O governo do ultraliberal Javier Milei anunciou um duro pacote de medidas econômicas com o objetivo de conter a crise e a inflação na Argentina.
O novo presidente vai desvalorizar fortemente o peso, suspender todas as obras públicas, reduzir subsídios de energia e transporte, enxugar repasses às províncias, liberar importações e aumentar temporariamente impostos.
O dólar oficial, que vale 366 pesos no país vizinho hoje, subirá quase 120% e será fixado em 800 pesos. Com isso, o dólar paralelo "blue" e todos os preços nas ruas também devem subir.
Para amortecer os efeitos dessas mudanças, os programas sociais à população mais pobre serão ampliados: as mensalidades pagas por filho subirão 100%, e os cartões-alimentação, 50%.
Uma lista de dez medidas foi anunciada, na noite desta terça (12), em uma mensagem gravada pelo novo ministro da Economia, Luis Caputo, que foi ministro das Finanças do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).
O vídeo foi exibido com duas horas de atraso porque Caputo teve de regravá-lo, segundo a imprensa argentina, o que gerou grande ansiedade na mídia e na população.
"Nós sempre focamos em solucionar as consequências, e não a raiz do problema", afirmou ele, argumentando que a causa da inflação crônica do país é, fundamentalmente, o que chamou de "vício no déficit fiscal". Ou seja, uma "cultura política de gastar sempre mais do que se arrecada".
"Agora o que viemos fazer é o oposto ao que foi feito sempre. Solucionar esse problema de raiz justamente para não ter de padecer mais dessas consequências, da inflação e da pobreza", disse, após fazer uma longa explicação sobre o que é o déficit e a emissão de moeda.
Caputo citou como exemplos os gastos de uma casa e até laranjas. Também admitiu que o país "vai estar pior que antes por alguns meses". "Como diz o presidente, é melhor dizer uma verdade incômoda que uma mentira confortável", declarou.
Ele então elencou as dez medidas, que são:
- Contratos de trabalho do Estado com menos de um ano de vigência não serão renovados
- Verba oficial para os meios de comunicação será suspensa por um ano
- Ministérios serão reduzidos de 18 para 9, e secretarias, de 106 para 54
- Transferências para as províncias que não são obrigatórias serão reduzidas ao mínimo
- Novas obras públicas não serão licitadas, e as licitadas e não iniciadas serão canceladas
- Subsídios de energia e transporte serão reduzidos
- Plano de geração de empregos e inclusão social chamado "Potenciar Trabajo" será mantido
- Câmbio oficial será desvalorizado para 800 pesos, com aumento temporário do imposto sobre importações e exportações não agrícolas
- Sistema de importações será eliminado e substituído por um sistema automatizado, sem necessidade de autorização prévia
- Benefício social por filho será duplicado, e cartão-alimentação será aumentado em 50%
O Fundo Monetário Internacional (FMI) elogiou as medidas "ousadas". "Uma implementação decisiva ajudará a estabilizar a economia e a estabelecer as bases para um crescimento mais sustentável e liderado pelo setor privado", disse em nota o órgão, com o qual a Argentina contraiu um empréstimo de US$ 44 bilhões.
O anúncio era aguardado pelo mercado e pela população desde esta segunda (11). Sem saber quais seriam as primeiras medidas de Milei, e portanto o que aconteceria com o dólar depois de sua posse, muitos argentinos aceleraram a estocagem de produtos duráveis nas últimas semanas, como é comum no país em épocas de incertezas.
Os preços em geral subiram 143% em 12 meses até outubro, mas se espera um aumento ainda mais expressivo para novembro e dezembro, uma vez que, sem referência, as mercadorias e os serviços estão com valores muito voláteis e sendo constantemente remarcados nas ruas.
Acordos para limitar os preços feitos pelo ex-ministro Sergio Massa com empresários, que teoricamente durariam até o fim do mês, já não existem na prática.
Bancos também adiaram o vencimento das faturas dos cartões de crédito ou aumentaram a cotação do dólar cobrada, já prevendo uma desvalorização pela nova gestão.
Mais cedo, o porta-voz do governo, Manuel Adorni, já havia anunciado os cortes na propaganda oficial, a redução de 34% dos cargos públicos federais, o fim do home office para o funcionalismo e uma revisão de todos os contratos do Estado.
O porta-voz falou em acabar com o "emprego militante" e repetiu que o governo tratará protestos com o mantra: "Dentro da lei tudo, fora da lei nada", gerando a reação de sindicatos, que já marcaram um grande ato para os dias 19 e 20.
O Banco Central, agora presidido pelo economista Santiago Bausili, convocou uma reunião com os bancos na manhã desta quarta (13) para falar sobre o pacote de medidas antes da abertura dos mercados.
Bausili também foi subsecretário e secretário de Finanças de Macri, que apoiou Milei no segundo turno e pretende ajudar na sua governabilidade.
HISTÓRICO DE CRISES
A Argentina passa por sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, completados no último domingo.
A situação é causada por um déficit fiscal que já dura 13 anos, uma dívida pública que representa 88% do PIB, falta de dólares nos cofres públicos e impressão de moeda que fazem a inflação explodir.
O país vizinho foi o que mais tentou planos de estabilização malsucedidos na região nos últimos 50 anos —o Brasil vem segundo lugar.
Foram sete fracassos (entre 1976 e 2018), quatro sucessos temporários que duraram um ano e meio, e um sucesso mais longo, em 1991, mas que teve um fim trágico na grande crise de 2001.
Durante a campanha eleitoral, Milei prometeu que quebraria esse ciclo transformando os dólares na moeda corrente do país e fechando o Banco Central. Mas, depois que foi eleito, ele baixou o tom sobre essas propostas e nomeou um ministro da Economia que é conhecidamente contra a dolarização.
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