Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu alimentação África

A história e a bioquímica por trás da globalizada palavra 'café'

Palavra pode derivar de 'Kaffa', região montanhosa do Leste africano

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De manhã, tomando meu café com os olhos enfiados na caneca, me lembro da fascinante história da palavra que desembarcou na língua portuguesa em 1622 para nomear a infusão aromática que fumega agora em minhas mãos e chego a uma ideia excitante.

Certo, o pensamento pode até ser óbvio, mas vem com jeito de revelação: palavras podem ser tão viciantes quanto café, e nenhuma comprova melhor essa tese do que a que importamos do italiano "caffè".

Poucos termos podem se gabar de serem tão globalizados. O inglês "coffee", o francês "café" e o alemão "Kaffee" são, convenhamos, café pequeno perto do polonês "kawa", do japonês "Ko hi", do vietnamita "cà phê", do filipino "kape", do uzbeque "kofe" e do zulu "ikhofi".

Acha pouco? Que tal adicionar nessa xícara algumas colheres do curdo "qehwe", do suaíli "kahawa", do havaiano "kope", do mongol "kofye", do híndi "kophee", do malaio "kopi" e do gaélico escocês "cofaidh"? Há muitos outros nessa veia, mas ficaria cansativo listar tudo.

Se o Google tradutor não estiver de brincadeira comigo, acho que podemos concluir com alguma segurança que o café-coisa é o principal combustível da humanidade e que o café-palavra, com suas variações, é planetário. Como explicar um sucesso tão acachapante?

O italiano "caffè" foi o principal veículo desse expansionismo linguístico desenfreado. Os mercadores venezianos que, no século 17, aplicaram toda a Europa no novo vício exportaram, junto com muitas toneladas de grãos torrados, o nome daquela delícia.

Secagem de grãos de café em cooperativa de Irgachefe, região produtora mais conceituada da Etiópia
Secagem de grãos de café em cooperativa de Irgachefe, região produtora mais conceituada da Etiópia - Fellipe Abreu/Folhapress

As fronteiras da cafeína não pararam mais de se expandir pelos séculos seguintes, no rastro da intensificação do comércio internacional e do imperialismo europeu. E o nome, claro, foi atrás.

Não há nada de extraordinário nisso. Novidades que se espalham rapidamente, contagiando diversos países e culturas, costumam ser adotadas junto com seu nome de batismo ou alguma adaptação local dele, uma vez que o termo é, por definição, intraduzível. Algo parecido ocorreu mais recentemente com a palavra internet, entre muitas outras.

Se o italiano teve papel fundamental nessa história, isso não quer dizer que a palavra "caffè" tenha sido criada lá. Tratava-se de um empréstimo do turco "kahvé", que por sua vez era um decalque do árabe "qahwa" –um termo que, àquela altura, servia para designar tanto café quanto vinho.

Cafezal em Anis, na província de Dhamar, no Iêmen - Durar Specialty Coffee Stores via Reuters

Isso ajuda a entender por que o nome científico do cafeeiro é "Coffea arabica": o Oriente Médio se viciou antes da Europa naquela infusão. Mas ainda não chegamos ao berço do café.

A planta é africana, nativa da Abissínia (hoje Etiópia). Uma tese que os etimologistas consideram não comprovada –mas que, cá entre nós, soa provável à beça– deriva a palavra de Kaffa, região montanhosa do Leste africano. Dali, atravessando o Mar Vermelho ainda no século 9°, o café chegou ao Iêmen, que se tornou seu primeiro produtor em larga escala.

Traçar o mapa de velhas rotas comerciais é importante para contar a história do café, mas fica faltando falar de um fator, digamos, bioquímico. Palavras são mais viciantes quando aquilo que elas nomeiam induz febres de consumo –e aqui vale mais uma vez o paralelo com a internet.

O pesquisador americano Douglas Harper conta que o "coffee" desembarcou na Inglaterra em 1650. Mesmo com a concorrência pesada do chá preto, a bebida nascida em Kaffa já contava, 25 anos depois, com mais de 3.000 pontos de venda no país.

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