São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002 |
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Crise e ruína
A Crise Não Moderna da Universidade Moderna
(Epílogo de "O Conflito das Faculdades")
Na atualidade, o conhecimento e a política transitam para o mundo único e disperso do mercado pós-estatal, que tudo abarca na liberalidade factual e ilimitada
dos circuitos da telemática, mundo do capitalismo tardio sem exterioridade, que se
instala sobre as ruínas da herança moderna. Determinada pelos acontecimentos, a
universidade vive a crise da universalidade filosófica, crise da unidade do saber e
da indagação sobre suas bases, da centralização nacional do controle da produção
de conhecimento. Nesse processo, implode a arquitetônica kantiana da universidade moderna, crítica e autônoma, capaz de progredir pelo conflito entre a determinação das especialidades profissionais e a reflexão filosófica dos fundamentos,
constituindo-se como sujeito do seu saber e do seu não saber. Para o filósofo chileno, que busca o caminho da teorização entre sistemas categoriais despotencializados, a universidade pós-moderna aloja-se na heteronomia como universidade tecnológica, que não sabe de seu saber, não sabe de si e perde-se na facticidade eficaz
de seus produtos e efeitos.
Sociólogo e conselheiro da Universidade de Chicago, Shils defende a tradição
acadêmica de devoção à busca desinteressada da verdade contra o utilitarismo
econômico e, principalmente, a politização institucional, responsáveis por graves
perturbações que atingem a universidade na democracia liberal. Da ótica do liberalismo tradicionalista convicto, a ação afirmativa que impõe critérios sociopolíticos
de seleção de alunos e professores, coordenada por um Estado que assume a tarefa
de promover a igualdade, atinge o cerne da autonomia e fere de morte a liberdade e
a ética acadêmicas. Nessa chave, o livro expõe temas essenciais da atual inquietação institucional, como a burocratização, a hiperespecialização, o relativismo epistemológico, a desagregação da civilidade interna, a estrita visão profissionalizante
de partes do corpo docente e discente. Seis textos aguerridos, que reafirmam a integridade de um sólido conservadorismo que não oculta limites ao propor, contra o
espírito do tempo, a recuperação da dimensão moral da profissão universitária.
Desde sua criação, a USP sofre a ascendência da cultura norte-americana por intermédio da ação direta e indireta da filantropia científica da Fundação Rockefeller, em suas estruturas organizacionais e áreas de pesquisa. Deixando as ciências
humanas à influência francesa, a Fundação volta-se primordialmente para as ciências básicas e naturais, com vultosas dotações para a institucionalização, no Brasil,
da pesquisa em áreas como a física nuclear e a biologia genética. Bem documentada, a descrição das instâncias de articulação interinstitucional detém-se nos principais parceiros locais da agência, os catedráticos Ernesto de Souza Campos e Zeferino Vaz. A reconstrução de suas trajetórias expõe um processo de transferência de
concepções de mundo e de instituições científicas marcado, ao final do período,
pela política: a perseguição ao comunismo na universidade, pela qual o cenário
científico paulista ajusta-se à hegemonia norte-americana do pós-guerra.
Os ensaios, comentários, diálogos, entrevistas e cartas reunidos neste livro abordam a prática educacional libertadora, vinculando perspectivas pessoais, disciplinares e políticas que delineiam a amplitude humanista da militância pedagógica
freiriana pela criação coletiva do possível inexistente. Contra o fatalismo neoliberal
da inexorabilidade histórica, da redução mecanicista da subjetividade à adaptação
ao que existe e da doutrina da educação como treinamento tecnológico, a formação crítica e progressista pauta-se pela consciência ética e política da responsabilidade humana em recriar a esperança de intervir no real. No diálogo com os destituídos, a educação reinventa-se como trabalho coletivo de descoberta do papel da
subjetividade na história: pedagogia do desejo que visa ao sonho coletivo que se
engaja na luta pelas suas condições de possibilidade, a partir de uma leitura do
mundo que revela o futuro como historicamente problemático, palco possível do
encontro da liberdade com a justiça, da democracia com o socialismo.
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