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ANIVERSÁRIO
Godard, Truffaut e outros nomes do movimento sacramentaram idéia de que o autor do filme deve ser o diretor
Há 40 anos a nouvelle vague ronda o cinema
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Para alguns, a decadência do cinema francês começou ali. Para
outros, foi o momento em que o cinema adquiriu plena consciência
de sua modernidade.
O certo é que há 40 anos a nouvelle vague é esse espectro que ronda
o cinema mundial.
Os jovens críticos franceses que
se lançaram na direção a partir de
"Nas Garras do Vício", de Claude
Chabrol, no ano seguinte preparariam dois outros trabalhos que dariam ao movimento, a partir de
1959, uma dimensão explosiva:
"Os Incompreendidos", de François Truffaut, e "O Acossado", de
Jean-Luc Godard.
De início, o público encheu as salas de exibição para ver os filmes
desses hereges que se dispunham a
trabalhar com pequenos orçamentos, atores desconhecidos, cenários naturais, histórias coloquiais,
equipamentos leves.
A nouvelle vague voltava as costas ostensivamente ao cinema
francês "de qualidade", rejeitava a
herança dos estúdios, incorporava
a influência do cinema americano.
Na verdade, o movimento já se
anunciara alguns anos antes, na
revista "Cahiers du Cinéma", onde
um grupo de jovens críticos
-além de Chabrol, Truffaut e Godard, Eric Rohmer e Jacques Rivette- começou a atacar sem piedade os velhos ídolos -a começar
por Henri-Georges Clouzot- e
afirmar que as escolas realmente
importantes do pós-guerra eram a
italiana e a americana.
Levavam para as telas as idéias
do teórico André Bazin, seu "maître à penser", e o inconformismo
com um cinema francês que, segundo eles, era incapaz de se deter
sobre pessoas comuns ou de compor diálogos semelhantes aos que
se escutavam nas ruas.
Para além delas, era a primeira
vez que um movimento cinematográfico partia da experiência de espectadores -eram todos cinéfilos. Não é um detalhe secundário:
o cinema passava então a ser feito
voltando-se sobre si mesmo, esmiuçando e revisando seu passado. Assumia-se como arte adulta.
O primeiro momento foi de lua-de-mel. O público lotou as salas, a
crítica assinou embaixo. Já na virada da década de 50, no entanto, a
situação se inverte: os segundos filmes de Truffaut ("Atire no Pianista") e Godard ("Uma Mulher É
uma Mulher") não andam bem.
Rohmer e Rivette (com "O Signo
do Leão" e "Paris Nous Appartient", respectivamente) fracassam em sua estréia. A nouvelle vague começa a ser acusada de coveira do cinema francês.
Tarde demais, em todo caso. O
movimento já agregara uma série
de jovens cineastas que originalmente não faziam parte do grupo
-Alain Resnais, Agnès Varda,
Jacques Demy, Louis Malle- e se
rearma, levando adiante uma
guerra do novo contra o velho.
Paralelamente, o modo livre de
filmar -a recusa de regras, a liberdade de experimentação- influencia quase todo o jovem cinema mundial e favorece o desenvolvimento de movimento afins, como o cinema novo, no Brasil, a
nouvelle vague japonesa, o free cinema inglês e a escola de Nova
York, nos EUA.
Ao longo dos anos 60, a política
cinematográfica dá unidade ao
grupo. Saem às ruas para sustentar
Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, a quem o ministro da Cultura, André Malraux,
tenta exonerar, no início de 1968.
Atacam Malraux, seja por esse episódio, seja pela censura que impõe
a certos filmes ("Uma Mulher Casada", de Godard, "A Religiosa",
de Rivette).
É em 68, também, que a unidade
do movimento se rompe. Godard
adere ao cinema militante, funda o
Grupo Dziga Vertov e renega sua
obra "burguesa". Em 72, Godard e
Truffaut rompem, quando o primeiro desaprova com todas as letras "A Noite Americana". Truffaut retruca com igual violência.
Os dois não mais se reconciliariam
até a morte de Truffaut, em 84.
Daí por diante, cada qual segue
seu caminho. O movimento como
tal está acabado, inclusive as cumplicidades de juventude. Torna-se
mais fácil, então, perceber que, para além daquilo que os unia, cada
cineasta desenvolvera uma obra
pessoal, com poucas relações com
a de seus colegas.
Hoje, a herança da nouvelle vague, aquilo que a unia, parece vir
menos dos interesses comuns do
que do fato de ter introduzido um
novo sistema de produção, com
características em larga medida
inéditas, e de ter sacramentado a
idéia de que o autor do filme
-aquele que responde por sua
concepção- deve ser o diretor e
não mais o produtor.
Uma concepção que não nega,
afinal, a origem dos criadores dessa corrente: se eram todos cinéfilos
ferozes, tinham em comum a paixão pela literatura, de onde buscaram a idéia de que cineastas devem
ser artistas, como os escritores, e
não artesãos, como queria a indústria. Uma idéia que ainda dá pano
para manga.
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