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BORIS FAUSTO
A extrema direita francesa
O inquietante avanço da extrema direita francesa, no primeiro
turno das eleições presidenciais, pode
ser melhor entendido se lembrarmos
alguns dados da história política do
país.
Tradicionalmente, fixou-se uma
imagem dominante dessa história. As
idéias liberais que floresceram nas últimas décadas do século 18 e, principalmente, a Revolução Francesa de
1789 fizeram com que a história da
França dos dois últimos séculos fosse
associada aos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade. Não por acaso, monarquias absolutistas na Europa e em suas colônias reprimiram movimentos sociais e pessoas que expressavam as perigosas "idéias francesas".
Mas há outra vertente na história
política da França, resultante, entre
outras razões, do impacto provocado
pela revolução, em que não só velhos
princípios como também muitas cabeças rolaram. Essa vertente tem como um de seus ramos o extremismo
nacionalista, racista e antidemocrático, cuja ressonância popular nunca foi
desprezível, desde seus primeiros
tempos, nos últimos anos do século
19.
A partir dos anos 30 do século passado, a extrema direita coloriu-se com
tintas fascistas, enquadrando-se em
organizações como o Partido Popular
Francês, de Jacques Doriot, as diferentes Ligas Revolucionárias, a Ação
Francesa, de Charles Maurras, que vinha do início do século. Sua ação não é
estranha à derrota da França diante do
nazismo na Segunda Guerra Mundial
e tem muito a ver com a França de
Vichy, do marechal Pétain a Pierre Laval, dos colaboracionistas que realizaram tarefas racistas repressivas, com
um zelo ditado por profundas convicções ideológicas.
Le Pen e a Frente Nacional recolheram essa herança, adaptando sua fraseologia e suas intenções aos novos
tempos. Nacionalista, Le Pen ataca a
União Européia e apela ao ressurgimento de uma França vítima da modernização -a França das profissões
e das indústrias tradicionais, em vias
de desaparecimento. Racista, o líder
da extrema direita encontra um terreno fértil na associação dos judeus e
dos imigrantes -especialmente os
árabes- à idéia de desaparição de
uma França mítica, em que cada cidadão francês, supostamente, tinha uma
atividade estável e um lugar ao sol.
Como diz Nicolas Weill ("Le Monde", 25/4/02), o discurso de Le Pen revela uma concepção naturalista, ou
mesmo biológica da sociedade, em
que a filiação conta mais do que a
competência, como demonstra a insistência no tema da "preferência nacional" ao emprego. Revela também
uma visão de decadência do país,
ameaçado de morte pelo sangue impuro e pela ação conspiratória dos
lobbies, a serviço do grande capital, o
que rende bons dividendos entre gente deslocada social e psicologicamente.
Essas breves indicações servem para
lembrar que a extrema direita tem raízes na história da França e que sua
atração populista não pode ser desprezada. Se algum mérito teve o êxito
da Frente Nacional, foi o de ter despertado a consciência majoritária da
França republicana e democrática.
Oxalá essa consciência se mantenha
viva e atuante, depois que o grande
susto tiver passado.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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