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CINEMA/ESTRÉIAS
"A CAMAREIRA DO TITANIC"
O imaginário dá o tom em filme de Bigas Luna
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Se "A Camareira do Titanic"
não é um grande filme, não é
por falta de uma boa história.
A ela: em 1912, Horty, um operário que vive no norte da França,
ganha como prêmio (por vencer
uma corrida) uma viagem à Inglaterra, onde assistirá à partida do
Titanic, em sua viagem inaugural.
Viaja sozinho, já que o patrão
sonega um segundo bilhete, com
o objetivo meio inconfessável de
poder dar em cima da mulher de
Horty em plena liberdade.
Lá chegando, o operário encontra uma mulher, com quem tem
uma alucinante noite de amor. Ela
parte, deixando-lhe uma foto.
Munido da foto, o rapaz volta à
França, onde se sente quase forçado a contar aos amigos os detalhes de sua fabulosa viagem.
Aqui, no entanto, começam as
dúvidas. Quem era a mulher que
o visitou? Seria ela de fato uma camareira do Titanic (e teria morrido durante o naufrágio do navio)?
Ou será que Horty criou toda essa
história motivado pelo ciúme, pela hipótese de que a mulher, em
sua ausência, teria transado com
o patrão?
Estamos, já se vê, no território
da melhor literatura fantástica do
século 20: aquela que trata da incidência do imaginário sobre a realidade (e vice-versa).
A base aqui é uma história do
escritor Didier Decoin. O melhor
que essa linhagem criou vem,
provavelmente, da América Latina e nos é bem familiar: Borges,
Bioy Casares, Cortázar são expoentes desse tipo de trabalho
que, em última análise, sugere
que o homem talvez não seja mais
do que um ser imaginário.
No cinema, esse veio foi explorado sobretudo por Alain Resnais
("Hiroshima, Meu Amor", "O
Ano Passado em Marienbad"),
mas não só, e conduz a uma indagação instigante sobre os limites
da ortodoxia realista no cinema.
Isto é: o cinema reproduz o mundo tal e qual. Mas que mundo é esse? Existirá ele de fato?
Se Bigas Luna não leva às últimas consequências o tipo de reflexão sugerido pelo texto (do
qual ele é um dos roteiristas), é em
parte por se deixar seduzir pelas
convenções do filme de arte, em
parte por não conseguir abdicar
da vulgaridade no que tange às relações sexuais.
Como "A Camareira" é um filme no fim das contas pudico, essa
vulgaridade se torna um tanto
mais gritante e banal, ao mesmo
tempo. Se explora bem outra de
suas preferências -os atores ambulantes-, Bigas Luna permite
que as sugestões de seu roteiro de
alguma maneira se percam sob as
normas do bem fazer.
A Camareira do Titanic
La Femme de Chambre du Titanic
Produção: Itália/França/Espanha,1997
Direção: Bigas Luna
Com: Olivier Martinez, Romane Bohringer, Aitana Sánchez Gijón
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco
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