S�o Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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A cat�strofe de Petrarca

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ramo da matem�tica conhecido como teoria das cat�strofes parece ter decifrado um enigma da literatura ocidental: a ordem em que o italiano Francesco Petrarca (1304-1374) comp�s seus poemas de amor para Laura.
Os 366 poemas foram reunidos pelo poeta no "Canzionere", dividido em duas partes (antes e depois da morte da musa). Dentro de cada parte, a ordem dos poemas n�o corresponde, por�m, �quela em que Petrarca os escreveu.
Mas Frederic Jones, professor em�rito da Universidade do Pa�s de Gales (em Cardiff), diz ter um bom palpite para a ordem real.
Jones ordenou 242 poemas da primeira parte do "Canzionere" aplicando aos registros hist�ricos a teoria das cat�strofes. "A teoria das cat�strofes � a matem�tica do comportamento descont�nuo", disse � Folha por telefone.
Uma cat�strofe ocorre, por exemplo, quando a �ltima gota que pinga da torneira faz derramar �gua do balde. Uma a��o cont�nua (�gua pingando) tem um efeito descont�nuo (o derramamento).
Segundo o especialista em estudos italianos, que levou 14 anos para ordenar os poemas, o relacionamento entre Petrarca e Laura seguia um padr�o semelhante.
Petrarca se apaixonou � primeira vista em 1327. Casada, Laura jamais correspondeu a seus avan�os. Cat�lico devoto, ele considerava seus desejos pecaminosos.
At� a Peste Negra matar Laura em 1348, o humor de Petrarca flutuava do �xtase ao desespero, provocando nela rea��es antag�nicas.
Para Jones, a teoria das cat�strofes fornece a chave para desvendar ciclos na rela��o dos dois.
O poeta come�a uma fase de esperan�a, que se intensifica at� atingir um ardor sensual excessivo. Simultaneamente, a amizade inicialmente manifestada por Laura se transforma em indigna��o.
Ocorre ent�o a primeira cat�strofe: Laura rejeita Petrarca. � a gota d'�gua que converte o ardor do poeta em ang�stia. Laura, ao ver Petrarca chegar ao desespero, diminui seu antagonismo.
� quando acontece a segunda cat�strofe: Laura se apieda do poeta e demonstra amizade. Petrarca, iludido, entende isso como amor e volta a sentir esperan�a. O ciclo retorna ent�o ao in�cio.
Como alguns poemas trazem provas internas de quando foram escritos, Jones foi capaz de datar seis ciclos desse tipo.
Quase todos os outros podem ser encaixados nos ciclos conforme o grau de esperan�a, ardor, ang�stia ou desespero, de acordo com fatos da vida do poeta.
O soneto 162, por exemplo, traz uma paisagem de bosques e flores na primavera ou in�cio do ver�o (leia ao lado). O cen�rio coincide com Vaucluse (sul da Fran�a), onde Petrarca morou ap�s 1337.
A beleza ainda radiante de Laura sugere uma data anterior a 1343, quando Petrarca admite o decl�nio dos dotes f�sicos da musa.
Como o poema demonstra ardor crescente, pode corresponder a tr�s momentos de sensualidade nos ciclos: 1338-1339, 1341 ou 1342.
Petrarca viajou � It�lia em 1341, e o ciclo de 1338-1339 n�o tem um momento sensual na primavera-ver�o. Jones conclui, portanto, que o soneto foi escrito em 1342.
"H� alguns problemas", admite Jones. "Ele pode ter vivido a experi�ncia meses antes de escrever. Mas n�o errei por mais de um ano na data de nenhum poema. Para fins liter�rios, � o bastante."
Jones tamb�m previu como seria uma rela��o est�vel: Laura demonstrando amizade constante; Petrarca controlando seus impulsos. "Mas ele sempre deixava sua paix�o sobrepujar a raz�o", diz. A cat�strofe era inevit�vel.

THE STRUCTURE OF PETRARCH'S "CANZONIERE" (A Estrutura do "Canzionere" de Petrarca), de Frederic Jones. Boydell & Brewer. US$ 63. Lan�amento no Reino Unido previsto para dezembro.

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