S�o Paulo, ter�a-feira, 15 de fevereiro de 1994
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Fazendo m�dia com os sal�rios

MARCELO LEITE

� na condi��o de trabalhador "coisa-nenhuma" �de acordo com a defini��o do ministro-professor Fernando Henrique Cardoso, aqueles que ganham hoje acima de CR$ 500 mil� que pe�o licen�a para tornar p�blica uma fobia particular, porque tenho certeza de que � compartilhada por todos os assalariados. Est�o discutindo de novo a convers�o dos sal�rios pela m�dia dos �ltimos 12 meses, quando a taxa de infla��o andou pela casa dos 3.000%.
Embora a conta seja complicada, quem vive de sal�rio j� aprendeu, por experi�ncia, que quanto mais alta for a infla��o maior � o preju�zo. Esse imposto perverso se mascara sob a constante acelera��o das perdas mensais de poder aquisitivo, que nenhuma pol�tica salarial rep�s integralmente.
Argumenta-se que do ponto de vista econ�mico o que conta � o sal�rio real. O nominal seria uma fic��o, como j� explicava o ministro Bresser Pereira naquele 1988 de m� mem�ria. Toda a l�bia do mundo ser� no entanto incapaz de fazer o mais simples assalariado esquecer que o que hoje � fic��o, o valor impresso no contracheque da data-base, foi em algum ponto do passado pr�-inflacion�rio express�o do sal�rio real. As perdas ocorridas depois n�o s�o simples vicissitudes econ�micas, mas transfer�ncia de renda ileg�tima.
A convers�o pela m�dia cristaliza no novo sal�rio nominal essa injusti�a an�nima, frente � a qual a revolta e a frustra��o perdem o foco, desandam como maionese. Porque at� isso a experi�ncia j� ensinou: que n�o importa o ministro, a infla��o � como uma for�a da natureza, uma compuls�o nacional, uma culpa coletiva mais do que responsabilidade do governante. Veja-se a faceirice de Itamar Franco na Marqu�s de Sapuca�, por exemplo, como se a indec�ncia inflacion�ria n�o fosse com ele.
FHC pelo menos encenou seu teatro brasiliense, reunido com a equipe econ�mica para debater a URV. Faz m�dia, dizendo que n�o � prop�sito do novo plano "garfar" os trabalhadores, mas evita qualquer defini��o mais comprometedora. Afinal, os sal�rios v�o ser convertidos pela m�dia ou n�o?
Enquanto n�o responderem a esta pergunta, o ministro Fernando Henrique e seu patr�o estar�o tergiversando. Depois de tanta demora, como se a ebuli��o inflacion�ria fosse um tema acad�mico para ser tratado em um ou dois semestres de semin�rio, ningu�m mais acredita que a infla��o v� cair ou sabe dizer o que se pretende com o plano FHC2 (experimente o leitor perguntar para a pessoa ao lado o que quer dizer a sigla URV, ou o que foi o FHC1).
� a �nica pergunta que interessa, no momento: se o governo vai ceder, mais uma vez, � tenta��o de achatar o �nico pre�o da economia para o qual pode contar com a complac�ncia do empresariado. N�o se trata mais nem mesmo de saber se a convers�o pela m�dia vai alcan�ar outros pre�os, pois a mesma �e amarga� experi�ncia ensina que isso � balela. Em primeiro lugar, o governo n�o tem como imp�r e fiscalizar o cumprimento da medida. E mesmo que tivesse, estaria perdendo tempo: quem quer que tenha feito compras nas �ltimas semanas sabe aonde foram levados os pre�os, preventivamente, e os rid�culos "descontos".
Quem vive de sal�rio j� viu esse filme. E n�o gostou.

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