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OPINIÃO
Bush é um espião comunista tentando destruir a economia dos EUA
PAUL KRUGMAN
Olhem só minha nova teoria: Michael Oxley [deputado republicano e presidente da
comissão de Finanças da Câmara], Harvey Pitt [presidente da
SEC; a comissão de valores mobiliários dos EUA] e o presidente
George W. Bush são espiões comunistas infiltrados que abriram
caminho até o coração do sistema
capitalista com o objetivo de destrui-lo. De que outra maneira suas
ações poderiam ser explicadas?
É verdade que, em julho, eles
concordaram relutantemente
quanto a um projeto de lei de reforma das corporações, que acalmou, por algum tempo, o pânico
dos investidores. Isso se deve ao
fato de que o objetivo essencial
deles era controlar o Congresso
precisam do máximo de liberdade a fim de arruinar a economia
dos Estados Unidos. Mas encontraram uma resposta melhor, a
seguir.
Os pronunciamentos agressivos
com relação ao Iraque cumprem
uma dupla função. Distraem a
mídia -na quarta-feira, o índice
Dow Jones Industrial recuava 215
pontos, chegando ao seu ponto
mais baixo em cinco anos, e a
confiança dos consumidores caía
a níveis vistos pela última vez em
1996, mas nenhum desses temas
chegou às manchetes dos jornais.
E todos os rumores de guerra ajudam, por si sós, a deprimir os
mercados de ações e a confiança
dos consumidores, solapando
ainda mais a economia.
Golpe de mestre
Mas o golpe de mestre surgiu na
semana passada. À medida que
cresciam as indicações de que a
suposta recuperação havia saído
dos trilhos, os conspiradores destruíram cuidadosamente as reformas corporativas de julho. O jornal [econômico inglês] "Financial
Times informou que não foram
apenas os deputados e senadores
republicanos do Congresso e o
lobby das empresas de auditoria
que bloquearam a indicação de
John Biggs para o comando de
um novo e crucial conselho de supervisão contábil; a Casa Branca
também expressou "preocupação
com o apoio dos sindicatos a
Biggs".
Agora que o melhor candidato
foi humilhado e traído, nenhuma
pessoa de estatura aceitará ocupar
o posto. Isso significa que a reforma corporativa está paralisada,
para todos os efeitos. E se os conspiradores retiverem o controle da
Câmara dos Deputados e reconquistarem o do Senado, poderão
prosseguir com o seu programa
de demolição, afundando o orçamento do país ainda mais em um
déficit de longo prazo, assustando
os pequenos investidores e bloqueando quaisquer medidas práticas que possam tirar a economia
de sua cada vez mais intensa depressão.
Está bem, não tenho certeza absoluta quanto a essa teoria. Existe
outro argumento que poderia explicar o que esses sujeitos estão fazendo. Talvez sejam apenas constitucionalmente incapazes (ou
melhor, já que John Ashcroft está
presente no governo, inconstitucionalmente incapazes) de fazer o
que precisa ser feito.
Descobrimos ao longo dos últimos 12 meses até que ponto o jogo dos negócios moderno se inclina em favor das pessoas bem informadas. O benefício pessoal em
detrimento da empresa se tornou
muito comum: remuneração incrivelmente generosa para os executivos, empréstimos a termos
absurdamente favoráveis e acesso
preferencial a ofertas públicas iniciais de ações eram prática padronizada em muitas empresas que
ainda não se tornaram alvo de investigações da SEC.
E a contabilidade enganosa, que
fez com que o público adquirisse
ações no momento em que as pessoas mais favorecidas começaram
a descarregá-las, deve ter sido
muito mais comum do que se
pensa, de fato.
Nos últimos três anos da bolha
americana, os lucros reportados
pelas corporações dispararam,
mas o indicador geral de lucros
calculado pelo Departamento do
Comércio dos Estados Unidos,
que não é afetado pelas manobras
que as empresas empregam para
maquiar suas contas, praticamente não cresceu.
Para resumir, manipulação era
a regra do jogo. Se quisermos uma
recuperação real, é urgente que os
investidores comuns sejam reassegurados de que esses dias de
maquiagem de contas são coisa
do passado. Mas pode ser difícil
para os atuais líderes do país compreender essa urgência: por toda a
vida deles, foram beneficiados pela manipulação.
O "Wall Street Journal" da última quarta-feira publicou mais
um pedaço da história da Harken
Energy, uma história que oferece
ainda mais indícios de como as
conexões de sua família amaciaram a carreira de negócios do presidente Bush. A principal defesa
que ele oferece contra as acusações de que sua venda de ações da
Harken representa uso indevido
de informações privilegiadas foi
sempre o fato de que, embora as
ações tenham caído seriamente
depois que as vendeu, elas se recuperaram no mercado, apesar
de ter sido apenas temporariamente.
Agora sabemos por que essas
ações se recuperaram. Não foi só
um misterioso convite para prospectar petróleo ao largo da costa
de Bahrain. A Harken também
usou um truque que a Enron imitaria em escala muito maior: ela
tomou dinheiro emprestado para
pagar suas contas, e usou algumas
lacunas nas regras contábeis vigentes para ocultar as dívidas disso resultantes.
O que possibilitou o truque foi o
anjo da guarda da Harken, uma
poderosa instituição controlada
pelo empresário petroleiro Robert Stone, um influente partidário do pai do presidente Bush. A
instituição adquiriu uma grande
participação na Harken logo que
Bush se tornou membro do conselho, e mais tarde se mostrou disposta a fazer o que quer que fosse
preciso para manter a empresa
flutuando.
Entre outras coisas, isso envolveu remover grande parte da dívida do grupo de sua contabilidade,
em troca de ativos de valor um
tanto duvidoso, além de dar à
Harken uma participação na sociedade formada aproximadamente duas vezes superior ao valor de sua contribuição para o capital da parceria.
O nome desse anjo da guarda? O
fundo benemérito da Universidade Harvard. Não se surpreendam.
Os professores não controlam o
dinheiro de sua universidade, afinal.
Paul Krugman, economista e professor
na Universidade Princeton (EUA), é colunista do jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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