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+Literatura
Agente duplo
Consultor de James Cameron em "Titanic" e "Avatar", autor americano
é acusado de ter inventado
informações
em seu novo livro e sobre
si mesmo
MOTOKO RICH
As editoras de livros
se veem há muito
tempo como guardiãs da cultura literária. Mas, quando
não estão atentas, a verdade
com frequência acaba sendo
deixada em segundo plano.
Na semana passada a editora
Henry Holt & Company deixou
de imprimir e vender "The Last
Train From Hiroshima" (O Último Trem de Hiroshima), sobre o bombardeio atômico do
Japão, porque seu autor baseou parte do livro em uma
fonte fraudulenta e, possivelmente, inventou outras fontes.
Não é a primeira vez que
uma editora é humilhada pelo
trabalho de um autor cuja veracidade não é verificada. Mas esse caso ocorre quando o papel
tradicional dos editores se encontra sob pressão econômica
e tecnológica.
Com a ascensão dos livros
eletrônicos, fabricantes de aparelhos de leitura e varejistas
on-line estão exercendo pressão sobre os preços e sobre o
modelo tradicional do setor.
E, assim como acontece com
gravadoras e jornais, a mídia
digital levanta a questão do papel que a editora de livros tradicional vai exercer no futuro.
No livro em questão, seu autor, Charles Pellegrino, disse
que foi enganado por uma fonte e insistiu em que outras fontes que a editora pôs em dúvida
existem de fato.
As editoras dizem que, em
última análise, a responsabilidade por erros e falsidades fabricadas deve ser do autor.
"Não seria humanamente
possível fazer a checagem factual do conteúdo de livros, do
mesmo modo como pode ser
feito com artigos de revistas,
devido à extensão dos textos",
disse Robert A. Gottlieb, editor
renomado que trabalhou para a
editora Alfred A. Knopf e para a
"The New Yorker".
Em muitos casos recentes,
porém, a impressão que se tem
é que os editores não fizeram
perguntas básicas aos autores,
simplesmente aceitando as
versões destes com fé cega.
É o notório caso de James
Frey, que inventou detalhes
em seu livro autobiográfico sobre dependência química, "Um
Milhão de Pedacinhos", que ganhou o endosso da apresentadora de TV Oprah Winfrey.
"Há uma linha nebulosa entre "verdade" e invenção na não
ficção criativa, mas bons escritores não precisam inventar
coisas", disse Jeffrey Porter,
professor de escrita de não ficção na Universidade de Iowa.
No caso de Pellegrino, cujo
livro afirmava expor um acidente secreto que teria acontecido com a primeira bomba
atômica, Porter escreveu: "Talvez a ideia de dar um furo tenha sido irresistível. Mas alguém deveria ter sido cético".
Pellegrino disse ter confiado
na informação obtida de uma
fonte, Joseph Fuoco, que afirmou ter sido substituto de último minuto de um engenheiro
de voo em um dos aviões que fizeram a escolta do Enola Gay, a
aeronave que despejou a bomba atômica sobre Hiroshima.
No final do mês passado,
cientistas, historiadores e veteranos denunciaram Fuoco como impostor, dizendo que ele
não participou da missão.
Embuste
As dúvidas em relação ao livro só foram manifestadas após
ter sido publicado e de leitores
terem feito queixas. A editora
disse que publicaria edições
corrigidas, removendo as referências a Fuoco.
Mas então a Holt começou a
examinar informações que recebeu sobre a possibilidade de
outras pessoas mencionadas
no livro não terem existido.
Também começou a examinar uma controvérsia em relação ao Ph.D de Pellegrino, ao
qual o autor se refere com destaque em seu site e na biografia
contida no livro.
Pellegrino disse que recebeu
o doutorado na Universidade
Victoria (Nova Zelândia), no
início dos anos 1980, e que teria
sido destituído dele alguns
anos mais tarde em razão de
uma discordância sobre teoria
evolucionária com membros
do departamento.
"O tópico se tornou alvo de
muitas desavenças acaloradas
em 1982", disse Pellegrino por
telefone.
Pat Walsh, vice-reitor da universidade, disse que as alegações de Pellegrino são "destituídas de fundamento e difamatórias" e que a universidade
nunca lhe concedeu o título de
doutor.
A agente literária de Pellegrino, Elaine Markson, e seu editor na Holt, John Macrae, disseram que não viram razões para checar suas credenciais.
"Nunca questionei sua base
de conhecimentos científica,
porque ele estava trabalhando
em pesquisas sobre o Titanic e
outras pesquisas com laboratórios", disse Markson, referindo-se a seus livros anteriores.
O escritor também levou algum glamour cinematográfico
a seu projeto: tinha dado consultoria ao diretor James Cameron nos filmes "Titanic" e
"Avatar", e Cameron tinha
comprado a opção de transpor
"Last Train" para o cinema, em
um filme sobre o bombardeio
de Hiroshima e Nagasaki.
Por telefone, Pellegrino falou
repetidamente sobre seus defensores, incluindo Stephen
Jay Gould, que morreu em
2002, mas que, segundo Pellegrino, sabia que ele tinha sofrido perseguição acadêmica.
Resenhas elogiosas
Os detratores dizem que sua
reputação editorial era controversa. Escrevendo em 2000 para o "New York Times Book Review" sobre "Ghosts of the Titanic" [Fantasmas do Titanic],
Michael Parfit disse que o livro
"despreza a maioria dos princípios da erudição científica".
Mas os críticos ficaram bem
impressionados com seu livro
mais recente e não questionaram os fatos. Tanto "The Times" quanto "The Washington
Post" publicaram resenhas positivas de "O Último Trem".
Richard Rhodes, ganhador
do Pulitzer por "The Making of
the Atomic Bomb" [A Construção da Bomba Atômica], disse
que, se tivesse sido editor de
Pellegrino, "teria feito muito
mais perguntas do que evidentemente foram feitas, pois se
trataria de uma mudança radical no registro histórico".
A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Clara Allain.
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