Estava alheia às Olimpíadas por discordar de sua realização em plena pandemia, mas bastou um passeio pelos noticiários e eu já fiquei completamente rendida. Não assisti a nenhuma prova nem jogo; da abertura, só vi algumas fotos. Não sou sanitarista, mas faço coro com quem é e prefiro ficar do lado da ciência, principalmente quando se trata de uma epidemia.
No entanto, me encontrei totalmente dividida entre o evento e os atletas. De um lado, o empuxo midiático, o comércio de corpos e produtos, o ufanismo; de outro, as histórias de superação, de esforço sobrehumano. Quando dei por mim, estava torcendo emocionada, compartilhando imagens, mesmo mal conseguindo acompanhar as provas.
De fato, o que me emociona são as histórias que acompanham os feitos e, no caso dos jovens brasileiros —muitos deles negros e periféricos—, o fato de lutarem por uma medalha improvável no país que cada vez mais desinveste na educação, na cultura e no esporte.
Frequentemente, por trás dos medalhistas que têm nos emocionado tanto, encontramos uma família humilde e um começo em condições precárias.
Italo Ferreira, rapaz negro de família humilde de pescadores do Rio Grande do Norte, começou a surfar usando uma tampa de isopor. Rebeca Andrade, jovem negra de São Paulo, cuja mãe criou sete filhos sozinha, começou a treinar aos quatro anos num projeto social de iniciação ao esporte da Prefeitura de Guarulhos. Rayssa Leal, adolescente negra do Maranhão —bem longe do eixo Sudeste—, recebeu do pai um skate para brincar aos seis anos. Mesmo para os que não têm uma história que por si só já seria uma corrida de obstáculos, chegar nesse nível de competição envolve empenho pessoal e familiar gigantesco. Isso vale para todos que buscaram a classificação mas ficaram de fora, os que foram aceitos nas Olimpíadas e os que subiram ao pódio.
Por ser a competição esportiva principal entre nações, acaba por espelhar o investimento que cada país faz em educação e em esporte. A maior parte das crianças treinadas em países de grande desempenho esportivo foram descobertas dentro do ambiente escolar, em equipamentos acessíveis já no ensino fundamental. Nesse sentido, a Olimpíada é um dos retratos mais fiéis do paradoxo social brasileiro, pois revela características díspares próprias do povo daqui. Povo que Bruno Fratus exortou ao levantar a cabeça diante do mundo, após receber a medalha de bronze na natação. Ele, mesmo treinando nos Estados Unidos, viralizou ao elogiar seus combalidos conterrâneos. Ali onde o poder público falha —poder que nós mesmos elegemos— entra a garra de quem aprendeu a se virar com o que tem, desde muito cedo.
As manchetes têm se dividido entre as notícias de um governo que se esfacela, levando consigo tudo o que vê pela frente, e a vaga lembrança de um país jovem, orgulhoso, com sangue nos olhos e muita vontade de se superar.
Ao assistir aos Jogos, matamos a saudade das cores da bandeira sendo ostentadas longe das vexatórias cenas de manifestações fascistoides que se apoderam dos símbolos nacionais. Deu saudades de ver o país vibrar por uma conquista comum. Poderíamos ter sido campeões da vacinação em massa em tempo recorde, pois tivemos a chance e declinamos criminosamente.
Assim como muitos atletas que nos representam, o país tem uma história triste e desamparada, fruto da colonização e da exploração do povo. Como toda história que nos diz respeito, teremos que decidir o que fazer com ela. Mas, diferentemente do esporte, não há medalhas no final nos aguardando, pois neste jogo, ou ganhamos todos ou perdemos todos.
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