O Senado aprovou nesta quinta-feira (1º) a MP que reestrutura o governo Lula (PT). A poucas horas do fim do prazo e após as ameaças da Câmara dos Deputados de enterrar o texto, os senadores aprovaram a medida provisória em cerca de duas horas. Foram 51 votos a 19, e houve uma abstenção.
A MP reorganiza o governo federal e cria novos ministérios, como o da Cultura, da Indústria e dos Povos Indígenas. Se perdesse a validade, a Esplanada dos Ministérios deveria retomar o desenho de Jair Bolsonaro (PL), com 23 pastas em vez de 37.
Diferentemente do que ocorreu na Câmara, a medida provisória foi aprovada pelo Senado sem grandes obstáculos. Em meio às reclamações dos deputados federais na quarta (31), senadores afirmavam que votariam a MP independentemente do tempo que tivessem para isso.
Em outro sinal de boa vontade do Senado com o Planalto, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), escalou o líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), para relatar o texto.
Antes da votação, Pacheco afirmou que "pode haver críticas à articulação", mas disse que todos os senadores compreendem a importância da MP dos ministérios para a estruturação do governo.
"Obviamente que pode haver críticas à articulação política, mas nada que leve a uma situação dessas, de não aprovar a principal medida provisória do país e do governo. A estruturação de ministérios, instituições, seria muito ruim interromper isso."
A MP perderia a validade nesta quinta se não fosse aprovada pelo Congresso. Justamente pela falta de tempo, o Senado manteve o texto da Câmara dos Deputados —aprovado na noite de quarta.
Apesar de escapar da derrota na Câmara, o governo teve que ceder no plano inicial e aceitar a recriação da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), órgão cobiçado por diferentes partidos para indicações políticas.
Horas antes da votação na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), emparedou o Palácio do Planalto e disparou críticas à articulação política do governo.
Com o recado do centrão de que estava disposto a rejeitar a MP, Lula conversou pessoalmente com parlamentares. O Planalto prometeu ainda acelerar a liberação de emendas e nomeações em cargos diante da pressão por mais espaço no governo.
Na Câmara, o placar da votação foi de 337 a 125. O centrão foi fundamental para garantir o resultado e houve poucas traições de deputados que integram a base de Lula —ao contrário do que ocorreu em votações recentes.
A União Brasil, partido com três ministros, foi a legenda com mais dissidências —foram 35 votos a favor do governo e 15 contrários, entre eles Kim Kataguiri (SP), Alfredo Gaspar (AL) e Felipe Francischini (PR).
O MDB, partido do relator da matéria na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (AL), teve 35 votos favoráveis e 3 contrários; no PSD foram 36 a favor e 2 contrários.
O PP de Lira também entregou a maioria dos votos: foram 34 a favor e 9 contrários. O mesmo ocorreu com o Republicanos: 30 favoráveis e 7 contrários.
O centrão tem agido como fiel da balança nas votações da Câmara. Quando quis expressar recados de insatisfação ao Executivo, por exemplo, rejeitou projetos de interesse de Lula como o PL das Fake News, que acabou tendo sua votação adiada, e a derrubada de mudanças feitas pelo governo no Marco do Saneamento.
A situação no Senado é considerada menos problemática pelo Planalto, que avalia ter uma base mais sólida na casa. Na votação desta quinta, MDB, PSD e União Brasil votaram expressivamente a favor da MP.
Ao subir na tribuna do Senado, Jaques Wagner pediu desculpas aos colegas pelo prazo enxuto e fez um apelo à oposição para que o texto não fosse alterado. "O governo anterior pensou de um jeito, o governo atual pensa de outro", disse.
"E quero pedir aos colegas senadores, alertando que um dos pontos que tinha muita controvérsia aqui dos senadores, que era a extinção da Funasa, acabou por acordo na noite de ontem sendo acolhida pelo relator a pedido do governo na Câmara."
A MP foi aprovada pela comissão mista —formada por deputados e senadores— por 15 votos a favor e 3 contra. Na ocasião, Isnaldo, aliado de Lira, desidratou a política ambiental do governo e fortaleceu pastas chefiadas pelo centrão.
Competências de órgãos que atualmente estão na estrutura dos ministérios do Meio Ambiente (chefiado por Marina Silva), do Desenvolvimento Agrário (por Paulo Teixeira) e dos Povos Indígenas (por Sônia Guajajara) serão transferidas para outras pastas.
O texto aprovado retirou a ANA (Agência Nacional de Águas) do Meio Ambiente e a transferiu para o Desenvolvimento Regional —pasta comandada por Waldez Góes (PDT), indicado por parlamentares da União Brasil.
O CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, também saiu do ministério de Marina Silva para o de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, chefiado por Esther Dweck.
O enfraquecimento de Marina Silva levou Lula a instruir seus ministros para adotarem uma retórica de defesa da ministra.
Rui Costa, ministro da Casa Civil, chegou a afirmar que o texto da MP estava "desalinhado" com a visão do governo; e que trabalharia para reverter as mudanças durante a votação nos plenários da Câmara e do Senado.
O que se viu nos dias seguintes, no entanto, foi um Palácio do Planalto incapaz de promover modificações na proposta. Articulares políticos passaram a admitir que não havia como recuperar as derrotas sofridas na área ambiental, sob pena de a MP perder a validade.
"Tudo aquilo que preocupava a FPA [Frente Parlamentar da Agropecuária] está equacionado", afirmou nesta quinta o senador Carlos Viana (Podemos-MG), de oposição, e membro da bancada ruralista. "Os pontos principais [da bancada] foram atendidos."
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