O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) poderá participar do esforço do governo Donald Trump de trazer empresas norte-americanas da China e ajudá-las a se instalar na América Latina, Brasil inclusive.
A afirmação é do polêmico candidato à presidência do banco pelos EUA, Mauricio Claver-Carone, 45, em entrevista por e-mail.
O advogado, um feroz crítico dos regimes de esquerda latino-americanos, é assessor para a região do presidente Donald Trump no Conselho de Segurança Nacional.
O cruzamento da iniciativa de Trump, lançada por Claver-Carone em agosto e chamada De Volta às Américas, com a candidatura ao BID deverá alimentar a suspeita de críticos de que Claver-Carone quer operar em favor de Washington no banco.
Para ele, contudo, os projetos podem ter impacto positivo para as economias locais –ainda que favoreçam os EUA no embate da Guerra Fria 2.0 que travam com a China, na qual América Latina e o Caribe são um teatro secundário.
A iniciativa também visa encurtar elos de cadeias produtivas, fragilidade que foi exposta na pandemia.
Segundo o americano, nascido em Miami de mãe cubana e pai espanhol e criado em Madri (Espanha), a De Volta às Américas poderá injetar de US$ 30 bilhões a US$ 50 bilhões (de R$ 285 bilhões a R$ 270 bilhões no câmbio de hoje) nos países latino-americanos.
Ele começou a promover a iniciativa em uma viagem pela Colômbia, país que é alinhado com Trump assim como o Brasil e tem sido visto como queridinho de investidores.
Não por acaso, ambas as nações declararam apoio à realização das eleições e são votos certos pró-EUA.
Se a proximidade do governo de Jair Bolsonaro com o de Trump não tem exatamente dado frutos concretos, a começar pela retirada do candidato brasileiro ao BID, Claver-Carone a exalta.
Diz que o Brasil está nos planos da De Volta às Américas, um plano de resto visto como de difícil execução na prática, por motivos de ambiente de negócios e custos locais. “Preferimos ver empresas americanas investindo no Brasil do que na China”, afirma.
Criado em 1959, o BID sempre teve presidentes latino-americanos, como forma de compensar o peso econômico dos EUA.
É composto por 48 membros, 22 deles sem direito a receber empréstimos ou voto em assembleia, incluindo EUA e China, mas que têm interesses na região.
A indicação de Claver-Carone foi bombardeada pela Argentina com apoio do México, além de outros países.
A União Europeia e 22 ex-chefes de Estado de membros do grupo, além de políticos de países como o Brasil, declararam apoio a um adiamento da eleição para o ano que vem.
Na prática, isso pode minar a candidatura do americano, em especial se Trump não se reeleger em novembro.
O pleito virtual está marcado para os dias 12 e 13, e será derrubado se mais de 25% decidirem se abster, uma tática que é objeto de articulação.
Em vez de enfatizar a rivalidade com a China, Claver-Carone prefere apontar para o fato da mudança de perfil da atuação de Pequim na região,
De 2008, início da última grande crise econômica mundial, até 2019, os chineses emprestaram US$ 125 bilhões (R$ 675 bilhões) a países da América Latina.
No mesmo período, o BID emprestou US$ 151 bilhões (R$ 815 bilhões) a Estados e empresas, fora outros US$ 43 bilhões (R$ 232 bilhões) em projetos diversos.
A enxurrada chinesa, contudo, secou após o fim do último grande ciclo das commodities, em 2015. De US$ 35,6 bilhões (R$ 192 bilhões) emprestados em 2010, o volume caiu para US$ 1,1 bilhão (R$ 5,9 bilhões) no ano passado.
Antes da pandemia, o volume do BID ficou mais ou menos constante, fechando 2019 com US$ 12,9 bilhões (R$ 69 bilhões).
O que os chineses fizeram foi acelerar seu investimento, que após 2010 deixou a área de produtos primários e diversificou-se na de serviços.
Daquele ano até 2018, Pequim colocou US$ 100 bilhões (R$ 540 bilhões) na região, parte por meio de sua inciativa própria, a Cinturão e Rota. Noventa por cento disso foi dinheiro estatal, segundo o “think tank” Diálogo Interamericano (EUA).
Houve um tombo da casa dos US$ 12 bilhões anuais para US$ 8 bilhões (R$ 43 bilhões) a partir de 2018.
Ainda assim, é bem mais que o BID. O braço de investimento do banco tem hoje uma carteira total de US$ 12 bilhões (R$ 65 bilhões) em 24 países.
“A questão é: quem vai preencher a lacuna?”, afirmou, lembrando que os EUA têm um estoque de quase US$ 1 trilhão (R$ 5,4 trilhões) investidos na região.
Os presidentes do BID são tradicionalmente latino-americanos. Por que os EUA se opuseram a essa prática desta vez? Para ser claro, os EUA não se opõem. Simplesmente lançamos uma candidatura, em conformidade com as regras e regulamentos do BID, com o compromisso histórico de ajudar a região a se recuperar da pandemia e restaurar o crescimento econômico.
Desde que lançamos nossa candidatura, em 16 de junho, recebemos o apoio de 2/3 dos países da região.
Alguns países expressaram reservas quanto à sua candidatura. Um grupo de ex-chefes de Estado pediu o adiamento da eleição. Quais são, na sua opinião, as motivações para esses movimentos? Desde o início, afirmamos que nossa visão é estar voltado a um futuro melhor e evitar mais décadas perdidas.
Respeito os ex-presidentes, mas eles representam o passado, não o futuro. O punhado de países que expressou preocupação com a minha candidatura também tem seus próprios candidatos.
Respeitamos suas candidaturas potenciais, esperamos debater nossas visões alternativas e permitir que a maioria decida em um processo democrático.
Por outro lado, países como Brasil e Colômbia manifestaram apoio às eleições já. Se eleito, como o sr. lidará com esse cisma regional emergente? Discordo da premissa de qualquer cisma. As eleições do BID sempre foram competitivas e até contenciosas. Em 2005, quando [o atual presidente, o colombiano] Luis Alberto Moreno concorreu pela primeira vez, 44% votaram contra ele.
Quando a eleição terminar, não tenho dúvidas de que todos nos reuniremos, como vizinhos e parceiros, para trabalhar em prol de nossos objetivos comuns.
Qual é a sua opinião sobre os atuais critérios do BID para investimentos? Quais devem ser as suas prioridades? O BID Invest tem um grande potencial, que acreditamos poder ser acelerado. Nossas prioridades devem ser medir como o projeto contribui para o crescimento econômico por meio de melhorias na infraestrutura e criação de empregos.
Como ele promove a inclusão para beneficiar grupos subrepresentados, como apoia a inovação que mobilizaria capital privado, transferência de tecnologia e sustentabilidade ambiental.
Alguns observadores afirmam que os EUA querem usar o BID como uma ferramenta para conter os chineses na região. Como o sr. vê isso? Os EUA têm quase US$ 1 trilhão investidos na América Latina e no Caribe. A China tem apenas mais de US$ 100 bilhões, portanto não é realmente uma questão de competição.
O fato é que América Latina e Caribe é a área do mundo com a maior lacuna em financiamentos. Somente para pequenas e médias empresas, faltam US$ 87 bilhões (R$ 470 bilhões).
Essa lacuna só vai piorar com a pandemia e a consequente crise. Enquanto isso, as instituições financeiras internacionais estão emprestando menos para a região do que durante a crise de 2008-2009.
Os empréstimos estatais chineses passaram de US$ 35 bilhões em 2010 para US$ 1 bilhão no ano passado.
A questão é: quem vai preencher a lacuna? É preferível que o BID se torne mais relevante financeiramente e esteja à altura dos desafios.
O sr. anunciou a iniciativa De Volta às Américas. É possível acoplar alguns dos projetos do BID a ela? O BID está particularmente bem colocado para defender o “nearshoring” [trazer empresas de países distantes para outros mais próximos] que beneficie a região.
Os governos nacionais sempre irão favorecer o “reshoring” [trazer filiais de volta ao país de origem].
O presidente Trump quer reinvestir em primeiro lugar nos EUA, o presidente Bolsonaro quer reinvestir principalmente no Brasil, e assim por diante.
Os projetos do BID podem se concentrar em trazer projetos e investimentos da De Volta às Américas como um todo, e incentivar condições equitativas para que cada país possa competir.
O BID pode ajudar a fazer brilhar a vantagem competitiva de cada país, para que possa atrair investimentos que criem empregos e salários justos.
No início do ano, o almirante Craig Faller (chefe do Comando Sul americano) disse que os chineses armaram uma armadilha de dinheiro na América Latina. A China usa capital estatal. Como a De Volta às Américas funcionaria e o que faria para não ser chamada de armadilha americana? Os EUA não têm uma economia estatal, nem empresas estatais. O governo pode, no entanto, ajudar a incentivar o setor privado a investir em determinados países e regiões por meio de uma variedade de instrumentos, incluindo nossa Corporação Financeira de Desenvolvimento.
No entanto, isso apenas ajuda a fechar o negócio inicial. Em última análise, é tarefa de cada país garantir que seu clima de negócios mantenha essas empresas.
Não devemos esquecer que os próprios EUA são o maior receptor de investimento estrangeiro direto do mundo.
O Brasil está nos planos do De Volta às Américas? Com certeza. Na verdade, o grupo de trabalho inaugural da Brasil Cresce [acordo dentro do programa de estímulo América Cresce] será na próxima semana.
Estamos procurando romper os gargalos para financiamento e investimento em energia e infraestrutura no Brasil.
Nunca houve um relacionamento melhor entre os EUA e Brasil. Nós preferimos ver empresas investindo no Brasil do que na China.
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