sara Bentes, rep�rter cega e apresentadora do Telelibras