São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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Filosofia para todos

Análise e Metafísica - Uma Introdução à Filosofia
Peter F. Strawson
Tradução: Armando Mora de Oliveira
Discurso Editorial (Tel. 0/xx/11/3814-5383)
186 págs., R$ 20,00

Uma Breve Introdução à Filosofia
Thomas Nagel
Tradução: Silvana Vieira
Martins Fontes (Tel. 0/xx/11/3241-3677)
114 págs., R$14,50

DANILO MARCONDES

Dentre as várias áreas do saber e formas de discurso, a filosofia sempre teve uma aura própria, sendo vista como algo que não sabemos bem o que é, nem para o que serve, mas que consideramos importante e profundo, algo ao mesmo tempo fascinante e difícil ou quase inacessível. Com efeito, como introduzir ou apresentar a filosofia para aqueles que a desconhecem tem sido sempre um dos maiores desafios de filósofos e professores de filosofia.
Na Grécia Antiga já se encontrava a distinção entre uma "filosofia exotérica", dirigida ao grande público, o público leigo, e uma "filosofia esotérica", voltada para o público especializado, os iniciados e discípulos da escola. Os diálogos de Platão pertencem ao primeiro grupo e os textos de Aristóteles ao segundo, o que claramente explica a diferença de estilo entre os dois autores e torna muito mais atraente, do ponto de vista do estilo, a leitura de Platão.
Na verdade, grandes obras de grandes filósofos podem também ser utilizadas como textos introdutórios, e algumas foram escritas, ao menos em parte, com esse objetivo. É uma marca de sua genialidade poderem ser lidas em vários níveis e funcionar tanto como introdução quanto uma leitura mais especializada e aprofundada. Os "Diálogos", de Platão, as "Confissões", de Santo Agostinho, o "Discurso do Método", de Descartes, são exemplos de textos que tanto podem ser lidos por alunos do primeiro período de filosofia quanto discutidos em um seminário de pós-graduação.
Há duas formas tradicionais de introduzir a filosofia. A primeira é através da história, apresentando a tradição filosófica, suas continuidades e rupturas, desde o seu surgimento até os dias de hoje, que tem como grande vantagem o fato de que a própria história já fornece o elo ou nexo para a apresentação dos filósofos, das correntes filosóficas e dos grandes temas de que trataram.
A segunda é temática, tomando os grandes temas e problemas da filosofia, como o conhecimento, a liberdade e a justiça, a verdade e o bem, e examinando as principais respostas e formas de tratamento desses temas que encontramos na filosofia.
Ambos os livros discutidos aqui pertencem a este segundo grupo, a introdução à filosofia de caráter temático. Enquanto a história da filosofia segue as relações entre os filósofos encontradas na tradição, até mesmo quando pretende questionar essas relações, e geralmente há um elevado grau de coincidência entre os filósofos considerados, as introduções temáticas tendem a ser de caráter mais pessoal e refletem sempre uma escolha do autor, seja nos temas que aborda, seja na forma de tratá-los.
Embora isso geralmente as torne mais criativas e inovadoras, permitindo ao autor uma forma mais original e própria de apresentar a filosofia, por outro lado pode fazer com que precisamente esse caráter mais pessoal seja uma limitação e que os temas escolhidos ou o enfoque adotado nem sempre correspondam a um interesse mais amplo. As introduções de caráter histórico, porque têm a tradição como ponto de partida, estão menos sujeitas a variações desse tipo, e os principais períodos, autores e correntes serão quase que invariavelmente examinados.

Filosofia analítica
O livro "Análise e Metafísica", de Peter Strawson, publicado originalmente em inglês em 1992, tem como subtítulo precisamente "Uma Introdução à Filosofia". Com efeito, não fora pelo subtítulo, dificilmente qualquer leitor consideraria uma obra intitulada "Análise e Metafísica" de caráter introdutório. Strawson, nascido em 1919, é um dos principais filósofos ingleses vivos. Professor em Oxford, foi interlocutor dos mais importantes pensadores do início da filosofia analítica na Inglaterra, como Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein, bem como do grupo que se convencionou chamar de "filósofos de Oxford" ou filósofos da linguagem ordinária, como Gilbert Ryle e John Austin.
"Análise e Metafísica" é uma introdução à filosofia mediante o exame de algumas de suas questões centrais, no estilo de análise conceitual de que Strawson é um dos principais representantes e para o qual tem trazido uma grande contribuição. Toma como ponto de partida algumas imagens tradicionais da filosofia, como a concepção de terapia e a de análise como decomposição, e alguns dos métodos e procedimentos básicos de se fazer filosofia na vertente analítica que define como redução e conexão.
Realiza o que poderíamos chamar de um exercício filosófico de discussão de questões-chave e de conceitos centrais da epistemologia, da ontologia e da lógica, tais como experiência, verdade, conhecimento, significado, causalidade e necessidade. A grande vantagem do texto consiste então em fazer o leitor passar por um exercício de aplicação do método de análise conceitual, tal como proposto no início por Strawson, podendo efetivamente experimentar seu potencial elucidativo e seu resultado esclarecedor.
Sua limitação principal está talvez na escolha dos temas, praticamente deixando de lado, por exemplo, questões de ética e filosofia política, que constituem hoje alguns dos principais interesses do debate filosófico contemporâneo e para as quais a filosofia analítica tem contribuído de modo significativo. Porém essa escolha temática é deixada clara desde o início e se reflete no próprio título da obra. Em linguagem clara e acessível, sem com isso comprometer o rigor analítico, certamente trata-se de uma introdução à filosofia que despertará o interesse do leitor pelo método analítico e por uma leitura mais aprofundada dos temas tratados, cumprindo assim de modo eficaz o papel a que se propõe.
Thomas Nagel, autor de "Uma Breve Introdução à Filosofia", nascido em 1937 e professor na New York University, é um dos mais originais filósofos americanos contemporâneos. O título em inglês do livro publicado em 1987 é "What Does it All Mean?". Imagino que o editor brasileiro quis evitar um título cuja tradução, "Qual o Significado de Tudo Isso?", talvez fosse de menor apelo a nosso leitor.
Como é dito logo no início, trata-se de uma introdução direta a nove problemas filosóficos: o conhecimento da realidade, a relação com outras mentes, o dualismo mente-corpo, a questão do significado das palavras, o conceito de livre-arbítrio, a distinção entre certo e errado, o conceito de justiça, o problema da morte e o sentido da vida. Sem dúvida, questões fundamentais e que cobrem praticamente todas as grandes áreas temáticas da filosofia, com a exceção talvez da estética. Desse ponto de vista, os temas tratados são mais abrangentes do que os do livro de Strawson. Os capítulos são também mais curtos e a linguagem mais simples, recorrendo quase sempre a exemplos do cotidiano e a um estilo tão coloquial quanto possível em um livro de filosofia.
Ambas as introduções compartilham, contudo, do mesmo rigor analítico e da mesma clareza no tratamento das questões. Nagel divide ainda com Strawson a preocupação em apresentar uma posição filosófica, no seu caso o realismo, argumentando em favor dela, e não fazendo apenas uma apresentação genérica dos problemas, o que é frequente em introduções à filosofia. Isso traz a vantagem de colocar o leitor em contato direto com o trabalho conceitual e argumentativo da filosofia.
Em ambos os casos as traduções são competentes, preservando a clareza e a precisão do original, assim como o projeto gráfico é bem cuidado e a impressão, de muito boa qualidade. Contudo, um índice remissivo teria sido útil, facilitando a consulta, principalmente em se tratando de obras introdutórias.
A difícil arte de dar os primeiros passos em filosofia passa a contar então agora com dois excelentes guias para esse caminho.


Danilo Marcondes de Souza Filho é professor do departamento de filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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