Lágrimas escorrem dos olhos da mulher com lenço na cabeça e roupas de cores vivas, pintada sobre tecido cru. Também há lágrimas saindo do rosto da jovem de lenço branco, desenhada com um fundo azul turquesa.
São dois autorretratos de mulheres que sofreram atrocidades nas mãos de terroristas do Estado Islâmico (EI), no Iraque, e Boko Haram e Fulani, na Nigéria. Ambas participaram das oficinas de Hannah Rose Thomas, uma artista britânica que promove projetos artísticos com vítimas de violência pelo mundo.
Hannah, 27, começou com as oficinas de autorretratos em agosto de 2017, com mulheres da minoria religiosa Yazidi sequestradas pelo EI e mantidas como escravas sexuais dos jihadistas no norte do Iraque. Mais de 6 mil mulheres e crianças foram escravizadas na região, em 2014, e algumas continuam em cativeiro ou desaparecidas.
Em setembro do mesmo ano, Hannah foi para o norte da Nigéria fazer o mesmo trabalho com sobreviventes do sequestro por terroristas locais. Usando pintura, bordado e tecidos típicos, elas desenharam seus retratos e conversaram sobre sua experiência.
As oficinas duram de uma a duas semanas. É necessário um tempo, afirma a artista, para que se construa um vínculo e elas sintam abertura para falar de suas experiências do passado. “Elas compartilham suas histórias quando se sentem prontas e apenas o tanto que querem compartilhar", diz.
Antes das oficinas com sobreviventes de violência sexual, ela já tinha desenvolvido projetos artísticos com vítimas de deslocamento forçado.
Em 2014, quando estudava árabe na Jordânia, foi diretora artística de uma exposição do ACNUR (comissariado das Nações Unidas para refugiados) para o Dia Mundial do Refugiado, em 20 de junho. Sua ideia foi usar as próprias tendas de um campo de refugiados como tela para os trabalhos dos abrigados.
Em abril de 2018, a britânica foi para um acampamento de Bangladesh que abriga muçulmanos da minoria étnica rohingya, que fugiram da perseguição pelo exército de Mianmar —a ONU considera que eles foram vítimas de genocídio. Mais de 100 mil morreram e 750 mil saíram do país.
Em Bangladesh, Hannah passava as manhãs pintando com crianças e as tardes conversando com mulheres. Na volta, fez uma série de retratos das rohingyas que conheceu. Depois das oficinas no Iraque e na Nigéria, ela fez o mesmo.
“Cada mulher com quem conversei tinha uma história de sofrimento e resiliência impressionantes. Para compartilhar essas histórias eu comecei a pintar seus retratos, para mostrar as pessoas por trás da crise global e das estatísticas”, afirma.
Segundo a britânica, sua fluência em árabe a ajudou a se conectar melhor com as mulheres em alguns países.
No próximo ano, ela planeja trabalhar com sobreviventes de mutilação genital na Somália e de tráfico sexual na Índia, mas ainda depende de financiamento —seus projetos são feitos em parceria com organizações.
Hannah, que já trabalhou em parceira com uma psicóloga clínica, ressalta que não é treinada como arteterapeuta, "apesar de saber, pela minha própria experiência como artista, dos benefícios terapêuticos de pintar", ressalta.
Ela também diz que não subestima o impacto das histórias dramáticas que escuta sobre si própria (o chamado trauma secundário). “Não acho que eu poderia ir a esses lugares se eu não tivesse a pintura como uma forma de processar e expressar tudo o que eu vi”, afirma.
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