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Ensaios discutem o lugar da filosofia na cultura contemporânea
Faces do pragmatismo
CAETANO E. PLASTINO
Este livro reúne trabalhos apresentados no Seminário Internacional de Filosofia Analítica e
Pragmatismo, promovido pela
Universidade Federal de Minas
Gerais, em agosto de 1997. Dele
participaram Richard Rorty, Susan Haack e Bjorn Ramberg, além
de pesquisadores brasileiros de
diferentes áreas e tendências. O
resultado é uma ampla e rica discussão em torno do pragmatismo
contemporâneo, envolvendo
questões filosóficas relativas à ética, à ciência e à linguagem.
No artigo inicial, Rorty observa
que existem muitas maneiras de
dizer o que está acontecendo, mas
nenhuma delas representa mais
exatamente o modo como a realidade é em si mesma. "Chegar
mais perto da realidade soa para
nós como uma metáfora desgastada". Sem dúvida, alguns modos
de falar são mais úteis que outros,
mas daí não se segue que as descrições mais úteis correspondem
ao que realmente acontece, enquanto as menos úteis dizem respeito ao que parece acontecer.
Com o abandono da distinção
metafísica entre aparência e realidade e também da noção de verdade como correspondência com
a realidade, poder-se-ia supor que
Rorty considera a verdade como
relativa a nossos propósitos e situações. Mas não é o caso. Rorty
não propõe uma definição pragmatista de "verdade" como "o
que é bom em matéria de crença"
(William James) ou como "assertibilidade garantida" (John Dewey). É claro que utilizamos nossas crenças atuais para decidir como aplicar o termo "verdadeiro",
mas isso não quer dizer que um
enunciado é verdadeiro quando
estamos de acordo a seu respeito.
A intenção de Rorty é antes trivializar o termo "verdadeiro" e exibir
sua transparência: atribuir verdade à sentença "a neve é branca" é
atribuir brancura à neve, como
diz Quine. Portanto, ao contrário
do que afirma Haack (pág. 63),
Rorty não confunde o que é verdadeiro com o que passa por verdadeiro.
Mas, se a justificação é sempre
relativa à situação e aos propósitos de uma audiência, e se além
disso é o único critério que temos
para aplicação do termo "verdadeiro", então não podemos assegurar que nossas práticas de justificação, mais cedo ou mais tarde,
conduzirão à verdade absoluta.
Segundo Rorty, compreendemos
nosso progresso científico, moral
ou político sempre a partir de
nossas perspectivas, não havendo
"maneira de não privilegiarmos
nossos propósitos e interesses
atuais". Desse modo, o progresso
que fizemos não consiste num
processo dirigido a um fim último
e perfeito (Verdade, Bondade, Beleza, Justiça), mas em sermos
"muito mais capazes do que nossos ancestrais de servir aos propósitos que queremos servir e de lidar com as situações com as quais
cremos nos defrontar".
A esse respeito, é marcante a influência de Thomas Kuhn, que
destacou a importância das mudanças revolucionárias no desenvolvimento da ciência, proporcionando novos problemas e novos
usos da linguagem. Para Rorty,
também na filosofia as conquistas
realmente heróicas são "aquelas
que nos permitem ver tudo de um
novo ângulo, que induzem uma
mudança de gestalt".
Ocorre que essas conquistas
inovadoras não são encorajadas
pela "diligente obediência a um
método", pela argumentação racional atrelada ao vocabulário
corrente. Com efeito, é a imaginação que contribui para a "criação
de uma nova forma de vida cultural, de um novo vocabulário", de
descrições alternativas de nós
mesmos e do mundo.
O bom navio e os corsários
As vigorosas investidas de
Haack dirigem-se principalmente
contra a proposta de Rorty de
considerar a filosofia como um
gênero literário identificado pela
tradição, de transformar a investigação séria que busca a verdade
objetiva em uma conversação diletante que tenta chegar a um
acordo contingente.
De fato, Rorty não tem "nenhum argumento para oferecer,
nem qualquer perspectiva sobre
que forma a filosofia deve tomar".
Ele entende que, muitas vezes, as
tentativas de definir a essência e a
missão da filosofia apenas refletem as preferências de alguém
que procura "excomungar filósofos que não deseja ler" e delimitar
o território em que reconhece legitimidade profissional.
No caso de Haack, a opção é por
uma filosofia científica. Citando
Peirce, trata-se de "resgatar dos
corsários sem lei do mar da literatura o bom navio Filosofia para o
serviço da Ciência". Ao contrário
da atitude científica, o estudo com
um "espírito literário" caracteriza-se pela "indiferença do pensador em relação ao valor de verdade das proposições que propõe".
Filosofia Analítica,
Pragmatismo e Ciência
Organização: Paulo R. Margutti
Pinto e outros
Editora UFMG
(Tel. 0/xx/31/499-4650)
344 págs., R$ 30,00
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A figura delineada por Rorty do
intelectual liberal que assume
uma atitude irônica e distanciada
em relação a suas próprias crenças é examinada em várias passagens do livro. Segundo Paulo
Margutti Pinto, o "ironista rortyano" parece aproximar-se perigosamente de um tipo de ceticismo
que nada tem a ver com o pragmatismo autêntico. Por sua vez,
Paulo Ghiraldelli Jr. ressalta que
esse ironista, ao mesmo tempo
em que cultiva a "herança liberal
de horror à intolerância e, portanto, de abominação moral de seus
frutos (a crueldade e a barbárie)",
descarta os grandes discursos
com objetivos fundacionistas
(por exemplo, aqueles acoplados
às cartas de direitos humanos).
Um detalhado exame das leituras de Rorty pode ser encontrado
no artigo de Ramberg. De um lado, os "deflacionistas" tendem a
ser simpáticos às posições de
Rorty em questões particulares e
tomam a aparência de radicalidade como sendo em grande parte
resultado de seu pendor por efeitos retóricos dramáticos. De outro, os "demonizadores" consideram-no um pensador radical que
se opõe profundamente a certas
concepções vigentes das tarefas
da filosofia. O próprio Ramberg
formula uma terceira interpretação, segundo a qual a filosofia seria vista como uma atividade tipicamente argumentativa, mas cujo
propósito primordial é a compreensão e não o acordo.
Decerto Rorty mostra-se contrário à idéia de que a filosofia é
uma espécie distinta de atividade
intelectual que "fundamenta" o
resto da cultura. Mas ele também
rejeita explicitamente a acusação
de haver declarado "o fim da filosofia". O ponto que enfatiza é que
"a preocupação moral do filósofo
deveria ser a continuação da conversação ocidental, em vez da insistência num lugar para os tradicionais problemas da filosofia
moderna dentro dessa conversação".
A conversação proposta neste
livro, em que se ponderam diversas implicações político-culturais
da filosofia contemporânea, torna
sua leitura extremamente oportuna e estimulante.
Caetano Ernesto Plastino é professor do
departamento de filosofia da USP.
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