Em 2021, o poder de compra do brasileiro voltou a ser assombrado por uma inflação de dois dígitos. Nos 12 meses do ano passado, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou variação de 10,06%.
A alta é a maior para o período de janeiro a dezembro desde 2015 (10,67%), informou nesta terça-feira (11) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). À época, a economia nacional atravessava período de recessão no governo Dilma Rousseff (PT).
O resultado de 2021 veio acima das expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam variação de 9,96% no acumulado.
O IPCA é o indicador oficial de inflação no país. Com o resultado, o índice estourou com folga a meta perseguida pelo BC (Banco Central).
A meta de inflação era de 3,75% no ano passado, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, podendo chegar até a máxima de 5,25%.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, terá de escrever uma carta explicando o avanço do IPCA acima do intervalo de referência. Será a sexta desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999.
A carta mais recente foi escrita pelo antecessor de Campos Neto, Ilan Goldfajn, em janeiro de 2018. O texto era relativo à inflação de 2017, mas, na ocasião, o então presidente do BC se justificava por resultado ligeiramente inferior ao limite mínimo estabelecido.
No ano passado, a disparada do IPCA foi impulsionada por uma combinação de fatores díspares.
Houve carestia de preços administrados, como combustíveis e energia elétrica, aumento de itens básicos para as famílias, como alimentos, inclusive por alterações climáticas que afetaram plantio e colheita de diferentes produtos, além de persistente ruptura na cadeia global de abastecimento de insumos industriais, especialmente chips.
"Uma inflação acumulada na faixa de 10% não estava no radar de ninguém no começo do ano passado. Ela se desgarrou de um padrão normal", afirma o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale.
"A inflação ainda não dá sinais de tranquilidade. O cenário é preocupante no início de 2022. Não vai ser fácil trazer a inflação de volta para a meta", completa.
IPCA tem alta de 0,73% em dezembro
No recorte mensal, o IPCA desacelerou para 0,73% em dezembro, após taxa de 0,95% em novembro, informou o IBGE nesta terça-feira.
Mesmo com a perda de fôlego, o resultado veio acima das expectativas do mercado. Analistas consultados pela Bloomberg projetavam variação de 0,64% nessa base de comparação.
Outro dado que chamou atenção no recorte mensal foi o avanço do índice de difusão. Esse indicador mede a proporção de bens e serviços com aumento de preços.
Em dezembro, o índice de difusão alcançou a marca de 75%. No mês anterior, havia sido de 63%.
O gerente da pesquisa do IPCA, Pedro Kislanov, relatou que componentes sazonais ajudam a explicar uma parte da inflação mais difusa.
Segundo ele, a procura por itens e serviços característicos da reta final do ano pressionou maior volume de preços. Além disso, houve uma recomposição de valores que haviam recuado com promoções na Black Friday, em novembro, indicou o analista.
Grupo de transportes puxa alta no ano
Segundo o IBGE, o acumulado de 2021 foi influenciado principalmente pelo grupo de transportes. O segmento apresentou a maior variação (21,03%) e o principal impacto (4,19 pontos percentuais) no ano.
Em seguida, vieram os grupos de habitação (13,05%), que contribuiu com 2,05 pontos percentuais, e alimentação e bebidas (7,94%), com impacto de 1,68 ponto percentual. Juntos, os três responderam por cerca de 79% do IPCA de 2021.
"O grupo dos transportes foi afetado principalmente pelos combustíveis", afirmou Kislanov.
Com os reajustes nas bombas, a gasolina acumulou alta de 47,49% em 2021. O etanol, por sua vez, disparou 62,23%.
Outros destaques nos transportes foram os preços dos automóveis novos (16,16%) e usados (15,05%). Segundo Kislanov, os aumentos dos veículos estão relacionados ao desarranjo nas cadeias produtivas do setor automotivo.
No grupo habitação, a principal contribuição (0,98 ponto percentual) veio da energia elétrica (21,21%), que ficou mais cara com a crise hídrica.
Em alimentação e bebidas, a variação de 7,94% foi menor do que a do ano anterior (14,09%). Mesmo assim, houve fortes aumentos em parte dos itens, como café moído, que subiu 50,24%, e açúcar refinado, que teve elevação de 47,87%.
"A alta do café ocorreu principalmente no segundo semestre, pois a produção foi prejudicada pelas geadas no inverno. Já o preço do açúcar foi influenciado por uma oferta menor e pela competição pela matéria-prima para produção do etanol", diz Kislanov.
O avanço generalizado dos preços penaliza sobretudo os mais pobres. Em 2021, o Brasil passou a ter uma sucessão de casos de pessoas em busca de doações e até de restos de comida para alimentação.
Ionara Jesus Santos, 40, moradora de uma comunidade na zona sul de São Paulo, conta que atravessou o ano sofrendo com a escalada dos preços de itens básicos. Quase tudo foi ficando mais caro. Ao mesmo tempo, ela amargou perda de renda.
Antes da pandemia, Ionara trabalhava como diarista. Com a crise, as oportunidades sumiram. Não consegue trabalho e busca doações para alimentar os quatro filhos.
Hoje, a renda familiar se resume ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) recebido pela filha de 21 anos, que teve paralisia cerebral, diz a diarista. O valor do benefício é de um salário mínimo mensal.
"É difícil ver um filho com fome e não ter muito o que fazer. Estou dependendo de doações. Tudo ficou caro na pandemia", afirma.
"Gostaria de voltar a ter um emprego, de ter um dinheiro para manter a família. No mercado, a gente não pode comprar carne ou um arroz mais decente, escolhemos sempre o mais barato", acrescenta.
Choques na pandemia
Uma sucessão de choques vista ao longo do ano passado está por trás da escalada dos preços.
Depois de desalinhar cadeias produtivas globais, a pandemia seguiu provocando escassez de insumos no mercado internacional em 2021. Com a falta de matérias-primas e a reabertura da economia, os preços ficaram mais caros em diferentes regiões.
No Brasil, a pressão foi intensificada pela desvalorização do real ante o dólar. A moeda americana subiu em meio a turbulências na área política protagonizadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL).
O câmbio elevado também encareceu os combustíveis. Isso ocorreu porque o dólar é levado em consideração pela Petrobras na hora de definir os preços nas refinarias de itens como a gasolina, com grande peso no IPCA.
A inflação brasileira ainda foi turbinada pelos choques climáticos no ano passado. A severa crise hídrica que atingiu o país aumentou os custos para geração de energia elétrica e, como consequência, as contas de luz dos consumidores. A seca, aliada ao registro de geadas, também pressionou os alimentos no ano passado.
Para tentar conter a alta dos preços, o BC vem subindo a taxa básica de juros. O efeito colateral da Selic mais alta, atualmente em 9,25% ao ano, é inibir investimentos produtivos na economia, já que as linhas de crédito ficam mais caras. Falta de investimentos também tende a frear a geração de empregos e retardar ainda mais a retomada.
"A inflação mais alta requer juros mais altos, o que afeta o crescimento econômico. É um ciclo. Por isso, a inflação é tão perigosa", afirma a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte.
No acumulado de 2021, a cesta de preços administrados, incluindo itens como gasolina e energia elétrica, avançou 16,9%, conforme o IBGE.
O aumento ficou bem distante do verificado entre os serviços, que são uma espécie de termômetro da demanda na atividade econômica. No ano, a inflação de serviços subiu 4,75%.
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