Biblioteca Nacional argentina ser� presidida por disc�pulo de Borges
Jorge Araujo/Folhapress | ||
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O bibli�filo e intelectual argentino Alberto Manguel |
Quando era adolescente, Alberto Manguel, 68, trabalhou na livraria Pygmalion, na avenida Corrientes, em Buenos Aires, dedicada a t�tulos em idiomas estrangeiros.
Filho de pai diplomata, Manguel nascera na Argentina, mas passara a inf�ncia no exterior e, portanto, falava ingl�s fluentemente. N�o demorou muito para ser descoberto pelo mais famoso frequentador do espa�o, o escritor Jorge Luis Borges (1899-1986).
Naquela �poca, o autor de "O Aleph" j� vinha perdendo a vis�o, e ent�o convocou aquele livreiro jovem, culto e bil�ngue para ler para ele, em voz alta, os cl�ssicos em ingl�s que ele j� n�o podia revisitar sozinho.
A experi�ncia marcaria o rapaz para o resto da vida. Manguel se transformaria em autor, professor e bibli�filo.
Como num enredo liter�rio, os destinos de Manguel e Borges voltam a se entrecruzar. Em julho, Manguel assumir� o posto que foi de seu mestre no passado: o comando da Biblioteca Nacional argentina. Borges foi diretor da institui��o de 1955 at� 1973.
O acaso po�tico traz alegrias e desafios ao autor de "A Biblioteca � Noite", "Uma Hist�ria da Leitura" e coautor do "Dicion�rio de Lugares Imagin�rios" (todos lan�ados aqui pela Companhia das Letras).
Primeiro, ser� um retorno � Argentina desse intelectual que, pouco antes da ditadura, migrou para o exterior, naturalizou-se canadense, radicou-se na Fran�a e passou a dar aulas em universidades dos EUA.
"Voltar a Buenos Aires � estranho. Quando algu�m deixa um lugar no qual aconteceram coisas importantes -no caso, minha adolesc�ncia-, esse lugar vira, na mem�ria, um cen�rio que vai se modificando para acomodar as lembran�as que vamos fabricando para nos consolarmos de estarmos longe.
Vamos mudando tanto essa geografia, do mesmo modo como mudamos a cara de uma pessoa que no passado amamos e j� n�o vemos h� tempos, que, quando voltamos a encontr�-la, j� n�o a reconhecemos. Sinto que n�o volto para a minha Buenos Aires, mas, sim, a uma nova cidade, que devo descobrir e aprender a amar", disse Manguel � Folha.
J� o desafio fica por conta do clima pol�tico em que Manguel assume a principal biblioteca do pa�s, maior �rg�o cultural da Argentina e que, durante o kirchnerismo, abrigou os intelectuais que apoiavam a presidente Cristina Kirchner, o chamado grupo Carta Abierta.
Ao assumir a governo, em dezembro de 2015, o novo mandat�rio, Mauricio Macri, com o objetivo de "desideologizar" o aparato cultural, promoveu uma s�rie de demiss�es em institui��es geridas pelo Estado. A Biblioteca foi um dos alvos mais atingidos, com mais de 200 demiss�es.
Foi por isso que, h� tr�s semanas, quando Manguel viajou a Buenos Aires para participar da Feria Internacional del Libro, espantou-se com os protestos dos ex-funcion�rios, orquestrados com as manifesta��es de outros demitidos pelo Estado, contra o presidente Macri.
"Sob minha dire��o, a Biblioteca n�o alojar� nenhuma entidade pol�tica-cultural espec�fica", afirmou. A resposta sobre como enfrentar o ambiente a princ�pio hostil � sua chegada, como um indicado de Macri, Manguel ainda n�o possui. "O futuro dir�."
Em meio a cr�ticas e protestos, Manguel se refugiou na literatura, e em seu discurso na Feira do Livro falou do legado de Miguel de Cervantes, cujos 400 anos da morte s�o celebrados neste ano.
"Temos muito que aprender com Dom Quixote, que n�o era um leitor encerrado em seu quarto. Saiu ao mundo para colocar em a��o o que os livros tinham lhe ensinado. Precisamos de mais intelectuais curiosos e ativos como ele."
BRASIL
Uma das boas not�cias � que a mudan�a far� com que Manguel se aproxime mais do Brasil. Seu novo livro, "Una Historia Natural de la Curiosidad", ser� lan�ado pela Companhia das Letras em agosto, quando o autor vir� ao pa�s para participar do anivers�rio de 30 anos da editora.
Al�m disso, segundo ele, o fortalecimento da rela��o da Biblioteca Nacional argentina com as da Am�rica Latina ser� sua prioridade. "Queremos nos aproximar das estrangeiras. Com a do Rio [Biblioteca Nacional] j� temos um acordo, mas quero aprofund�-lo, e tamb�m estabelecer um v�nculo com o Instituto Moreira Salles", contou.
AFP | ||
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O escritor argentino Jorge Lu�s Borges |
Apesar de ser um escritor muito ligado ao mercado editorial nos EUA e na Am�rica Latina, e um bibli�filo obsessivo -possui uma biblioteca particular de 40 mil t�tulos, na casa onde viveu muitos anos no vilarejo de Mondion, no interior da Fran�a-, Manguel cr� que uma biblioteca tem de mostra que sua responsabilidade � bem distinta da l�gica da ind�stria cultural.
"Uma biblioteca p�blica deve ser inclusiva e seguir o modelo da biblioteca de Alexandria. Uma editora � um com�rcio, uma biblioteca � um reposit�rio da mem�ria."
Questionado sobre a intensa rela��o da Argentina com a leitura, que na propor��o de t�tulos lan�ados e livros lidos por habitante � maior do que a de pa�ses mais populosos da Am�rica Latina, como Brasil e M�xico, Manguel aponta para a hist�ria do pa�s para oferecer a resposta.
"A Argentina foi um local que atraiu intelectuais em v�rios tempos, fugidos de guerras ou crises econ�micas e sociais de distintos pa�ses. Herdamos grandes leitores da Fran�a e da It�lia no fim do s�culo 19, judeus europeus durante o terror nazista da Segunda Guerra (1939-1945), refugiados espanh�is da Guerra Civil naquele pa�s (1936-1939). E muitos desses imigrantes fundaram editoras ou abriram livrarias. Obviamente, durante a ditadura militar (1976-1983), muito desse trabalho foi destru�do, mas, ainda assim, o leitorado argentino de hoje deve muito aos que vieram a esse pa�s buscando ref�gio no passado."
Mesmo assumindo a biblioteca, Manguel seguir� dando aulas em Princeton e em Columbia, "portanto creio que vou ter de aprender a escrever em avi�es, ficarei por um bom tempo viajando entre Buenos Aires e Nova York."
Para o apartamento na capital argentina que est� alugando com as ajuda das irm�s, levar� poucos livros. Basicamente, "uma 'Divina Com�dia' edi��o de bolso que sempre levo comigo e um volume de Rudyard Kipling (o romance "Stalky & Co") que Borges me deu de presente. � o mesmo volume que ele leu quando era adolescente".
E o resto de sua imensa biblioteca pessoal? "Ficou em caixas, num dep�sito, na Fran�a, aguardando o dia de sua ressurrei��o."
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