Educador cria pedagogia do saber popular
Cansado da ensinagem, Empreendedor Social 2007 extrapola a sala de aula e cria escola sob p� de manga
Assim como "um certo Miguilim", personagem liter�rio da obra de Jo�o Guimar�es Rosa, o educador Ti�o Rocha, 59, descobriu a miopia ainda nos tempos de menino encapetado que perambulava pelas ruas de Santa Teresa, tradicional bairro de Belo Horizonte.
A "miopia" do mundo acad�mico mesmo s� seria sanada mais tarde, nos anos 80. Decepcionado com o processo de "ensinagem", Ti�o pediu demiss�o do cargo de professor da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) e, meses depois, criou o CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento).
Era o in�cio da transforma��o do professor no educador que criou a pedagogia da roda, tirou meninos da "UTI educacional", fez "oficina de cafun�".
Algumas dessas invencionices surgiram no sert�o mineiro, o mesmo do pai de Riobaldo e Diadorim, de "Grande Sert�o: Veredas", j� lido e relido "umas 40 vezes" por Ti�o. E foi a paix�o por Guimar�es Rosa que colocou o educador na trilha das veredas de Curvelo (MG), denominada pelo escritor como a capital de sua literatura.
"Fui atr�s dos personagens do Guimar�es", diz o empreendedor, que, na fila do Funrural (antigo fundo de pens�o), encontrou Manuelz�o, vaqueiro inspirador do personagem hom�nimo da obra roseana.
Nas andan�as pelo sert�o, emergiram tamb�m personagens de outra hist�ria -bem mais real. Meninos nascendo e crescendo sem freq�entar escolas. E, em entrevista � r�dio local, surgiu a quest�o-guia: "Ser� que � poss�vel fazer educa��o sem escola?"
O desafio impulsionou o nascimento de uma escola debaixo de um p� de manga. "Escola" que prescindia de mesa ou cadeira, lousa ou giz. Mas tinha roda, in�cio do processo de aprendizagem, m�e ou tio inseridos nas atividades, crian�a zanzando por todo o bairro, transformado em sala de aula.
Escola que anda
"� uma escola que anda", Ti�o ouviu de esguelha. A m�e de uma das crian�as comentou com a outra: "�, comadre, ontem mesmo a escola passou na minha porta umas tr�s vezes", conta o educador, com ritmo mineiramente pausado.
Nada tinha daquela escola da inf�ncia, quando seus questionamentos n�o encontravam acolhida na sala de aula. Tampouco a encontrava em casa, onde apanhava -com cinta, borracha ou vara de marmelo, podia escolher- por qualquer arte de menino. "N�o existia alternativa a n�o ser a rua."
Na escola, nunca era ouvido. Certo dia, enquanto a professora contava uma hist�ria sobre reis e rainhas do "era uma vez", o garoto de sete anos levantou a m�o e falou: "Professora, eu tenho uma tia que � rainha". E ouviu um "fique quieto, menino". Foi parar na diretoria.
Questionador, ele n�o entendia por que n�o estudava a trajet�ria de realezas como a de sua tia Etelvina, rainha do congado. "E quantas realezas n�o est�o por a�?", pergunta o educador, enquanto olha pela janela as ruas de terra de Ara�ua�.
Foi na busca por desvendar a hist�ria de sua dinastia que entrou no curso de hist�ria -virou professor. Dedicado, chegou a lecionar em um dos col�gios da alta sociedade de Belo Horizonte.
Quando seguia o mesmo caminho dos mestres da inf�ncia, o aluno �lvaro Prates provocou o primeiro "clar�o" depois que, inexplicavelmente, cometeu suic�dio. Ti�o, que conversava com o rapaz horas a fio sobre revolu��es e barricadas, n�o tinha id�ia do motivo da morte do garoto de 13 anos.
� capaz que o menino tenha indicado os sinais (ou as "piscadelas"), mas o professor estava entretido demais em dar conta do conte�do escolar. "Depois j� n�o me interessava mais que os meninos soubessem tudo sobre a burguesia se eu n�o conhecesse a vida deles." E passou a ensinar e a aprender a partir da sapi�ncia de �lvaros e Etelvinas.
Mineiro reescreve e amplia l�xico educacional
DA ENVIADA ESPECIAL A ARA�UA�
A recria��o da roda, formada por Ti�o Rocha em uma escola debaixo de um p� de manga, avan�ou sert�o adentro -alcan�ou sete Estados brasileiros- e atravessou o mar para desembarcar em Mo�ambique, na �frica. Mas essa foi apenas uma das primeiras inven��es do educador mineiro.
Laborat�rio do CPCD, foi em Curvelo (MG) onde surgiram outras teorias calcadas no saber popular, como a pedagogia do brinquedo (educa��o a partir de jogos como a "dam�tica", mistura de dama e matem�tica), a pedagogia do sab�o (impulsionadora das fabriquetas, que produzem desde bonecas at� m�veis), a pedagogia do abra�o (estimuladora do afeto).
Com seu habitual chap�u, v�cio herdado de um amigo e que diz que s� troca quando quer pensar de um jeito diferente, o atleticano ("por sina") continuou engrossando seu dicion�rio de terminologias educacionais. Ti�o tem l�xico pr�prio.
Assim, do encontro com gangues de jovens que se mutilavam no Laranjal do Jari (AP), criou a "oficina de cafun�" depois que um garoto perguntou: "Ti�o, como fa�o para conquistar uma moleca?" Foi a deixa para o educador colocar quest�es de sexualidade na roda.
Para resolver a fal�ncia da educa��o em Ara�ua�, inventou uma "UTI educacional" em que "m�es cuidadoras" (ou educadoras) fazem "biscoito escrevido" e "folia do livro" (biblioteca em forma de festa) para ajudar menino na alfabetiza��o.
E ainda colocou em uso termos como "empodimento", ap�s ser v�rias vezes questionado pelas comunidades: "Pode [fazer tal coisa], Ti�o?" Pergunta seguida da resposta certeira: "Pode, pode tudo".