A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou, nesta quarta-feira (3), um projeto de lei que proíbe táticas policiais controversas e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos constitucionais de suspeitos.
A "Lei George Floyd de Justiça no Policiamento" foi batizada em homenagem ao homem negro asfixiado por um policial branco, cujo assassinato, filmado e publicado nas redes sociais, gerou indignação em todo o mundo e deu início a uma onda de protestos antirracismo em vários países.
Derek Chauvin, o agente que aparece nas imagens, ajoelhou-se sobre o pescoço de Floyd por cerca de nove minutos após uma abordagem que terminou em morte. As últimas palavras da vítima —"eu não consigo respirar"— tornaram-se um lema dos atos contra a desigualdade racial e a violência policial, dentro e fora dos EUA.
"Quantas pessoas mais terão que morrer, quantas pessoas mais terão que ser brutalizadas em vídeos antes que as reformas policiais se tornem lei?", questionou a deputada democrata Karen Bass (da Califórnia), autora do projeto de lei junto com o presidente do Comitê Judiciário da Câmara, Jerrold Nadler (de Nova York).
“Uma profissão na qual você tem o poder de matar deve ser uma profissão que requer oficiais altamente treinados que prestem contas ao público”, acrescentou ela.
O projeto foi aprovado em votação apertada —220 votos a favor e 212 contra—, mas deve seguir em tramitação graças ao apoio da maioria democrata na Câmara.
Em junho do ano passado, um mês após a morte de Floyd, os deputados aprovaram medida semelhante com votação mais expressiva —236 a 181— mas o texto acabou barrado pelo Senado, que tinha maioria republicana.
Como depois da eleição de novembro os democratas mantiveram a maioria na Câmara e agora também controlam o Senado, o partido se sentiu encorajado a tentar novamente.
A Lei George Floyd inclui medidas como a proibição de estrangulamentos durante a ação policial, o fim dos mandados de segurança que permitem que os agentes entrem em lugares sem se anunciarem —como na ação que matou Breonna Taylor— e a criação de um registro nacional de má conduta policial.
Em uma de suas disposições mais polêmicas, o projeto prevê o fim da "imunidade qualificada", uma espécie de excludente de ilicitude que, na prática, impede policiais de serem responsabilizados criminalmente por eventuais usos excessivos de força e violações de direitos constitucionais.
A lei determina ainda a obrigatoriedade de câmeras que possam registrar a ação dos agentes, tanto as corporais quanto as que ficam posicionadas nos painéis das viaturas —como no caso de Daniel Prude—, e cria novos modelos de policiamento comunitário, especialmente para bairros de populações minoritárias.
Também no ano passado, os republicanos apresentaram um projeto de lei a respeito da violência policial, mas deixaram intacta a doutrina jurídica da "imunidade qualificada". O texto acabou não conseguindo os votos necessários para passar pelo Senado.
Dois democratas, Jared Golden (Maine) e Ron Kind (Wisconsin) votaram contra a criação da lei. Apenas um republicano, o deputado Lance Gooden, representante do Texas, deu voto favorável ao projeto.
Mais tarde, porém, Gooden afirmou que apertou o botão errado na hora de votar e que, na verdade, também se opõe ao projeto. "É claro que eu não apoiaria a lei antipolícia da esquerda radical", escreveu o deputado no Twitter, orgulhando-se de ter, em suas palavras, "o voto mais conservador do Congresso".
Outros republicanos fizeram duras críticas ao projeto democrata, dizendo que, se aprovada, a lei colocaria vidas de policiais em perigo e tornaria as comunidades menos seguras.
“Vocês dizem que este é um projeto de reforma, e eu digo que isso é besteira. Os membros de sua própria coalizão têm defendido cortes no financiamento de nossos policiais locais, xingando-os de nomes que não posso e não irei repetir aqui hoje ”, disse a deputada Kat Cammack (da Flórida).
Os democratas se defenderam. “Seria uma política irresponsável cortar os fundos da polícia, e não somos a favor disso”, disse o líder da maioria na Câmara, Steny Hoyer (de Maryland). “Você pode dizer isso, uma e outra vez. Será uma mentira, não importa o quão bem sirva aos seus propósitos políticos.”
Bass disse a jornalistas que começaria imediatamente a articulação entre os senadores para garantir a aprovação do projeto.
A Casa está atualmente dividida com 50 cadeiras para os democratas e 50 para os republicanos, mas quando há empate em votações, o regimento determina que o voto de minerva cabe à Vice-Presidência dos EUA —no caso, a democrata Kamala Harris. Mas a aprovação de projetos de lei geralmente exige pelo menos 60 votos favoráveis, e ainda não está claro se os governistas conseguirão atrair senadores da oposição.
O presidente Joe Biden elogiou a proposta de lei durante uma conversa virtual com os colegas de partido na Câmara. No início da semana, a Casa Branca divulgou um comunicado em que diz "esperar trabalhar com o Congresso para promulgar uma lei de reforma do policiamento que é um marco".
“Para tornar nossas comunidades mais seguras, devemos começar reconstruindo a confiança entre as autoridades policiais e as pessoas que devem servir e proteger”, disse a Casa Branca. “Não podemos reconstruir essa confiança se não responsabilizarmos os policiais por abusos de poder e combatermos a má conduta sistêmica —e o racismo sistêmico— nos departamentos de polícia.”
A votação estava originalmente agendada para esta quinta-feira (4), mas foi adiantada pelos líderes da Câmara depois que a polícia do Capitólio e os serviços de inteligência dos EUA alertaram sobre uma possível conspiração para invadir o Congresso novamente.
Na próxima segunda-feira (8), a Justiça deve começar a selecionar os jurados que participarão do julgamento de Chauvin, previsto para o fim do mês. O ex-policial responde por homicídio de segundo grau —quando há a intenção de matar, mas sem premeditação—, o que pode levar a décadas de prisão.
Em outubro do ano passado, ele pagou fiança de US$ 1 milhão (R$ 5,6 milhões) e foi libertado. Chauvin deixou a cadeia sob condição de não voltar a trabalhar em segurança pública e de não se aproximar da família de Floyd, e teve que abrir mão de suas licenças para usar armas de fogo. Além dele, os outros três agentes envolvidos no assassinato já haviam sido libertados sob fiança.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.