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BIENAL DO LIVRO
Destaque de hoje no Salão de Idéias, a escritora paulista fala do mistério da criação literária e de sua nova obra, em que recupera 22 textos antes dispersos
Um chá com Lygia
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Não é a porta grande. É a pequena. Fica no largo, lá no alto."
Pelo telefone, Lygia Fagundes
Telles descreve como chegar ao
prédio da Academia Paulista de
Letras. No edifício branco do largo do Arouche, o porteiro indica
o elevador: "Segundo andar".
O elevador. Os retratos nas paredes. O ambiente parece de certa
forma suspenso em uma dimensão do tempo que não a do centro
de São Paulo, com sua "rotina devoradora de banco e correio", como diria a própria Lygia.
A elasticidade da memória, que
junta lembranças de épocas distintas, é o fio que une os artigos de
"Durante Aquele Estranho Chá",
o livro que motivara o encontro.
É quinta-feira, dia de chá na
academia. A porta entreaberta
deixa ver, no salão ao lado, colegas de Lygia numa discussão animada, em frente a uma mesa posta com salgadinhos, café. A escritora chega e pede chá.
No domingo seguinte -ontem- Lygia apresentaria o novo
título no estande de sua editora na
Bienal do Livro de São Paulo. Hoje, também na Bienal, ela tem encontro com o amigo Carlos Heitor Cony e com o público do Salão
de Idéias, no evento Meninos Eu
Li (E Escrevi), às 18h.
"Durante Aquele Estranho
Chá", o artigo que dá nome ao livro, coloca Lygia em frente de
Mário de Andrade, nos anos 40,
nos salões da confeitaria Vienense, "ao som de violinos e piano".
"Lá sei se estou sendo exata com
os fatos, mas as emoções, essas
sim, são as mesmas que passo a
narrar em seguida", escreve.
A combinação de memória e invenção, que batiza reunião de textos publicada em 2000, está presente na nova coletânea e está no
discurso da autora. É possível a
rememoração objetiva, na literatura? É possível delimitar precisamente os gêneros literários?
"É muito complicada essa caracterização. Você pode dizer, você disse, memórias. E se eu inventar, nas minhas memórias, eu tenho o direito?", inquire.
"Memória e imaginação, essa
constante invasora", evoca Lygia
no afetuoso texto dedicado à amiga Hilda Hilst em "Durante Aquele Estranho Chá".
Pelas páginas do livro e pela tessitura de lembrança e ficção da
autora, passeiam também Clarice
Lispector, Simone de Beauvoir,
Carlos Drummond de Andrade,
Glauber Rocha, Jorge Amado.
Esses e outros personagens convivem com relatos de viagens,
com o discurso de posse na Academia Brasileira de Letras -onde
ocupa, desde 1985, a cadeira apadrinhada pelo poeta baiano Gregório de Mattos.
Ao cineasta Paulo Emilio Salles
Gomes, seu segundo marido, dedica o emocionado "Um Retrato".
Lygia fala da sensação de redescoberta gerada pela proposta do
novo livro (o qual, no dia da entrevista, ainda não vira pronto).
"A idéia desse moço, Suênio
Campos de Lucena, de coletar esses textos (de 58, 69, 70, 77, 74, 67,
essas datas todas assim), é boa,
porque reencontrei os artigos.
Acho que foi o Augusto de Campos que disse: "O jornal é o cemitério dos artigos". A maior parte
desses artigos foram publicados
em jornais. Então eles foram reconduzidos a mim."
A criação da literatura, essa é
um mistério. Foi perseguindo
suas razões que a jovem Lygia interrogou Mário de Andrade, durante aquele estranho chá. Concluiu que ele não tinha respostas
para aquela moça de boina que
dizia "me fale, Mário" e ouvia de
volta "mas falar do quê, Lygia?".
Durante esse não menos estranho chá, a autora pondera: "Nesse
Salão de Idéias, vão perguntar sobre o mistério da criação -que
continua um mistério. Porque a
natureza humana, por mais que
eu tente me aproximar dela, é incontrolável e inexplicável."
"Agora entendo como o Mário
sorria e se esgueirava. Porque ele
não podia responder, como eu
não estou podendo responder hoje. São perguntas que não têm respostas claras, porque na própria
natureza profunda dessas perguntas está a ambiguidade. É
bom? É ruim? A gente não pode
separar as coisas como nos laboratórios de química."
"Tudo depende do acaso e do
imprevisto", diria, dias mais tarde, ao telefone, querendo somar à
entrevista uma declaração.
"Gosto muito de Wittgenstein",
diz, soletrando o nome do filósofo
austríaco (1889-1951). "Ele diz
uma das coisas mais lindas da filosofia: "O conhecimento é uma
ilha cercada de um oceano de
mistério. Prefiro o mistério à ilha".
Eu também penso assim."
DURANTE AQUELE ESTRANHO CHÁ
-0PERDIDOS E ACHADOS - de Lygia
Fagundes Telles (org. Suênio Campos de
Lucena). Editora: Rocco (tel. 0/xx/21/
2507-2000). 206 págs. R$ 20.
MENINOS EU LI (E ESCREVI) - Lygia
Fagundes Telles e Carlos Heitor Cony
falam sobre criação literária. Quando:
hoje, às 18h. Onde: Salão de Idéias da
Bienal do Livro.
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