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OPINIÃO ECONÔMICA
Fadiga e arrogância
JOÃO SAYAD
Somos filhos de três raças:
brancos, negros e índios, que,
combinados dois a dois, se tornaram mulatos (brancos com negros), caboclos (brancos com índios), cafuzos (índios com negros) e mamelucos (brancos com
caboclos). São povos tristes.
Hoje, somos divididos em três
grupos:
1) as elites modernizantes, que
vivem a sensação de dever cumprido quando falam nos telefones celulares. E temem por suas
conquistas quando falta luz,
água e transporte. Votam no
PSDB. Eram alegres, ficaram
tristes;
2) as elites de ex-revolucionários que esperam novo modelo
depois do fim da União Soviética
e defendem, enquanto esperam,
uma regra invertida: a ética na
política, em vez de uma política
que refaça a ética. Votam no PT.
São alegres, mas estão tristes;
3) as massas distraídas pela televisão, pelos escândalos e, na semana passada, com o Carnaval.
Durante o ano vivem a angústia
existencial de uma escolha trágica -ou se convertem a uma religião que promete a bem aventurança dos pobres, pois ficarão ricos, ou aderem ao crime organizado. Votam em candidatos histriônicos ou em mitos criados por
publicitários. São tristes, mas parecem alegres.
O dinheiro atemoriza os dois
primeiros grupos quando assumem o governo -ex-revolucionários, treinados em "realpolitik", viram monetaristas, tão
convictos quanto os modernizantes. Tornam-se arrogantes.
Arrogância é considerar o próprio julgamento como definitivo
e natural. O arrogante expressa
seu juízo por meio de oração subordinada. "O país tem grandes
carências de investimentos em
infra-estrutura, educação e habitação, mas não tem dinheiro. Os
juros são muito altos por causa
da corrupção." A oração subordinada transforma o juízo particular em universal.
Se a oração principal fosse "o
país não tem dinheiro", seria
provocativa. O país gasta 9% do
PIB com o pagamento de juros,
imprime dinheiro para pagar juros e não tem dinheiro. O que é
corrupção?
O país está fatigado. Fadiga é o
convívio com o infinito, com o
que nunca acaba, fim que nunca
chega ao fim, o irritante assovio
do pneu que se esvazia lentamente. Imaginava-se que, depois
da cobrança de aposentadoria
dos aposentados, a agenda neoliberal se esgotaria, por falta de assunto. Que o país poderia ser salvo sem revolução, sem novo modelo, sem reformas e com medidas simples: reduzir os juros e
gastar o dinheiro público economizado com juros menores em
estradas (o país vai parar), urbanização de favelas (as grandes cidades são grandes favelas que
hospedam o crime organizado),
melhorar a qualidade da universidade pública (que forma a elite
de governantes e espanta os fantasmas que os assustam).
"Fadiga é vitalidade desesperada." O país perde o fôlego e não
sufoca, pois a redenção sempre
está próxima. Desespera-se com
o anúncio de promessas inócuas
e difíceis de cumprir -a "política econômica não muda", o país
"não tem dinheiro", "vamos fazer a reforma política", a "reforma do Judiciário" e, logo mais,
outra reforma da Previdência.
O Carnaval foi deprimente.
Cinco dias cinzas de chuva fina
sobre a cidade vazia. Estavam
todos na avenida. Os mitos -as
reformas, a modernidade e o dinheiro- foram os destaques
criados pelas elites modernizantes; desfilaram nus para parecer
reais; os carros alegóricos e fantasias foram pagos ou por empresas que querem publicidade ou
pelo crime organizado -que
não quer publicidade; sambas-enredo trataram de temas irrelevantes. A massa de pessoas reais
seguia atrás, fantasiada de coisas
que não existem, corpos suados,
levantando os braços, cheia de
vitalidade, desesperada, mas distraída com o Carnaval.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - [email protected]
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