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Filosofia para todos
Análise e Metafísica - Uma
Introdução à Filosofia
Peter F. Strawson
Tradução: Armando Mora de Oliveira
Discurso Editorial (Tel. 0/xx/11/3814-5383)
186 págs., R$ 20,00
Uma Breve Introdução
à Filosofia
Thomas Nagel
Tradução: Silvana Vieira
Martins Fontes (Tel. 0/xx/11/3241-3677)
114 págs., R$14,50
DANILO MARCONDES
Dentre as várias áreas do saber e formas
de discurso, a filosofia sempre teve uma
aura própria, sendo vista como algo que
não sabemos bem o que é, nem para o
que serve, mas que consideramos importante e profundo, algo ao mesmo tempo
fascinante e difícil ou quase inacessível.
Com efeito, como introduzir ou apresentar a filosofia para aqueles que a desconhecem tem sido sempre um dos maiores desafios de filósofos e professores de
filosofia.
Na Grécia Antiga já se encontrava a distinção entre uma "filosofia exotérica", dirigida ao grande público, o público leigo,
e uma "filosofia esotérica", voltada para o
público especializado, os iniciados e discípulos da escola. Os diálogos de Platão
pertencem ao primeiro grupo e os textos
de Aristóteles ao segundo, o que claramente explica a diferença de estilo entre
os dois autores e torna muito mais
atraente, do ponto de vista do estilo, a leitura de Platão.
Na verdade, grandes obras de grandes
filósofos podem também ser utilizadas
como textos introdutórios, e algumas foram escritas, ao menos em parte, com esse objetivo. É uma marca de sua genialidade poderem ser lidas em vários níveis e
funcionar tanto como introdução quanto
uma leitura mais especializada e aprofundada. Os "Diálogos", de Platão, as
"Confissões", de Santo Agostinho, o
"Discurso do Método", de Descartes, são
exemplos de textos que tanto podem ser
lidos por alunos do primeiro período de
filosofia quanto discutidos em um seminário de pós-graduação.
Há duas formas tradicionais de introduzir a filosofia. A primeira é através da
história, apresentando a tradição filosófica, suas continuidades e rupturas, desde
o seu surgimento até os dias de hoje, que
tem como grande vantagem o fato de que
a própria história já fornece o elo ou nexo
para a apresentação dos filósofos, das
correntes filosóficas e dos grandes temas
de que trataram.
A segunda é temática, tomando os
grandes temas e problemas da filosofia,
como o conhecimento, a liberdade e a
justiça, a verdade e o bem, e examinando
as principais respostas e formas de tratamento desses temas que encontramos na
filosofia.
Ambos os livros discutidos aqui pertencem a este segundo grupo, a introdução à filosofia de caráter temático. Enquanto a história da filosofia segue as relações entre os filósofos encontradas na
tradição, até mesmo quando pretende
questionar essas relações, e geralmente
há um elevado grau de coincidência entre
os filósofos considerados, as introduções
temáticas tendem a ser de caráter mais
pessoal e refletem sempre uma escolha
do autor, seja nos temas que aborda, seja
na forma de tratá-los.
Embora isso geralmente as torne mais
criativas e inovadoras, permitindo ao autor uma forma mais original e própria de
apresentar a filosofia, por outro lado pode fazer com que precisamente esse caráter mais pessoal seja uma limitação e que
os temas escolhidos ou o enfoque adotado nem sempre correspondam a um interesse mais amplo. As introduções de
caráter histórico, porque têm a tradição
como ponto de partida, estão menos sujeitas a variações desse tipo, e os principais períodos, autores e correntes serão
quase que invariavelmente examinados.
Filosofia analítica
O livro "Análise e Metafísica", de Peter
Strawson, publicado originalmente em
inglês em 1992, tem como subtítulo precisamente "Uma Introdução à Filosofia".
Com efeito, não fora pelo subtítulo, dificilmente qualquer leitor consideraria
uma obra intitulada "Análise e Metafísica" de caráter introdutório. Strawson,
nascido em 1919, é um dos principais filósofos ingleses vivos. Professor em Oxford, foi interlocutor dos mais importantes pensadores do início da filosofia analítica na Inglaterra, como Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein, bem como do
grupo que se convencionou chamar de
"filósofos de Oxford" ou filósofos da linguagem ordinária, como Gilbert Ryle e
John Austin.
"Análise e Metafísica" é uma introdução à filosofia mediante o exame de algumas de suas questões centrais, no estilo
de análise conceitual de que Strawson é
um dos principais representantes e para
o qual tem trazido uma grande contribuição. Toma como ponto de partida algumas imagens tradicionais da filosofia, como a concepção de terapia e a de análise
como decomposição, e alguns dos métodos e procedimentos básicos de se fazer
filosofia na vertente analítica que define
como redução e conexão.
Realiza o que poderíamos chamar de
um exercício filosófico de discussão de
questões-chave e de conceitos centrais da
epistemologia, da ontologia e da lógica,
tais como experiência, verdade, conhecimento, significado, causalidade e necessidade. A grande vantagem do texto consiste então em fazer o leitor passar por
um exercício de aplicação do método de
análise conceitual, tal como proposto no
início por Strawson, podendo efetivamente experimentar seu potencial elucidativo e seu resultado esclarecedor.
Sua limitação principal está talvez na
escolha dos temas, praticamente deixando de lado, por exemplo, questões de ética e filosofia política, que constituem hoje alguns dos principais interesses do debate filosófico contemporâneo e para as
quais a filosofia analítica tem contribuído
de modo significativo. Porém essa escolha temática é deixada clara desde o início
e se reflete no próprio título da obra. Em
linguagem clara e acessível, sem com isso
comprometer o rigor analítico, certamente trata-se de uma introdução à filosofia que despertará o interesse do leitor
pelo método analítico e por uma leitura
mais aprofundada dos temas tratados,
cumprindo assim de modo eficaz o papel
a que se propõe.
Thomas Nagel, autor de "Uma Breve
Introdução à Filosofia", nascido em 1937
e professor na New York University, é um
dos mais originais filósofos americanos
contemporâneos. O título em inglês do livro publicado em 1987 é "What Does it
All Mean?". Imagino que o editor brasileiro quis evitar um título cuja tradução,
"Qual o Significado de Tudo Isso?", talvez
fosse de menor apelo a nosso leitor.
Como é dito logo no início, trata-se de
uma introdução direta a nove problemas
filosóficos: o conhecimento da realidade,
a relação com outras mentes, o dualismo
mente-corpo, a questão do significado
das palavras, o conceito de livre-arbítrio,
a distinção entre certo e errado, o conceito de justiça, o problema da morte e o
sentido da vida. Sem dúvida, questões
fundamentais e que cobrem praticamente todas as grandes áreas temáticas da filosofia, com a exceção talvez da estética.
Desse ponto de vista, os temas tratados
são mais abrangentes do que os do livro
de Strawson. Os capítulos são também
mais curtos e a linguagem mais simples,
recorrendo quase sempre a exemplos do
cotidiano e a um estilo tão coloquial
quanto possível em um livro de filosofia.
Ambas as introduções compartilham,
contudo, do mesmo rigor analítico e da
mesma clareza no tratamento das questões. Nagel divide ainda com Strawson a
preocupação em apresentar uma posição
filosófica, no seu caso o realismo, argumentando em favor dela, e não fazendo
apenas uma apresentação genérica dos
problemas, o que é frequente em introduções à filosofia. Isso traz a vantagem de
colocar o leitor em contato direto com o
trabalho conceitual e argumentativo da
filosofia.
Em ambos os casos as traduções são
competentes, preservando a clareza e a
precisão do original, assim como o projeto gráfico é bem cuidado e a impressão,
de muito boa qualidade. Contudo, um índice remissivo teria sido útil, facilitando a
consulta, principalmente em se tratando
de obras introdutórias.
A difícil arte de dar os primeiros passos
em filosofia passa a contar então agora
com dois excelentes guias para esse caminho.
Danilo Marcondes de Souza Filho é professor
do departamento de filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
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