O nome "Políticas do Poder" na capa de uma coletânea de poemas não deixa de provocar uma certa estranheza. Inevitável que se pense numa poesia militante —no sentido mais estrito dessa palavra—, ou mesmo panfletária.
Isso, entretanto, não condiz com o livro da escritora canadense Margaret Atwood, publicado originalmente em 1971 e que acaba de sair no Brasil pela editora Rocco numa edição bilíngue, com tradução cuidadosa de Stephanie Borges.
Sem prescindir dos recursos sensoriais da linguagem e do cuidado na construção dos versos, a autora lida, de maneira peculiar, com os jogos de poder que incidem nas relações íntimas e domésticas entre um homem e uma mulher.
O que de político atravessa os 45 poemas do volume não se mostra de forma estridente, mas se afina com as ideias que a celebrada autora de "O Conto da Aia" defendeu num breve ensaio escrito dois anos depois, chamado “Notes on Power Politics”, no qual esclarece o que entende por “políticas do poder” —algo que não se circunscreve ao âmbito coletivo, mas se faz presente em tudo o que somos e fazemos, de forma invisível e silenciosa.
As três partes que o compõem começam com poemas breves e incisivos, seguidos de outros longos, todos dirigidos em primeira pessoa a um destinatário identificado sempre como “você”, no caso um homem.
É comum que um verso lírico, que pode dar margem a uma declaração de amor, seja assaltado por um elemento duro e repentino, como nestes dois versos –"você se encaixa em mim/ como um gancho num olho".
Os jogos de poder se dão tanto em situações prosaicas ("ergo meu garfo mágico/ sobre o prato de arroz frito de carne/ e o afundo em seu coração"), quanto no embate verbal ("eu quero perguntas e você quer/ apenas respostas").
E se tornam ainda mais ácidos ("você pergunta pelo amor/ eu só te dei descrições/ por favor, morra, eu disse/ então eu posso escrever sobre isso") à medida que as contendas, os ressentimentos, “as pequenas táticas” e perversidades, as acusações e os paradoxos do amor e ódio na vida conjugal se tornam mais intensas.
Tudo a partir de uma perspectiva feminista que, embora voltada para as relações de gênero nos anos 1970, mantém sua vitalidade e sua pertinência no nosso tempo.
Interessante que alguns poemas, mesmo ao sustentarem o movimento entre o “eu” e o “você”, têm títulos em terceira pessoa, a exemplo de “Ele Reaparece”, “Eles Jantam Fora”, “Ele É um Estranho Fenômeno Biológico”, o que reforça a ironia e a ideia de jogo.
Por outro lado, há muitos sem título, ou com títulos como “Hesitações do Lado de Fora da Porta”, numa trama enunciativa que entrelaça falas e silêncios, esferas subjetivas e objetivas, espaços íntimos e exteriores.
As relações amorosas são, assim, enfocadas como duplicações do mundo externo dos jogos de poder, ainda que, sob o prisma da autora, nada nesse campo se dê de forma esquemática e previsível. Ao privilegiar os matizes e as contradições desses jogos entre os sexos, a escritora não se rende à militância panfletária, preferindo os explorar por vias inesperadas.
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