São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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FUTEBOL

Crime e castigo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Certa vez perguntaram a Ernest Hemingway o que poderia atrapalhar a carreira de um escritor. "Dinheiro, bebida, mulheres", respondeu ele. "E também falta de dinheiro, falta de bebida e falta de mulheres."
Penso que mais ou menos a mesma coisa pode valer para a carreira dos jogadores de futebol. Digo "mais ou menos" porque há os jogadores que não gostam de bebida e também, suponho, os que não gostam de mulheres. De dinheiro todos gostam.
Tudo é uma questão de medida. Cada um deve ter liberdade de fazer o que quiser, desde que não prejudique os outros.
Estou lembrando essas obviedades porque o grave acidente provocado pelo atacante Guilherme, do Corinthians, desencadeou discursos e comentários que merecem algum ordenamento.
De um lado, surgiram as reações moralistas de praxe, identificando o álcool e as mulheres como o mal em si -demônios a serem exorcizados pela religião e pelo bom-mocismo.
No extremo oposto, falou-se muito do "drama que o jogador vem sofrendo", como se Guilherme fosse vítima de uma conjuração do acaso.
Objetivamente, entretanto, o jogador cometeu um crime. Por causa de seu comportamento imprudente (para dizer o mínimo), duas pessoas perderam a vida.
A "culpa" não foi da bebida, e muito menos das mulheres. O problema foi misturar uma dessas coisas (a bebida) com uma terceira: a condução de um carro numa rodovia. Por tê-las misturado conscientemente, o cidadão Guilherme é responsável pelo que aconteceu e deve ser punido por isso, de acordo com o que diz a lei, como qualquer cidadão.
Ao jogador de futebol, em suma, não cabe nem menos nem mais que a qualquer outro sujeito. Não merece nem o preconceito, nem o paternalismo.
Nem tudo é tão simples, porém. Quando se trata de um astro de um time de massa, como é Guilherme, seu caso ganha uma platéia de dimensões quase insuportáveis.
É como se o julgamento do atleta não se desse no espaço limitado de um tribunal, mas a céu aberto, diante de milhares de pessoas, a cada vez que entra em campo com seu time.
Mais do que o veredicto do tribunal e o veredicto das arquibancadas, contudo, o julgamento que deve importar a Guilherme é o que ele está fazendo ou fará de si mesmo. É nesse lugar interno, obscuro e indevassável que vigora a moral. O resto é moralismo.

Já que falamos de punição, um dos efeitos mais salutares da renovação política trazida pelas eleições foi o de varrer do Legislativo alguns velhos caciques que sempre se promoveram às custas do futebol.
O caso de Eurico Miranda foi o mais emblemático, não só por tudo o que ele representa mas também por sua reação aos fatos. Segundo ele, a culpa por sua derrota foi "da mídia". Ainda bem que às vezes alguém, ainda que sem querer, reconhece o lado positivo dos meios de comunicação.
Fiquei com vontade de agradecer ao (ainda) deputado pela parte que me toca.
Mas nunca é demais lembrar que essa vitória democrática não terá validade se os atuais derrotados voltarem nas próximas eleições, ou se as mesmas práticas ressurgirem na pele de novos caciques.

Sinais dos tempos
Três dos jogos de hoje -Palmeiras x Juventude, Figueirense x São Paulo e São Caetano x Vasco- são sintomáticos da atual situação do futebol brasileiro. Em outros tempos, os grandes Palmeiras, São Paulo e Vasco seriam considerados francos favoritos. Hoje ocorre quase o contrário. O caso mais dramático é o do Palmeiras, que está em penúltimo e pega o líder Juventude, depois de ter tomado quatro gols.

Toque de classe
Daqui para a frente, todos os jogos são decisivos em alguma medida, seja para a classificação ou o rebaixamento. Mas a partida que mais promete nesta rodada, em termos de futebol bonito, é Cruzeiro x Santos, amanhã. Um dos atrativos do confronto será o duelo entre Alex e Diego, dois dos mais refinados e habilidosos meias-atacantes em atividade hoje no país.

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