O ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) anunciou nesta segunda-feira (23) que desiste de sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto, cedendo a pressões da cúpula do seu partido, que pretende anunciar apoio à senadora Simone Tebet (MDB-MS) e consolidar uma candidatura única da chamada terceira via.
"Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Saio com sentimento de gratidão e a certeza de que tudo o que fiz foi em benefício de um ideal coletivo, em favor dos paulistanos, dos paulistas e dos brasileiros", disse em seu discurso.
"Hoje, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o bom senso, o diálogo e o equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso, mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal. O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano", afirmou.
"Seguirei como observador sereno do meu país. Sempre à disposição de lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada. Que Deus proteja o Brasil", concluiu Doria.
O anúncio, feito em tom grave, na casa alugada para seu comitê de campanha, nos Jardins, contraria a postura de Doria e de seus aliados nos últimos dias, que vinham negando a possibilidade de abrir caminho para a emedebista.
Dirigentes do PSDB não acreditavam que haveria acordo com Doria e apostavam até na judicialização do imbróglio. O tucano chegou a sinalizar que buscaria a Justiça Eleitoral para garantir que o PSDB lhe desse legenda com base no fato de ter vencido prévias em novembro passado.
Doria afirmou nesta segunda que "o Brasil precisa de uma alternativa para oferecer aos eleitores que não querem os extremos", em estocada nos líderes das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
"Saio com o sentimento de gratidão e a certeza de que tudo o que fiz foi em benefício de um ideal coletivo, em favor dos paulistanos, dos paulistas e dos brasileiros", disse o tucano, que exaltou realizações de seu governo, como a viabilização de vacinas contra a Covid-19.
"Peço desculpas pelos meus erros. Se me excedi, foi por vontade de acertar. Se exagerei, foi pela pressa em fazer com perfeição. Se acelerei foi pela urgência que as ações públicas exigem", pontuou.
Doria relembrou sua história na política e a carreira na iniciativa privada, com menções também ao pai, João Doria, que foi deputado federal cassado no golpe militar de 1964. "Em 2016, seguindo os passos do meu pai, decidi disputar uma eleição. Começa aí minha saga no meu partido", disse.
Ele discursou com um painel da bandeira do Brasil ao fundo e acompanhado pelos aliados mais próximos e pela esposa, Bia Doria. Foi bastante aplaudido por correligionários e chorou ao fim da fala de cerca de dez minutos.
Outros aliados e membros da equipe de pré-campanha também choraram, como o tesoureiro do PSDB, César Gontijo. A deputada estadual Carla Morando (PSDB) foi outra que derramou lágrimas —ela ouviu o discurso de mãos dadas com a deputada estadual Damaris Moura (PSDB). O clima era tenso no auditório.
Além da esposa, o ex-governador estava acompanhado do presidente do PSDB, Bruno Araújo; do líder do partido na Câmara, Adolfo Viana (PSDB-BA); dos presidentes do PSDB estadual, Marco Vinholi, e municipal, Fernando Alfredo; dos prefeitos Orlando Morando (São Bernardo do Campo) e Luiz Fernando Machado (Jundiaí); do ex-ministro Antônio Imbassahy e outros aliados.
Após o pronunciamento, Araújo afirmou que a decisão do ex-governador comprova que ele não colocou seu projeto pessoal acima do país e disse que o tucano terá o papel que quiser nestas eleições.
Araújo indicou que o partido dará seguimento à coligação com MDB e Cidadania, mas evitou dizer que Tebet já está escolhida, embora esse seja o acerto entre os partidos. O dirigente afirmou que o PSDB deve indicar um vice para a chapa.
O presidente do PSDB disse que a discussão sobre ter uma candidatura própria tucana, algo ainda defendido em parte do partido, está superada e defendeu a coligação com o MDB. A manter-se a indicação do presidente tucano, o partido não terá candidato a presidente pela primeira vez desde a redemocratização.
MDB, PSDB e Cidadania têm um acordo para lançar uma candidatura única da terceira via —e, na semana passada, uma pesquisa encomendada pelos partidos indicou que a emedebista era mais viável do que o tucano.
Depois do anúncio do tucano, a senadora divulgou uma nota em que afirmou que "Doria nunca foi adversário, sempre foi aliado", destacou sua "luta pela vacina" e disse que conversará com ele para receber sugestões para seu programa de governo.
"O Brasil é maior do que qualquer projeto individual. Vamos trabalhar para unir todo o centro democrático.
Gostaria muito de ter o PSDB e o Cidadania junto conosco", disse Tebet.
Ainda na nota, ela afirmou ser preciso aguardar a decisão das direções partidárias. "Vamos unir o país e tratar de sua reconstrução moral, institucional e política. O povo tem pressa e precisamos semear esperança."
Enquanto aliados no meio político se dividiram entre lamentos e elogios a um suposto desprendimento de Doria, opositores ironizaram e também celebraram a derrocada.
A deputada federal Joice Hasselmann (SP), que foi para o PSDB a convite do ex-governador, disse em rede social que "perde o Brasil" com a saída, e "os extremos, por hoje, comemoram". O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD-RJ), elogiou o governo do tucano: "Tem meu respeito".
"Vai tarde! Não esqueceremos seu legado nefasto de destruição", afirmou a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Bolsonaristas relembraram restrições impostas pelo governo paulista na pandemia para fustigar o tucano. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que, ao desistir, "Doria mostra que a conta do autoritarismo é a impopularidade".
Como mostrou a Folha, apesar de Doria ter vencido as prévias do PSDB em novembro passado, a cúpula do partido vinha seguindo um roteiro para derrubar sua pré-candidatura com base no acordo firmado com MDB e Cidadania.
Além disso, Doria enfrentou concorrência do ex-governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB), que ensaiou uma pré-campanha presidencial apesar de ter sido derrotado nas prévias do partido.
Até aliados de Doria admitiram, na semana passada, que sua pré-candidatura havia ficado insustentável depois que mesmo a bancada paulista do PSDB, que o apoiou nas prévias, passou a operar contra o ex-governador.
Tucanos afirmam que isso inclui o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), que em entrevistas recentes defendeu o acordo com o MDB e uma candidatura competitiva da terceira via. A pré-campanha de Rodrigo vem tentando se descolar de Doria. Já auxiliares do governador negam que ele faça parte de uma conspiração contra o antecessor.
Rodrigo, que não estava presente no discurso desta segunda, foi mencionado por Doria de maneira cordial. O ex-governador disse que o atual titular do Palácio dos Bandeirantes "será, com muita justiça, reeleito governador de São Paulo".
"Assim como na saída da prefeitura, quando deixei o comando da cidade nas mãos do saudoso Bruno Covas, desta vez também, deixei o governo de São Paulo em boas mãos. Rodrigo Garcia está levando em frente um trabalho que começou com uma equipe de craques, e que certamente lhe renderá a vitória nas eleições deste ano."
Em uma rede social, Rodrigo escreveu que Doria "demonstra serenidade e desprendimento com a decisão".
"Ele fez algo similar pelos brasileiros quando lutou de forma ativa para garantir a vacina que salvou milhões de vidas. Seu gesto vai ajudar o país a encontrar o caminho da paz, diálogo e superação", disse o governador.
Na última terça-feira (17), a maior parte da executiva do PSDB, em reunião, avaliou que Doria prejudicaria os demais candidatos do partido, o que ampliou a pressão para que o ex-governador paulista desistisse —algo que seus aliados sempre negaram.
Doria já havia ameaçado desistir de concorrer ao Planalto —em 31 de março, chegou a dizer a aliados que não renunciaria ao Governo de São Paulo, o que prejudicaria os planos eleitorais de Rodrigo.
Na época entrou em curso uma operação para salvar o então vice-governador. O presidente do PSDB divulgou uma carta reafirmando a escolha do PSDB por Doria . O ex-governador voltou atrás acreditando em uma vitória política —disse que o recuo fora estratégia. Com Rodrigo empossado, o papel não valia mais nada.
Enquanto parte do PSDB defende o apoio a Tebet, outra ala ainda prega uma candidatura própria —desde que não seja a de Doria. A aposta é a de que o MDB acabará rifando Tebet, o que abriria espaço para a candidatura tucana.
Os nomes de Leite e do senador Tasso Jereissati (CE) são cogitados para as hipóteses de vice de Tebet ou para uma candidatura própria tucana.
Doria e seus aliados, minoritários no partido, vinham rebatendo os argumentos pró-Tebet com base nas pesquisas que o mostram à frente numericamente da senadora. Além disso, ressaltam que o ex-governador tem um legado a mostrar, que inclui a vacina contra a Covid-19, e venceu prévias que custaram R$ 12 milhões de verba pública.
Para o entorno do ex-governador, o PSDB deveria deixar a escolha entre Doria e Tebet para mais adiante, antes das convenções previstas para julho e agosto —o que lhe daria mais tempo para crescer nas intenções de votos.
Líderes do PSDB, no entanto, rejeitam adiar ainda mais a definição de um nome e veem Doria estacionado nas pesquisas.
O tucano marcou 4% na última pesquisa Ipespe contra 2% de Tebet –o levantamento foi financiado pela XP. A enorme distância de Lula (PT, 44%) e Jair Bolsonaro (PL, 32%) evidencia o drama da terceira via e coloca em perspectiva o enredo da crise tucana.
Vencedor de duas eleições seguidas, em 2016 e 2018, e vitorioso em três prévias tucanas, Doria acumula alta rejeição entre eleitores e, por isso, é visto como tóxico pela cúpula do PSDB. Outros nomes tucanos que disputarão governos estaduais e vagas no Congresso têm pregado contra sua candidatura.
Além disso, como gosta de lembrar, Doria sempre enfrentou resistência no PSDB. Em 2016, sua candidatura à Prefeitura de São Paulo foi apoiada inicialmente apenas por Geraldo Alckmin (PSB), que hoje é um desafeto do tucano e se considera traído pelo afilhado.
Doria venceu em primeiro turno, algo inédito na capital, e, em 2018, deixou a prefeitura para concorrer ao Governo de São Paulo, sendo também vencedor da corrida. O fato de ter deixado o cargo, no entanto, prejudicou a imagem do tucano entre paulistanos.
A chegada na política como antipolítico, a empreitada para expulsar o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), a tentativa de presidir o PSDB e a associação com Bolsonaro são episódios que deram a Doria a má fama no partido.
O estilo trator também vigorou nas prévias, com acusações de compra de votos e de filiações intempestivas, além da vantagem da máquina tucana paulista. Isso explica, para parte dos tucanos, porque Doria ganhou, mas não levou.
De lá para cá, os tropeços se seguiram –rompimento com Araújo, o quase recuo na renúncia, um jantar em que a terceira via deu o cano e finalmente a ameaça de judicialização.
Cronologia
- 20.mar.16 Joao Doria é confirmado como o candidato do PSDB para disputar a prefeitura de São Paulo após a desistência de Andrea Matarazzo
- 2.out.16 Já no primeiro turno, Doria derrota o então prefeito Fernando Haddad (PT) com 53,29% dos votos válidos
- 18.mar.18 Com mais de 80% dos votos, Doria vence as prévias tucanas para disputar o governo do estado. Com isso, renuncia à prefeitura com menos de dois anos no cargo
- 28.out.18 Em vitória apertada contra Márcio França (PSB) no segundo turno, Doria é eleito governador do estado em campanha apoiada na do presidente Jair Bolsonaro (PL), estratégia batizada pela própria campanha como Bolsodoria
- 27.nov.21 Doria vence o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em prévias do PSDB para a disputa da Presidência
- 31.mar.22 Em baixa nas pesquisas e pressionado pelo próprio PSDB, Doria desiste da corrida presidencial
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