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CAPITAL RENOVADA
Morto em 1994, Mário Quintana viu a cidade da qual pouco saiu homenageá-lo com casa de cultura
Memória do poeta fica hospedada em hotel
DO ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Porto Alegre perdeu Mário
Quintana, seu maior poeta, há dez
anos, em 1994.
Mas o intelectual solitário -e
avesso a entrevistas, que chamava
de "interrogatórios"- viveu para
ver o hotel Majestic, onde morou
12 anos, virar a casa de cultura que
leva seu nome, em 1989. Nascido
em Alegrete, em 1906, Mário de
Miranda Quintana foi "descoberto" por outro grande escritor gaúcho, Erico Verissimo, o qual considerava "um anjo que desceu à
Terra disfarçado de homem".
Mestre das tiradas irônicas,
Quintana era, ele mesmo, um personagem, sempre visto a caminhar pelas ruas da cidade que
eternizou com sua prosa poética.
"Nada é mais provinciano que
sair da Província", dizia, ao explicar seu horror pelas viagens. Só ia
a Alegrete para ver a irmã e explicava que tinha adotado Porto Alegre porque, na sua cidade natal,
"quem não é fazendeiro é boi".
Foi umas três vezes ao Rio -a
primeira para ver o poeta Manuel
Bandeira- e deve ter estado em
São Paulo uma única vez.
Tradutor de obras de Marcel
Proust, Virginia Woolf, André Gide, Guy de Maupassant e Voltaire,
era a simplicidade em pessoa.
Em 1966, quando completou 60
anos, recebeu o título de "cidadão
porto-alegrense" e já nessa época
temia ver a capital gaúcha tragada
pela especulação imobiliária, o
que felizmente não aconteceu.
Quintana sofreu quando os bondes deixaram de circular, pois tinha aversão aos ônibus.
Dono de intensa atividade literária, publicou "A Rua dos Cataventos", "Poesias", "Sapato Florido", "Espelho Mágico" e "Pé de
Pilão", tendo recebido em 1980 o
Prêmio Machado de Assis, da
Academia Brasileira de Letras.
Dedos enegrecidos pela fumaça
do cigarro, boina na cabeça,
Quintana sempre caminhava. Enquanto morou no hotel Majestic,
andava uma quadra para chegar à
redação do jornal "Correio do Povo", onde trabalhou.
"Poesia é uma maneira de falar
sozinho", costumava dizer o escritor, que tinha em Porto Alegre
seu assunto favorito. Retraído,
uma vez, numa entrevista, confessou que havia se apaixonado três
vezes, declinando dizer o nome
das amadas.
Apesar da vida boêmia, viveu 87
anos -"gosto de fazer planos
longos para desafiar o diabo", dizia Quintana, que não foi "imortalizado" pela Academia Brasileira de Letras, apesar de ter se candidatado três vezes, e, então, cunhou a frase: "Todos esses que
aqui estão atravancando o meu
caminho, eles passarão -e eu
passarinho!".
(SILVIO CIOFFI)
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