Ferrovias para passageiros exigirão transferência de tecnologia de estrangeiras; veja mapa das linhas

Regra foi incluída na minuta de decreto presidencial que vai regulamentar as normas gerais desse tipo de transporte no Brasil, à qual a Folha teve acesso

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Brasília

A nova política de transporte ferroviário de passageiros terá um dispositivo para garantir a transferência de tecnologia em casos de concessão a empresas estrangeiras.

A regra foi incluída na minuta de decreto presidencial que vai regulamentar as normas gerais desse tipo de transporte no Brasil, à qual a Folha teve acesso.

Após a fase preliminar da consulta pública da sociedade sobre a proposta de decreto, a Secretaria de Transporte Ferroviário do Ministério dos Transportes acatou 30 contribuições. Entre elas, uma diretriz para tornar os trens de passageiros o mais competitivo em relação às demais alternativas de transportes.

Áreas de inovação de concessionárias buscam soluções para melhorar a eficiência entre ferrovia e terminais no porto
Trilhos de ferrovia; governo vai apresentar decreto para segmento - Divulgação

A sugestão aceita é apresentada no momento de aumento das cobranças da população pelos preços altos dos transportes no país, sobretudo de passagens aéreas.

Esses pontos não constavam no texto original do decreto. A minuta ainda passará pelo crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas a expectativa do ministro dos Transportes, Renan Filho, é que o texto saia nas próximas semanas.

Segundo ele, o decreto é estratégico para atrair os investimentos para as ferrovias com trens de passageiros e, por isso, precisa ser editado antes dos processos de licitação.

"Estamos atualizando os projetos, e eu espero fazer a primeira concessão para transportes de pessoas no primeiro semestre do ano que vem", afirmou o ministro à Folha.

O governo pretende direcionar a esses projetos ao menos R$ 20 bilhões, que pretende recuperar de quatro empresas —Rumo, MRS e duas da Vale— de concessões que foram renovadas, durante o governo Jair Bolsonaro.

O TCU (Tribunal de Contas da União) diz que o valor pago pelas outorgas deveria ter sido maior.

O Ministério dos Transportes analisou 400 trechos de ferrovias e apontou os seis mais viáveis.

É com elas que o governo vai dar o pontapé para destravar o transporte ferroviário de passageiros no Brasil. São eles: Pelotas (RS)-Rio Grande (RS); Londrina (PR)-Maringá (PR); Brasília (DF)-Luziânia (GO); Salvador (BA)-Feira de Santana (BA); Fortaleza (CE)-Sobral (CE) e São Luís (MA)-Itapecuru (MA).

Renan Filho afirmou que ganhará o leilão a empresa que exigir menor volume de dinheiro público. "O decreto é importante porque, para atrair investidores, precisa ter segurança sobre as normas", disse.

Os técnicos também incluíram na minuta um artigo inteiro com uma lista dos direitos dos usuários de trens.

As empresas terão de garantir o acesso a informações, por meio da internet, e nos pontos de embarque e desembarque de passageiros, de forma gratuita e acessível, sobre itinerários, horários, tarifas dos serviços e possibilidades de interação com outros modais (tipos de transportes, como ônibus).

As concessionárias também terão de garantir que os usuários possam usufruir com acessibilidade universal do sistema de transporte, incluídos os veículos, os terminais, as estações, os pontos de parada, o sistema viário e toda infraestrutura necessária à prestação dos serviços.

Elas também terão de criar canais de denúncia e atendimento adequado e inclusivo em casos de violações de direitos humanos e sociais, como ocorrências de injúria e discriminação racial, importunação e assédio sexual.

Do ponto de vista das empresas, a sustentabilidade econômico-financeira dos projetos poderá ser garantida também, além das tarifas das passagens, por fontes de receitas alternativas, como projetos imobiliários no entorno das estações, publicidade nas estações e nos trens, comercial nas estações e nos trens.

O decreto também permite a exploração de infraestrutura e projetos associados ou complementares às ferrovias.

Serão permitidos subsídios ou subvenções que estejam de acordo com a legislação. E será vedada a cobrança em duplicidade de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelos usuários. A política tarifária terá de estar prevista no edital e no contrato de concessão.

"Estudos apontam que há factibilidade nos seis trechos. São linhas ferroviárias da malha federal que se encontram ociosas e que podem ser usadas para transporte de passageiros", disse Leonardo Ribeiro, secretário nacional de Transporte Ferroviário.

O Ministério dos Transportes vai contratar os chamados EVTA (estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental) de cada um dos trechos.

"Os projetos serão apresentados ao longo deste ano e do próximo, possibilitando a realização de licitações já no início do ano que vem", afirmou o secretário.

Ribeiro defendeu a transferência de tecnologia por empresas estrangeiras, que poderá ocorrer por meio de acordos contratuais, parcerias ou investimentos diretos. "Essa prática pode beneficiar a inovação e o desenvolvimento local", disse.

De acordo com o secretário, vários países praticam a transferência de tecnologia na área de ferrovias, como China, Alemanha, França e Japão.

Empresas desses países, afirmou Ribeiro, fornecem tecnologia, treinamento e equipamentos para projetos ferroviários em outras nações, promovendo o desenvolvimento dessa infraestrutura globalmente.

"A colaboração internacional nesse setor é comum para melhorar a eficiência e a segurança das redes ferroviárias em todo o mundo."

O presidente da Inter.B consultoria Internacional de Negócios, Claudio Frischtak, diz que o Brasil vive uma crise de mobilidade urbana e metropolitana. Ele defende os investimentos em ferrovias.

"No caso de trem de passageiros, o setor público pode e deve investir desde que seja algo muito priorizado", avalia. Ele ressalta que fazer os investimentos em linhas curtas é uma maneira de começar.

Frischtak defendeu, no entanto, que a análise para a escolha dos seis trechos pelo governo seja publicizada pelo Ministério dos Transportes. "Os critérios de escolha precisam ser muito claros", diz.

Ele sugere um segundo critério para o leilão seja que o governo só entre com recursos mais no final do projeto: "É muito fácil começar com dinheiro público e depois o projeto empaca e quem toma na cabeça somos nós, os brasileiros".

Pelos dados da Inter.B, os investimentos em ferrovias devem chegar a R$ 11,35 bilhões em 2024 (dos quais 93,8% privados), um crescimento real de 5,78%.

Os investimentos serão impulsionados pelos compromissos assumidos pelas empresas que operam no setor e negociaram a renovação antecipada de seus contratos (a exemplo da Vale, MRS e Rumo Malha Paulista), além da extensão de 730 km da Ferronorte no Mato Grosso, e do ramal de Pecém da Transnordestina.

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