S�o Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Os perigos do blecaute

MOACYR SCLIAR

Todo o mundo se aborrecia com a possibilidade de um blecaute, menos ele. As trevas n�o o assustavam; paradoxalmente, incendiavam-lhe a imagina��o. Ele tinha certeza de que, no escuro, viveria uma aventura, em realidade, a grande aventura de sua vida de comerciante pacato, casado, pai de fam�lia, um homem cuja �nica excentricidade era exceder-se no u�sque de vez em quando.
Em sua imagina��o, a aventura seria vivida da seguinte maneira.
Ele chegaria a seu pr�dio � noite e, no instante em que transpusesse a porta do sagu�o, as luzes se apagariam. No escuro (o fato de n�o fumar e, portanto, de n�o carregar f�sforos ou isqueiro, representaria nesse momento um detalhe duplamente ben�fico) procuraria a escada para subir ao seu apartamento, no quarto andar. E, quando estivesse subindo, tateando penosamente e cuidando para n�o trope�ar, ouviria passos: algu�m descendo. Algu�m usando sapatos de salto alto. Muito alto.
S� algu�m no pr�dio usa sapatos assim: a vizinha do terceiro andar. Uma mulher ainda jovem, bel�ssima, sensual; uma divorciada sem preconceitos, disposta a aceitar tudo que a vida lhe oferecesse de inusitado. No caso: ele, subindo as escadas no escuro.
Encontrar-se-iam no corredor do terceiro andar. De imediato a paix�o se apossaria deles; sem trocar qualquer palavra, eles se abra�ariam, se beijariam e -loucura completa- teriam uma rela��o sexual ali mesmo, de p�, vozes confusas soando em todos os andares. Antes que qualquer porta se abrisse, antes que qualquer lanterna se acendesse, eles se separariam e, sem nenhuma palavra!, prosseguiriam seus caminhos, ela descendo, ele subindo.
O �nico risco nessa hist�ria, o risco capaz de estragar qualquer fantasia � �bvio: consiste, esse risco, em 1) ele entrar no apartamento; 2) n�o encontrar a mulher; 3) constatar, por uma nota fiscal esquecida em cima da cama, que nesse dia ela comprou um par de sapatos. Provavelmente sapatos de salto alt�ssimo. Adequados para, como ela diz, provocar o desejo fetichista do marido.
Blecautes n�o s�o isentos de perigos. Esse � um deles.

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