S�o Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995 |
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DA GERA��O QUE DISSIPOU SEUS POETAS
AUGUSTO DE CAMPOS
Jakobson escrevia em 1931. A esse quadro pat�tico poderia acrescentar mais tarde outras mortes, n�o menos desoladoras e terr�veis, como a de Ossip Mandelstam (1891-1938), num campo de concentra��o, ou a de Marina Tsviet�ieva (1892-1941), suicida. Restaria considerar ainda a marginaliza��o dos sobreviventes como Aleksei Krutch�nikh (1886-1968), Anna Akhm�tova (1889-1966) e Boris Pasternak (1890-1960). E a dos levados ao ex�lio e ao ostracismo como Ilia Zdani�vitch, ou "Iliazd", que morreu em 1975 e cujo centen�rio de nascimento se cumpriu no ano passado. Um dos pioneiros da linguagem "za�m" (transmental), participante, em 1918, com Krutch�nikh, do grupo "41�", de Tiflis (Ge�rgia), Iliazd era um poeta-designer que explorava genialmente a grafia do cir�lico, criando, conforme suas pr�prias palavras, "verdadeiras partituras" fon�ticas para os sonorismos da poesia "za�m". Sua obra mais expressiva, "Lidanti�, o Farol", foi publicada em Paris, em 1923. Trata-se de um poema dram�tico polivocal em 53 "quadros tipogr�ficos", dedicado � mem�ria do pintor russo Mikhail Lindanti�, um companheiro do grupo "41�". "Uma festa para os olhos", nas palavras de Gerald Janaceck ("The Look of Russian Literature - Avant-Garde Visual Experiments, 1900-1930", Princeton, 1984), ou, segundo o autor, "o testamento de um tempo irreversivelmente desaparecido". Aqueles que hoje falam, de forma superficial e reducionista, na "volta ao figurativismo" do �ltimo Mali�vitch �um sobrevivente da mesma gera��o, na �rea da pintura (1878-1935)� parecem n�o se aperceber do drama e da ironia impl�citos na pr�tica do autor do "Quadrado Branco sobre Branco" (1918), que, depois de 1930 e da ascens�o do realismo socialista, pinta vultos sem cara, de costas para o espectador, ou retratos de fam�lia, � maneira quatrocentista. Ent�o nada significam o figurativismo desfigurado, ou as imagens rigidamente anacronizadas do criador do Suprematismo, um dos profetas do n�o-representativismo nas artes visuais? Para mim, as n�o-caras falam. Os que sobreviveram foram descaracterizados, perderam a cara. Esses o estalinismo n�o fez quest�o de matar. Fez ainda pior. Humilhou e despersonalizou. Ou intimidou e calou. S� a vingan�a lenta da poesia os resgatou e resgatar�. "Fa�am o meu balan�o a posteriori!" �escreveu Maiak�vski, em "Conversa sobre Poesia com o Fiscal de Rendas"� "No meio dos atuais traficantes e fin�rios/ eu estarei � sozinho! �/ devedor insolvente." "O poeta � o eterno devedor do universo/ e paga em dor porcentagens de pena." Ele foi, sem d�vida, o maior porta-voz, em poesia e vida, da rela��o conflitual entre po�tica e pol�tica, �tica e t�tica, que consumiu todos esses not�veis artistas. Se �como quer Pound� os artistas s�o as antenas da ra�a, um pa�s que massacra e despreza seus poetas sinaliza uma degeneresc�ncia grave no seu est�gio civilizat�rio. Hoje n�o h� decretos nem persegui��es. Mas a luta dos poetas continua, em todo o mundo, e outras gera��es est�o sendo dissipadas, num contexto massificador e imbecilizante, onde os meios de comunica��o tendem a nivelar tudo por baixo e a sufocar pelo descr�dito ou pelo sil�ncio as tentativas de fugir ao vulgar e ao codificado. Por isso � sempre �til rememorar os personagens dessa protot�pica trag�dia cultural delineada por Jakobson. A antologia de poesia russa de que participei como tradutor, ao lado de Haroldo de Campos, sob o crivo lingu�stico de Boris Schnaiderman, nosso guia seguro na selva selvagem do dif�cil idioma, privilegiou decididamente a obra de khli�bnikov e Maiak�vski (ao qual dedicamos tamb�m um volume monogr�fico). Vale a pena saber um pouco mais da obra de outros poetas que foram representados menos significativamente naquela colet�nea mas que fazem parte do elenco de grandes poetas da gera��o dissipada. Tr�s dentre eles �Blok, Mandelstam, Pasternak� se aproximam por terem, cada qual a seu modo, evolu�do para uma poesia caracterizada essencialmente pela densidade vocabular e pela substantiva��o da linguagem. O percurso do mais velho, Aleksandr Blok, patenteia uma transi��o do simbolismo para o modernismo, que prevalece em sua �ltima fase, passada a limpo pelo confronto com os cubofuturistas, e da qual resultou, como pe�a maior, o poema "Os Doze" (1918), por mim traduzido naquela antologia. � um caso semelhante ao da poesia de Yeats, purificada pelas pr�ticas do imagismo e da "defini��o precisa" de Pound. Vejam-se estes trechos de um dos poemas do ciclo "Dan�a da Morte" (1912), que tamb�m integra a antologia �duas estrofes que se iniciam e terminam com uma sequ�ncia de substantivos (aqui citados em transcri��o fon�tica): Continua � p�g. 6-9 Texto Anterior: A paix�o de um intelectual-ator Pr�ximo Texto: CLE�PATRA �ndice |
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