Um bloco de projetos de lei sobre combate ao trabalho escravo tramita há 18 anos no Congresso Nacional. Entre eles há propostas de aumento da pena para empregadores e regulamentação da expropriação de terras onde é encontrado trabalho análogo à escravidão. O bloco está travado desde 2019. Neste ano, 13 novos textos foram anexados ao conjunto.
Os projetos estão agregados ao PL 5016/2005, do ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Em 2019, a Câmara dos Deputados determinou que fosse criada uma comissão especial para analisar o total de sugestões, mas até agora isso não aconteceu.
A anexação ocorre quando a Mesa Diretora entende que um projeto novo é parecido com um antigo. A partir daí, as propostas tramitam juntos. No início do ano, eram 28 projetos. Hoje, são 41. Esse é o maior aumento em 18 anos de tramitação.
Entre os projetos, há aqueles que visam aumentar as penas. É o caso do projeto original do bloco, o PL 5016/2005.
Outros regulam a expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores nesse regime de escravização. A expropriação é garantida pelo artigo 243 da Constituição Federal desde 2014, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 81, que, entretanto, não foi regulamentada.
"Não precisaria de regulamentação. O artigo 243 é claro. Mas, como isso tem sido usado de argumento para não ocorrer expropriação, fizemos o projeto", diz a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
A deputada é uma das autoras do PL 978/2023, que regulamenta a expropriação das terras e responsabiliza quem contrata empresas terceirizadas. "Nosso projeto inova ao colocar a possibilidade de autogestão das terras pelos trabalhadores resgatados", disse.
O projeto é um dos que foram anexados ao 5016/2005 entre março e junho deste ano.
No último dia 22, houve audiência pública para discutir o PL 1102/23, da deputada Reginete Bispo (PT-RS), na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR) da Câmara. É mais um texto que trata da expropriação anexado ao bloco.
Para Melina Fiorini, procuradora do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais (MPT-MG), essa é uma das pautas mais importantes hoje. Mas, segundo ela, há outras que podem atrapalhar o combate ao trabalho escravo.
"Infelizmente, a gente percebe uma tentativa de alguns setores de enfraquecer esse conceito, para retirar, por exemplo, o trabalho degradante da definição de trabalho escravo", diz Fiorini.
O PL 2464/2015, do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), é um dos que busca mudar essa definição. Segundo o texto, a atual definição de trabalho escravo é subjetiva, por incluir conceitos como jornada exaustiva e condições degradantes. Procurado, o deputado não quis se pronunciar.
Em abril, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) recomendou votação contrária ao PL 5970/2019, do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que também visa a regulamentação da expropriação das terras. O documento, redigido pela equipe técnica da frente, diz que não há em lei conceito objetivo de trabalho escravo.
"Nós da FPA somos contrários a qualquer tipo de crime, em qualquer instância ou setor. Defendemos a necessidade de definir os conceitos de forma precisa, por meio de um amplo debate e busca pelo consenso, a fim de garantir a segurança jurídica necessária para o efetivo combate a crimes dessa natureza", disse o deputado Evair de Melo (PP-ES), segundo vice-presidente da FPA.
Se aprovado no Senado, o PL de Randolfe irá para a Câmara. "Espero bom senso das duas Casas na apreciação desta matéria. É um absurdo que ainda não tenhamos detalhado a regulamentação", diz o senador.
Além da expropriação, há projetos no bloco que prevêem a cassação do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) de empresas condenadas pelo crime de redução ao trabalho análogo à escravidão e outros que vedam benefícios tributários ou incentivos fiscais a empresas condenadas.
Dois projetos de lei visam transformar o crime em hediondo. A deputada Amanda Gentil (PP-MA), autora de um deles, coleta assinaturas no Congresso para criar a Frente Parlamentar para a Erradicação do Trabalho Análogo à Escravidão.
É preciso fazer pressão externa antes de lutar pelo avanço na tramitação dos projetos, segundo Melchionna.
"Vamos trazer diversos movimentos e atores políticos para debater o conjunto dos projetos", diz. "No governo Bolsonaro, quase tivemos retrocesso, com aqueles projetos que visam mudar o conceito do que é trabalho escravo. Agora, tem que ter avanço."
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